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Ganho de Capital na alienação de participação societária por pessoa física: interessante precedente do CARF -
Paulo Coviello Filho*

Artigo - Federal - 2019/3674

Em 16.1.2019, a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 2ª Seção do CARF, por meio do acórdão n. 2402-006.870[1], proferiu interessante decisão sobre a tributação pelo imposto de renda da pessoa física (IRPF) de ganho de capital na alienação de participações societárias.

No caso em tela, determinada pessoa física realizou a alienação de participações societárias, tendo oferecido o ganho de capital auferido na operação à tributação. Ao analisar a operação, a fiscalização irresignou-se com dois aspectos: (i) a consideração, como custo de aquisição, de reservas de capital capitalizadas e (ii) a metodologia de oferecimento à tributação do valor depositado em escrow account[2].

Após decisão desfavorável na 1ª instância administrativa, o processo foi remetido ao CARF com recurso voluntário do contribuinte, sendo que o Conselho deu parcial provimento ao recurso, cancelando a infração relativa ao item (ii), mas mantendo o item (i). Confira-se a ementa do acórdão ora comentado:

"GANHO DE CAPITAL. ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. PARCELA DO PREÇO SEM VALOR DETERMINADO.

A parcela do valor da operação de alienação de participação societária auferida a título de escrow account integra o preço de venda da participação societária e deverá ser tributada como ganho de capital quando do seu auferimento.

CUSTO DE AQUISIÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE RESERVAS E LUCROS. EFEITOS. RESERVA DE CAPITAL E RESERVAS DE LUCROS. DISTINÇÃO. CONCEITO, NATUREZA E FINALIDADES DISTINTAS.

Somente o aumento de capital, mediante a incorporação de lucros ou de reservas constituídas com lucros, possibilita o incremento no custo de aquisição da participação societária, em valor equivalente à parcela capitalizada dos lucros ou das reservas constituídas com esses lucros que corresponder à participação do sócio ou acionista na investida.

As reservas de capital não se confundem com as reservas de lucros, vez que conceitualmente têm natureza contábil e fiscal distintas e atendem a finalidades completamente diferentes.

A incorporação ao capital social das reservas de capital não permite o aumento do custo de aquisição para fins de apuração do ganho de capital."

No que concerne ao item (i) acima, a partir do relatório do acórdão é possível notar que a pessoa física autuada havia considerado, como parte do custo de aquisição das participações societárias alienadas, valor relativo à capitalização de reserva de capital formada por ágio na subscrição de ações, majorando o referido custo e, consequentemente, diminuindo o ganho de capital auferido.

O fisco glosou do custo apropriado a parcela relativa à capitalização de reserva de capital, alegando que somente poderiam ser considerados no custo as parcelas relativas à capitalização de reservas de lucros ou lucros acumulados.

Diante desse cenário, o CARF, em decisão definida por voto de qualidade, entendeu que o parágrafo único do art. 10 da Lei n. 9249, de 26.12.1995[3], vigente à época dos fatos, somente autorizava a incorporação ao custo de aquisição da participação societária no caso de capitalização das reservas de lucros, não havendo permissão para a incorporação de reservas de capital ao custo, como pretendido pela pessoa física.

Nesse sentido, a decisão destacou a Solução de Consulta COSIT n. 10, de 3.2.2016, a seguir ementada:

"CUSTO DE AQUISIÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE RESERVAS E LUCROS. EFEITOS. Somente o aumento de capital, mediante a incorporação de lucros ou de reservas constituídas com lucros, possibilita o incremento no custo de aquisição da participação societária, em valor equivalente à parcela capitalizada dos lucros ou das reservas constituídas com esses lucros que corresponder à participação do sócio ou acionista na investida."

