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Constituição de Novas Pessoas Jurídicas para Arrendamento de Bens e Exercício de Atividade Imobiliária - A caracterização de simulação e desconsideração de atos e negócios jurídicos em recentes acórdãos do CARF - Paulo Coviello Filho* - Mariana Nascimento Reyna*

Artigo - Federal - 2018/3650

O presente trabalho pretende expor e comentar os elementos fáticos que ensejaram a caracterização de simulação pelos julgadores do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais em dois acórdãos recentemente publicados. Busca-se compreender, a partir desses casos concretos, quais elementos presentes em situações fáticas distintas permitiram a desconsideração dos atos ou negócios jurídicos realizados pelos contribuintes e fundamentaram a manutenção das autuações fiscais.

Trata-se do acórdão n. 1402-003.265, de 24.7.2018, por meio do qual a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção do CARF confirmou a ocorrência de simulação, bem como manteve a imputação de multa qualificada. Do mesmo modo, o acórdão n. 1201-002.148, de 15.5.2018, proferido pela 1ª Turma Ordinária, 2ª Câmara da 1ª Seção, manteve a autuação fiscal por entender configurada simulação sem, entretanto, a aplicação de multa qualificada. Em ambos os casos, a dedução de tributos pagos por pessoas jurídicas desconsideradas foi acatada pelos julgadores.

Inicialmente serão abordados de forma breve os casos, com a apresentação dos argumentos da fiscalização e dos contribuintes, no que concerne à caracterização de simulação, para, na sequência, analisar conjuntamente as decisões proferidas pelo CARF, tecendo comentários a respeito da fundamentação legal e dos indícios de vícios nos negócios jurídicos.

1. Constituição de pessoa jurídica para arrendamento de bens

O primeiro acórdão, de n. 1402-003.265, de 24.7.2018, trata de caso envolvendo operação de arredamento de bens entre a autuada e sociedade por ela constituída. A autuação fiscal inicial glosou as despesas de arrendamento na apuração do lucro real, base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSL), sob o fundamento de que os supramencionados atos jurídicos seriam simulados. Além disso, a fiscalização imputou a multa qualificada prevista no art. 44, parágrafo único, da Lei n. 9430, de 27.12.1996.

No caso, a autuada constituiu nova empresa, com a qual celebrou contrato de arrendamento de bens. Conforme consta no relatório do acórdão, a fiscalização justificou a ocorrência de simulação dos atos ou negócios jurídicos, principalmente porque verificou que (i) havia similitude do quadro societário e coincidência do endereço fiscal da arrendadora e da autuada, (ii) a autuada era a única cliente da arrendadora; (iii) a arrendadora não possuía funcionários próprios, tampouco estrutura para a realização de atividades; e (iv) os imóveis envolvidos na operação eram, em sua maioria, de uso da autuada e de propriedade de seus sócios, tendo sido incorporados à nova sociedade quando de sua constituição. Diante desses indícios, a fiscalização concluiu no sentido da ausência de propósito econômico nestas operações. Além da correspondência dos bens arrendados, a fiscalização entendeu por simulado o negócio jurídico de arrendamento, pois a pactuação das condições contratuais ocorreu antes mesmo da constituição da nova sociedade.

Assim, baseando-se no conjunto fático supracitado, a fiscalização concluiu pela ocorrência de simulação nos negócios jurídicos firmados. Na visão do Fisco, o conjunto de indícios demonstraria a criação artificial de despesas relativas a arrendamento e, tendo sida a sociedade arrendadora constituída apenas para fins de economia tributária, não haveria propósito negocial.

Em sua defesa, quanto ao mérito, alegou a contribuinte (i) a inexistência de atos ou negócios jurídicos simulados, (ii) a fragilidade da fundamentação fática da fiscalização, que não teria se prestado a comprovar a suposta simulação da operação e (iii) que em momento algum qualquer uma das sociedades teria deixado de recolher os tributos devidos, subsidiariamente requisitando o aproveitamento dos valores já oferecidos à tributação. Por fim, (iv) declarou por indevida a imputação de multa qualificada, por não se tratar de conduta ilegal caracterizante de sonegação fiscal.

