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A simulação na apuração de créditos de PIS e CONFIS - CARF desconsidera operações de compra e venda de produtos destinados à exportação e intermediadas por terceiro varejista - Paulo Coviello Filho* - Henrique de Queiroz Telles Antonucci*

Artigo - Federal - 2018/3655

Em sessão de julgamentos realizada no dia 17.4.2018, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento do CARF manteve autuação decorrente de glosa de créditos da Contribuição ao Programa de Integração Social ("contribuição ao PIS") e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social ("COFINS") sobre determinado contribuinte que apurou tais créditos em operações de compras de derivados de soja, que foram consideradas como simuladas pela fiscalização.

O entendimento manifestado pelo CARF por meio do acórdão n. 3301-004.593 sustentou-se na ausência de propósito negocial nos atos que antecederam a exportação dos produtos, o que, sob a ótica do órgão julgador, teria maculado o conjunto das operações, evidenciando que as operações seriam simuladas.

No caso, a autuada, doravante denominada "Sociedade A", possuía atuação no ramo de supermercados, sendo que sua principal atividade comercial era a venda de bens no varejo ao consumidor final. Já a outra pessoa jurídica supostamente envolvida nas operações, em face da qual foi imputada responsabilidade solidária na autuação, denominada aqui como "Sociedade B", é pessoa jurídica que atua no ramo do agronegócio, explorando também atividades correlatas.

De acordo com o relatório do acórdão, a fiscalização procedeu ao lançamento sob o fundamento de que a Sociedade A teria atuado de maneira conjunta à Sociedade B, com o intuito de otimizar a geração e aproveitamento de créditos da contribuição ao PIS e da COFINS, no regime da não cumulatividade.

Pelo relatório do acórdão, a lógica da operação é a seguinte.

Como era predominantemente exportadora (direta ou indiretamente, mediante a venda para empresa comercial exportadora), a Sociedade B acumulava muitos créditos das contribuições em tela. Em razão disso, passou a vender seus produtos para a Sociedade B, que, posteriormente, realizava a exportação (direta ou indiretamente) desses produtos.

As receitas de exportação, como é cediço, não se sujeitam à tributação pelas contribuições em questão. A despeito disso, o art. 5º, parágrafo 1º, da Lei n. 10637, de 30.12.2002, e o art. 6º, parágrafo, 1º, da Lei n. 10833, de 29.12.2003, autorizam a manutenção do crédito apropriado pela empresa exportadora, que poderá utilizar para dedução do valor das contribuições a recolher, decorrentes das demais operações no mercado interno, bem como para compensação de débitos próprios de outros tributos. Além disso, poderá solicitar o seu ressarcimento.

Em suma, portanto, concretizada a compra e venda dos produtos, a Sociedade A ficaria encarregada de sua exportação, e, ao assim proceder, teria apurado os créditos das contribuições em questão, nos termos do art. 5º, parágrafo 1º, cumulado com o art. 3º, da Lei n. 10637, e do art. 6º, parágrafo 1º, cumulado com o art. 3º, da Lei n. 10833. Esse crédito era utilizado para abater das contribuições devidas pela sociedade A, decorrentes de suas operações no mercado interno.

Ocorre que, de acordo com a fiscalização, seria a Sociedade B a verdadeira exportadora (negócio dissimulado), de modo que haveria a simulação da venda para a Sociedade A. O papel da Sociedade A seria somente formal, para viabilizar a transferência dos créditos da contribuição ao PIS e da COFINS.

Ainda segundo o relatório da decisão, o entendimento fiscal se sustou nas seguintes particularidades do caso concreto.

Ao analisar os estabelecimentos da Sociedade A, a fiscalização entendeu que sua infraestrutura não possuiria condão de suportar o estoque da quantidade de produtos adquiridos para exportação (ao longo de 2010 a 2013, a autuada teria adquirido em torno de R$ 227.500.000,00 em derivados de soja). Em atendimento a intimações fiscais, a autuada afirmou que não possuía imóveis para armazenar tais produtos.

Ainda segundo a fiscalização, a Sociedade B não teria apenas vendido os produtos à Sociedade A, como também seria a responsável pelo estoque de parte destes produtos. O estoque do restante, de acordo com o Fisco, era realizado por sociedades alheias às envolvidas na compra e venda, e, em momento algum, eram recepcionados nas instalações da Sociedade A.