Como se vê, a decisão pautou-se na previsão contida no parágrafo único do art. 10 da Lei n. 9249 que autoriza expressamente que o valor decorrente da capitalização de lucros seja incorporado ao custo de aquisição da participação societária. Como inexiste disposição idêntica no caso de incorporação de outras reservas que não tenham sido constituídas com lucros, a decisão seguiu o entendimento manifestado pela COSIT e não admitiu o aumento do custo de aquisição das participações societárias com base na incorporação ao capital social das reservas de capital não constituídas com lucros.

No caso específico, no limite das informações disponibilizadas pelo acórdão, o raciocínio da decisão parece estar correto na medida em que a reserva de capital fora constituída com ágio pago na subscrição de capital por outro acionista. Ou seja, a acionista vendedora havia incorporado ao seu custo de aquisição das participações societárias vendidas o valor proporcional à incorporação ao capital social de reserva de capital formada por ágio constituída no momento da subscrição de aumento de capital por outra pessoa jurídica.

Ocorre, contudo, que esse ágio foi pago por outra pessoa jurídica na subscrição de capital da sociedade que teve as participações societárias vendidas, não sendo admissível, em tese, o aumento do custo de aquisição por parte da acionista pessoa física autuada, que não teve qualquer desembolso na operação.

Com relação ao item (ii), verifica-se que a pessoa física, no momento da alienação, considerou que o ganho de capital correspondia ao valor da parcela da venda incondicional, ou seja, que não estava sujeita a qualquer condição futura, subtraído do custo integral das participações societárias. Posteriormente, no momento da liberação da parcela depositada em escrow account, a pessoa ofereceu à tributação o valor integral como ganho de capital, sem reduzir qualquer custo, tendo em vista que o custo já havia sido baixado no primeiro momento, contra a parcela do preço liberada inicialmente.

Por sua vez, a autoridade fiscal afirmou que o procedimento correto teria sido (i) considerar o valor integral recebido (parcela inicial somada ao valor depositado em escrow account que foi posteriormente liberado) como preço da alienação, subtrair o custo de aquisição, verificar o percentual do ganho de capital sobre o preço e aplicar esse percentual sobre cada parcela.

Essa metodologia de cálculo resultou em suposto recolhimento a menor sobre o valor recebido inicialmente, tendo em vista que a pessoa física havia reconhecido o custo integralmente nesse momento, ao passo que na metodologia aplicada pela fiscalização o custo é apropriado proporcionalmente à cada parcela recebida. Ainda segundo o raciocínio da fiscalização, teria havido recolhimento a maior em momento subsequente, quando do recebimento dos valores anteriormente depositados em escrow account, mas tal aspecto seria irrelevante para o deslinde do processo.

Em decisão colhida por maioria, foi dado provimento ao recurso voluntário do contribuinte, admitindo-se como correta a metodologia adotada pelo contribuinte na apuração do ganho de capital.

O voto vencedor reconheceu que a parcela do escrow account era incerta e indefinida, eis que o valor depositado na referida conta poderia ser integral ou parcialmente liberado à vendedora ou até mesmo não haver qualquer montante liberado. Assim, diante de tal incerteza a pessoa física não poderia adotar a metodologia indicada pela fiscalização, pois ela não tinha conhecimento, no momento da alienação, qual seria o preço integral da venda efetuada.

Confira-se o seguinte trecho da decisão:

"Mais ainda, a recorrente também não tinha como desdobrar o custo de aquisição da participação acionária, pois a incerteza e indefinição dos valores do escrow account indubitavelmente impedia a proporcionalização de valores. Insista-se que a parcela variável poderia até mesmo ser igual a zero, caso a indenização por contingências fosse igual ou superior a R$ 80.000.000,00.
Noutro giro, a contribuinte teria que fazer um verdadeiro exercício de adivinhação para, à época da apuração do imposto, chegar ao mesmo valor apurado pelo agente fazendário."