A DRJ julgou improcedente a impugnação apresentada, mantendo a glosa de despesas em razão da desconsideração dos efeitos tributários resultantes da operação. Manteve, também, a imputação da multa qualificada, por igualmente entender que a ocorrência de simulação restou demonstrada.

O processo foi remetido ao CARF em razão da interposição de recurso voluntário. A 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento, por meio do acórdão n. 1402-003.265, de 24.7.2018, deu parcial provimento, somente para reconhecer o direito da autuada em abater dos tributos cobrados os tributos pagos pela empresa criada.

2. Constituição de nova pessoa jurídica para o exercício de atividade imobiliária

O segundo acórdão ora analisado, qual seja, acórdão n. 1201-002.148, de 15.5.2018, proferido pela 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção do CARF, está relacionado à constituição, pela sociedade alvo da autuação fiscal, de pessoa jurídica dedicada à atividade imobiliária. A fiscalização procedeu ao lançamento de ofício sob o fundamento de que a autuada não teria oferecido à tributação ganho de capital apurado na alienação de imóvel. Interessante destacar que não houve a imputação da multa qualificada pelo Fisco na presente situação.

No presente caso, em suma, a autuada constituiu uma pessoa jurídica imobiliária, sujeita ao regime do lucro presumido, com o intuito de realizar um empreendimento imobiliário. A referida empresa seria responsável por adquirir o terreno, segregar o imóvel para as suas diversas finalidades (residencial, comercial e arena esportiva), constituir direito de superfície para a construção de arena esportiva, dentre outras funções relacionadas ao empreendimento imobiliário. A despeito disso, segundo relatório, a empresa tão somente adquiriu o imóvel, segregou o terreno e efetuou a alienação de parte dele, tributando a receita auferida no regime do lucro presumido, com base nos percentuais de atividade imobiliária. Posteriormente essa pessoa jurídica, que nunca teve estrutura física ou empregados, foi incorporada pela autuada.

A fiscalização desconsiderou a operação, tendo afirmado que a sociedade constituída pela autuada não teve finalidade negocial, sendo que o único intuito era a obtenção de economia tributária decorrente da tributação do resultado no regime do lucro presumido. A ausência de empregados e de estrutura, assim como a não realização das demais funções relacionadas ao empreendimento imobiliário, representariam evidências de que tal empresa existia apenas formalmente. Em suma, na visão do Fisco, a empresa imobiliária teria figurado como mera intermediária interposta para apuração do ganho de capital e economia fiscal.

Assim, ante o conjunto probatório acostado nos autos, a fiscalização desconsiderou a referida empresa e efetuou a tributação do ganho de capital na sociedade que havia constituído essa pessoa jurídica imobiliária.

A defesa da contribuinte, quanto ao mérito, argumentou (i) pela inexistência de simulação, contrapondo os supostos vícios que basearam a autuação, (ii) que em momento algum qualquer uma das sociedades teria deixado de recolher os tributos devidos, requisitando subsidiariamente o aproveitamento dos tributos já pagos, (iii) que o art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, não pode ser utilizado como fundamento para desconsideração dos atos praticados pelo contribuinte, ante a ausência de regulamentação, (iv) que a empresa imobiliária desenvolveu parte de suas atividades estatutárias, elencando os negócios jurídicos por ela celebrados, e (v) que inexiste norma que obrigue sociedades à realização de todas as atividades previstas em seu contrato social.

Em sede de primeira instância administrativa, o acórdão proferido pela DRJ considerou improcedente a impugnação apresentada pela contribuinte, mantendo integralmente o crédito tributário. Também foi negado o aproveitamento dos tributos pagos pela empresa imobiliária.