Em razão dessa condição particular da Sociedade A, a fiscalização entendeu que não estaria caracterizada a venda dos derivados de soja, tendo em vista a ausência de tradição dos referidos produtos, nos termos dos arts. 1.226 e 1.267 do Código Civil[1].

Além da alegada inocorrência de tradição dos produtos, a fiscalização apurou que não existia um instrumento de contrato formalmente celebrado entre a Sociedade A e a Sociedade B, com vistas a dispor sobre os termos da compra e venda e as obrigações de cada uma das partes.

Com base em tal fato, a fiscalização intimou diversas empresas comerciais exportadoras com quem a autuada realizava a exportação indireta dos produtos, para esclarecimentos acerca dos procedimentos de alienação dos bens.

Em resposta ao Fisco, as empresas intimadas informaram, em síntese, que não havia ocorrido contato direto entre elas e a autuada. De acordo com as empresas comerciais exportadoras, era a Sociedade B quem coordenava diretamente as operações em questão (as quais formalmente eram realizadas entre elas e a Sociedade A) e quem firmava os instrumentos contratuais.

Dessa maneira, a Sociedade B atribuía a si própria responsabilidade pelo fornecimento dos produtos às comerciais exportadoras.

No entanto, de acordo com a fiscalização, existiria uma cláusula nos contratos firmados que permitia a atuação da Sociedade A nas referidas operações. Tal cláusula previa que, nos casos em que não possuísse os produtos, a Sociedade B poderia indicar terceiros que os forneceriam, como é o caso da própria Sociedade A.

Por meio da referida cláusula, a Sociedade A realizava a disponibilização dos derivados de soja às comerciais exportadoras, mediante pagamentos recebidos em seu próprio caixa, ainda que os termos da contratação fossem elaborados pela Sociedade B.

Nos termos da autuação, a Sociedade B orientava as empresas comerciais exportadoras a efetuarem os pagamentos pelas diretamente à Sociedade A (documentalmente quem disponibilizava os produtos a serem exportados), o que reforçou o entendimento fiscal de que seria a Sociedade B a real vendedora dos produtos.

A fiscalização também destacou que a Sociedade B, no mesmo período fiscalizado, exportava os mesmos produtos, sem a necessidade da participação da Sociedade A. Ressaltou, ainda, que determinadas exportações também ocorriam com o intermédio das mesmas empresas comerciais exportadoras que participavam das operações intermediadas pela Sociedade A. Essa constatação evidenciaria a completa desnecessidade da participação da Sociedade A.

Também foi constatado que a Sociedade A não apurava lucro nas referidas operações, tendo em vista que havia quase nenhuma diferença entre o preço praticado pela Sociedade B em sua venda para o preço praticado pela Sociedade A.

Por fim, a autuação apoiou-se sobre o fato de que a Sociedade A, que atuava no ramo de varejo, constantemente não recolhia contribuição ao PIS e COFINS (em um período de 48 meses de análise, teria recolhido os tributos em apenas 4 deles), justamente em razão da dedução dos créditos gerados a partir da operação de compra e venda e posterior exportação dos derivados de soja.

Assim, baseando-se nos fundamentos de fato e de direito supracitados, o Fisco entendeu pela ocorrência de simulação. Sob sua ótica, a atuação em conjunto entre as Sociedades A e B, além de desnecessária na prática, por conta da Sociedade B possuir estrutura suficiente para suportar operações de exportação, ou seja, sem a necessidade de intermediação de terceiro, teria servido apenas como uma maneira de transferir à Sociedade A créditos da contribuição ao PIS e da COFINS. A autuação ainda imputou a multa qualificada, com base no parágrafo 1º do art. 44 da Lei n. 9430, de 27.12.1996.

Em sua defesa, a Sociedade A (autuada) alegou, dentre outras questões, (i) que o ordenamento jurídico não prevê forma escrita para contratos de compra e venda[2], de modo que seriam legítimas as operações de compra e venda celebradas entre ela e a Sociedade B, (ii) que a figura do abuso de direito não é aplicável ao campo do Direito Tributário, e (iii) que o ordenamento jurídico brasileiro não prevê a existência de propósito negocial como causa de validade de um negócio jurídico.