A decisão ainda destacou que em se tratando de situação jurídica, o fato gerador, nos termos do inciso III do art. 116 do CTN, considera-se ocorrido quando a situação esteja definitivamente constituída, sendo que quando houver condição suspensiva, o fato gerador ocorre no momento do seu implemento (art. 117, inciso I, do CTN).

Também foi objeto de destaque a previsão contida na questão 555 do Perguntas e Respostas do Exercício 2012, quem trata da situação em que não é possível identificar o preço de venda no momento da alienação, determinando que "o ganho de capital deve ser tributado na medida em que o preço for determinado e as parcelas forem pagas." A disposição em questão seria aplicável à situação do escrow account em análise, tendo em vista a indeterminação do preço.

O entendimento manifestado na decisão está correto, pois como a pessoa física não tinha conhecimento, no momento inicial, sobre se haveria liberação de algum valor depositado em escrow account, era impossível efetuar o cálculo proporcional exigido pela fiscalização. De fato, a fiscalização tentou aplicar a lógica de venda à prazo para uma situação em que parte do preço estava definida e a outra parte era condicional, podendo inclusive não existir. Consequentemente, agiu bem a pessoa física ao baixar integralmente o custo de aquisição no momento do oferecimento à tributação a primeira parcela da venda. Posteriormente, quando houve a liberação do valor depositado em escrow account, o que inicialmente era incerto, a contribuinte corretamente ofereceu o valor integral à tributação, como ganho de capital.

Por fim, destaque-se que a decisão está em linha com outras decisões daquele Conselho, como é o caso dos acórdãos n. 2202-002.859, de 5.11.2014[4], n. 2301-005.377, de 3.7.2018[5], dentre outros, bem como com a Solução de Consulta DISIT n. 58, de 27.8.2013, da 4ª Região Fiscal[6].

[1] Nos mesmos termos, o acórdão n. 2402-006.869, relativo à mesma operação.

[2] Escrow account, também conhecida como conta caução ou conta garantia, é utilizada em operações de aquisições de investimento para resguardar o comprador relativamente a riscos que possivelmente venham a se materializar no investimento adquirido.

[3] "Parágrafo único. No caso de quotas ou ações distribuídas em decorrência de aumento de capital por incorporação de lucros apurados a partir do mês de janeiro de 1996, ou de reservas constituídas com esses lucros, o custo de aquisição será igual à parcela do lucro ou reserva capitalizado, que corresponder ao sócio ou acionista."

[4] "GANHO DE CAPITAL. ESCROW ACCOUNT. TRIBUTAÇÃO. Somente haverá a incidência do Imposto de Renda sobre o ganho de capital, decorrente da alienação de bens e direitos, relativo a rendimentos depositados em escrow account (conta-garantia), quando ocorrer a efetiva disponibilidade econômica ou jurídica destes para o alienante, após realizadas as condições a que estiver subordinado o negócio jurídico."

[5] "VALORES A SEREM RECEBIDOS EM FUNÇÃO DO CUMPRIMENTO DE CONDIÇÕES DE ESCROW ACCOUNT. Somente haverá a incidência do Imposto de Renda sobre o ganho de capital, decorrente da alienação de bens e direitos, no tocante a rendimentos depositados em escrow account (conta-garantia), quando ocorrer a efetiva disponibilidade econômica ou jurídica destes para o alienante, após realizadas as condições a que estiver subordinado o negócio jurídico, sendo que a tributação de tais valores se dá sob a forma de tributação de ganho de capital na forma do artigo 31 da Instrução Normativa SRF n. 84/01."

[6] "Ganho de capital. Escrow account. Tributação. Somente haverá a incidência do Imposto de Renda sobre o ganho de capital, decorrente da alienação de bens e direitos, no tocante a rendimentos depositados em escrow account (conta-garantia), quando ocorrer a efetiva disponibilidade econômica ou jurídica destes para o alienante, após realizadas as condições a que estiver subordinado o negócio jurídico."

 
Paulo Coviello Filho. Advogado, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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