Por sua vez, a Sociedade B, incluída no polo passivo como responsável solidária, reafirmou as alegações da autuada, tendo também articulado que (i) houve emissão de notas fiscais ao longo de todas as vendas praticadas na operação, inclusive com o devido recolhimento dos tributos nelas identificados, (ii) que teria ocorrido uma "tradição simbólica" dos derivados de soja à Sociedade A, tendo em vista que houve emissão de fatura e o consequente pagamento do preço acordado, e que, (iii) mesmo não existindo a figura do propósito negocial no ordenamento jurídico, estaria demonstrada a sua presença no caso concreto, pois com a venda para a Sociedade A, havia a antecipação do recebimento de caixa da venda por ela praticada, de modo que configuraria uma condição mais vantajosa se comparada à exportação direta.

Em primeira instância administrativa, a DRJ julgou improcedentes as impugnações apresentadas, alinhando-se ao entendimento de que estaria caracterizada a simulação no caso concreto, tendo inclusive mantido a multa de ofício qualificada, no percentual de 150%, por conta do suposto dolo praticado pelas contribuintes.

Após a interposição de recursos voluntários pelas contribuintes, o caso foi analisado pela 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento do CARF, a qual manteve a autuação, em conformidade com o que restou decidido em 1ª instância, tendo apenas afastado a qualificação da multa de ofício, reduzindo-a ao patamar de 75%.

O voto vencedor do acórdão n. 3301-004.593 consignou que a avaliação da existência ou não de propósito negocial na operação é ferramenta válida para verificar a ocorrência de simulação. Confira-se o seguinte trecho da decisão:

"(...) a existência ou não de propósito negocial é ferramenta válida para se aferir a ocorrência ou não de simulação, afastando, por conseguinte, os negócios jurídicos maculados.

Restou clara a ausência de propósito negocial, diante da comprovação de que de um lado a [SOCIEDADE B][3] buscou a diminuição do estoque de créditos e, de outro, a [SOCIEDADE A] o acúmulo de créditos, com a indevida redução de tributos.

Os contratos, depoimentos e demais documentos apresentados permitem afirmar que a [SOCIEDADE B], dentro de suas atividades normais, executa operações denominadas "performance" junto às comerciais exportadoras, logo, não há fundamento para que ela faça contrato com a [SOCIEDADE A] ao invés de exportar seus produtos diretamente.

(...) não existe qualquer propósito negocial nas vendas de derivados de soja da [SOCIEDADE B] para a [SOCIEDADE A], porquanto tal operação gera um custo alto, não agrega valor e a [SOCIEDADE A] carece de qualquer estrutura para exportação (...).

Logo, a compra e venda para a qual inexistia motivação outra que não a criação artificial de condições para obtenção de vantagens tributárias é inoponível ao Fisco."

Como se vê, a decisão consignou que a ausência de propósito negocial deve ser considerada para que se verifique se houve, ou não, simulação em determinado negócio jurídico.

A despeito de tal posicionamento prevalecer em meio à jurisprudência do tribunal administrativo, a rigor, ele deve ser observado com cautela.

Ainda que, no caso concreto, o voto condutor tenha considerado um aparentemente robusto conjunto probatório apresentado pela fiscalização para concluir pela existência de simulação, a ausência de propósito negocial é somente um indício que pode ser utilizado para verificação da existência de simulação, não podendo ser considerado como a única prova nesse sentido.

A presença ou não de propósito negocial, em meio a atos e negócios praticados pelo contribuinte, não deve ser utilizada como único instrumento para que, fiscalmente, sejam desconsideradas tais manifestações, praticadas dentro do campo da licitude.

Isso porque cada ato ou negócio jurídico tem uma causa, denominada pela doutrina como "causa jurídica", "causa de atribuição patrimonial", "causa substancial", "causa típica", dentre outras denominações, inclusive simplesmente "causa", a qual corresponde à função que o ato ou negócio desempenha no ordenamento jurídico segundo a disciplina que a lei lhe outorga (quando típico).

A causa é a função assegurada pela lei para a realização de atos da vida patrimonial e negocial, identificando-se pelo conjunto da prestação e da contraprestação de cada ato ou negócio jurídico e, por conseguinte, com o efeito que ele produz. Moreira Alves preleciona que, além de corresponder à "função prática" do ato ou negócio jurídico, a causa não se confunde com o motivo que leva ao estabelecimento dos negócios jurídicos[4].

Em outras palavras, ainda que o intuito das partes seja obter economia fiscal, caso esse intuito seja atingido por meio de negócios jurídicos válidos, que respeitem a sua causa típica, não se pode admitir a sua desconsideração unicamente em razão da ausência de propósito negocial.

Um exemplo claro dessa situação é decisão de uma pessoa jurídica no sentido de dividir sua atividade industrial de sua atividade de administração de bens imóveis, mediante a constituição de uma nova pessoa jurídica, com o único intuito de obter economia fiscal decorrente da adoção de regimes tributários específicos. Ora, se a constituição da nova sociedade for real e efetiva, ainda que único propósito seja a obtenção de economia tributária, esse negócio não poderá ser desconsiderado pelo fisco, pois não há simulação.

Em suma, portanto, a existência ou não de propósito negocial serve como um indício que pode ser observado para se verificar se determinado negócio jurídico é, ou não, simulado.

Além disso, é sempre importante ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro não incorporou a existência de propósito negocial como requisito para a validade de negócios jurídicos, de forma que a suposta falta de propósito negocial não poderia motivar a desconsideração dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes. Nesse sentido, veja-se o acórdão n. 1302-001.150, de 7.8.2013[5].

Tanto isso é verdade que regras gerais anti-elisivas, baseadas em propósito negocial ou em interpretações econômicas, foram repelidas pelo Congresso Nacional em pelo menos em quatro oportunidades: (i) em 1966, quando o art. 74 do projeto do Código Tributário Nacional ("CTN") tentou introduzir a interpretação econômica no sistema tributário brasileiro; (ii) em 2001, quando o projeto da Lei Complementar n. 104/2001 tentou introduzir uma regra geral anti-elisiva ampla no art. 116, parágrafo único, do CTN, cuja redação foi alterada e restringida pelos congressistas brasileiros para alcançar apenas negócios dissimulados; (iii) em 2002, quando a Medida Provisória n. 66/2002 foi aprovada sem as disposições anti-elisivas originalmente previstas; e (iv) em 2015, quando a Medida Provisória n. 685/2015 tentou introduzir a obrigatoriedade de divulgação de planejamento tributário no Brasil, mas foi rejeitada pelo Congresso Nacional[6].

Essa constatação reforça a conclusão acima, no sentido de que a ausência de propósito negocial não é motivo suficiente para a desconsideração de negócio jurídico.

Por fim, cumpre ainda ressaltar que a decisão em comento afastou a multa qualificada no caso concreto, por considerar que não houve subsunção dos atos praticados pelas contribuintes às hipóteses contidas nos arts. 71, 72 e 73 da Lei n. 4.502, de 30.11.1964, que pressupõem o elemento subjetivo do dolo para sua caracterização. Partindo de tal premissa, assim se manifestou o voto vencedor do acórdão ora analisado:

"Entendo que a ocorrência de simulação não está obrigatoriamente vinculada à imposição de multa qualificada (...)

Logo, mesmo que o planejamento fiscal não possa ser convalidado, a qualificação da multa apenas se impõe se preenchidos seus próprios requisitos.

Assim, se as partes realizaram as operações às claras, cumpriram obrigações acessórias, não falsificaram documentos, não resta comprovado o "evidente intuito de fraude (...)

O pressuposto de aplicação da multa qualificada é a aplicação de um artifício doloso. Eis que, no que tange às infrações tributárias, o dolo não se presume, deve ser provado (...)"

Como visto, o CARF entendeu pela impossibilidade de imputação da multa qualificada às contribuintes, restringindo suas razões de decidir à suposta ocorrência de simulação no caso concreto.

Nesse sentido, afastado o elemento subjetivo do dolo, a discussão a respeito das operações realizadas entre a Sociedade A e a Sociedade B foi decidida na esfera da existência ou não de simulação.

Por fim, o acórdão ora analisado entendeu pela manutenção da responsabilidade solidária atribuída pelo Fisco à Sociedade B, nos termos do art. 124, inciso I, do CTN[7].

A despeito de a Sociedade B ter suscitado em sua defesa que a ela inexistiria "interesse comum" na apuração de créditos da contribuição ao PIS e da COFINS pela Sociedade A, bem como no consequente recolhimento a menor das contribuições, o voto vencedor refutou tal posicionamento.

Na visão do acórdão, o "interesse comum", na acepção do art. 124, inciso I, estaria presente na situação enfrentada, "eis que reside no interesse econômico, ou seja, interesse nas consequências oriundas da realização da operação simulada, beneficiando-se os dois polos do uso indevido dos créditos".

O acórdão afirmou que os efeitos do dispositivo legal em referência não se restringiriam apenas às partes que praticam o fato gerador do tributo, ao passo que o art. 124, inciso I, poderia ser aplicado à conduta simulada objeto da autuação, e praticada em conjunto, que não necessariamente se relacionaria ao fato gerador - "transferência de créditos decorrentes da venda para exportação", da Sociedade B para a Sociedade A.

Trata-se de mais uma consideração feita pelo acórdão que deve ser observada com cautela, eis que há corrente no sentido de que o interesse comum que justifica a responsabilização solidária é jurídico, no sentido de haja vinculação entre as pessoas na ocorrência da situação que constitui o fato gerador da obrigação tributária[8].

Ainda que controvérsias tributárias envolvendo a ausência de propósito negocial guardem relação com as peculiaridades de cada caso, que devem ser objeto de análise específica e casuística, a ausência de positivação da figura do propósito negocial no ordenamento jurídico pátrio afasta a possibilidade de que esse aspecto seja considerado isoladamente para a desconsideração de um negócio jurídico. Em outras palavras, a despeito de a falta de propósito negocial poder ser utilizada como indício para verificação da existência de simulação, outros indícios devem ser considerados para a identificação do referido vício do negócio jurídico.

[1] O contrato de compra e venda, por si só, não basta para a transferência do domínio. No que respeita aos bens móveis, o art. 1.226, do Código Civil, dispõe que "os direitos reais sobe coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos, por ato entre vivos, só se adquirem com a tradição". É com a tradição, pois, que o direito pessoal, que foi criado pelo contrato, ganha foro de direito real. Nesse sentido, é também o enunciado do art. 1.267, do Código Civil, segundo o qual "a propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição".

[2] De fato, conforme ensina Silvio de Salvo Venosa (Direito Civil - Contratos, Vol.3, pg. 238, Capítulo 18. 17ª Edição), "A compra e venda não se submete, como regra geral, à forma especial. Pode ser ultimada verbalmente ou por escrito, público ou particular. Em sua essência, o contrato é meramente consensual."

[3] Os textos entre colchetes substituem as razões sociais das contribuintes autuadas.

[4] ALVES, José Carlos Moreira. "As Figuras Correlatas da Elisão Fiscal". Revista Fórum de Direito Tributário n. 1. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 11. No mesmo sentido, vide: ALVES, José Carlos Moreira. Palestra inaugural do XVIII Simpósio Nacional de Direito Tributário do Centro de Extensão Universitária. "Pesquisas Tributárias - Nova Série - 10". São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 13.

[5] Confira-se o seguinte trecho: "Os julgadores do CARF prestarão um grande serviço ao Estado e a sociedade brasileiras se imprimirem segurança jurídica e isonomia ao sistema, evitando que suas decisões fiquem ao sabor lotérico do entendimento de cada conselheiro sobre conceitos vagos não positivados como, por exemplo, falta de propósito negocial, que não passa de uma construção jurisprudencial alienígena sem respaldo no ordenamento jurídico pátrio."

[6] BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento Tributário: Limites Normativos. São Paulo: Noeses, 2016, pp. 163-164.

[7] "Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; (...)".

[8] Nesse sentido, vide o Recurso Especial n. 859.616-RS, julgado em 18.9.2007, pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 
Paulo Coviello Filho é advogado. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Graduado em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).
Henrique de Queiroz Telles Antonucci