Em face dessa decisão, foi interposto recurso voluntário. A 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção, por meio do acórdão n. 1201-002.148, de 15.5.2018, deu parcial provimento ao recurso, mantendo a autuação fiscal, mas reconhecendo o direito de aproveitamento dos tributos pagos pela empresa desconsiderada pela fiscalização.

3. Considerações gerais sobre a caracterização de simulação nos casos julgados pelo CARF

Disposto o relatório dos casos, constata-se a semelhança entre as situações concretas, que ensejaram a desconsideração das operações e de seus respectivos efeitos tributários. Realmente, em ambas as situações houve a constituição de novas pessoas jurídicas, as quais, na visão da fiscalização, viabilizaram economia tributária ilícita.

Destaca-se, de partida, que o conjunto probatório teve papel central na verificação de eventual simulação pelo fisco, que, a partir de análise individualizada de indícios elencados, concluiu pela artificialidade das operações.

Neste sentido, ambos os acórdãos basearam-se na totalidade das provas para confirmar o trabalho fiscal. Confira-se, nesse sentido, o seguinte trecho do acórdão n. 1402-003.265:

"Ademais, a caracterização não se dá apenas um indício, e sim pelo conjunto dos mesmos. Individualmente, cada indício poderia até ser circunstancial, e não demonstrar muito a simulação evocada na autuação fiscal, mas os analisando em conjunto, há uma percepção de que há muitos fatos concorrendo conjuntamente, e beneficiando tributariamente a recorrente, ao gerar despesas que deduzia da apuração do seu lucro."

Quanto ao raciocínio desenvolvido nos julgamentos, a ausência de propósito negocial das operações em foco teve expressiva relevância. No primeiro caso, analisou-se o objeto dos contratos de arrendamento para concluir pela desnecessidade das despesas decorrentes, uma vez que os bens arrendados à autuada eram originalmente de sua propriedade e haviam sido recentemente transferidos a empresa arrendatária. Ainda, a data de determinados contratos seria incoerente, haja vista que alguns veículos arrendados pela pessoa jurídica recém-constituída sequer constavam em seu patrimônio à época, o que concorreu à conclusão de confusão patrimonial do voto do relator.

Assim, entendeu-se que houve um articulado de operações artificiais e sem objetivos econômicos, que geraram despesas inidôneas e, portanto, não dedutíveis para fins fiscais, conforme descreve o Relator: "Ou seja, há a uma constituição de empresa que acaba absorvendo muitas despesas da recorrente, o que lhe diminui a tributação a recolher, já que é optante do lucro real".

A segunda decisão, do mesmo modo, tratou de analisar a série de negócios jurídicos firmados pela empresa imobiliária recém-constituída de forma individualizada. Refutou-se a finalidade de isolamento de riscos através da utilização de Sociedade de Propósito Específico (SPE), demonstrando que a execução do empreendimento foi, na realidade, realizada por outras SPEs subsidiárias do grupo, com os recursos da alienação repassados pela empresa imobiliária. Igualmente, as datas de celebração dos negócios e de extinção da empresa corroboram ao entendimento fiscal.

Ademais, entendeu o CARF que a origem pública dos recursos investidos, aportados majoritariamente pelo Fundo de Investimento Imobiliário, evidenciaria a desnecessidade da empresa imobiliária para o financiamento do projeto. Ainda, analisando os valores movimentados nas operações, o Voto Vencedor argumenta que a não retenção de recursos, bem como o pagamento de apenas um décimo das obrigações contraídas pela SPE foco da autuação explicitava a artificialidade de sua participação, concluindo que essa pessoa jurídica fora apenas intermediária para que o ganho de capital se sujeitasse a tributação pelo regime do lucro presumido, menos gravoso no caso.

Dentre os demais indícios de vícios nos casos, os julgadores afirmaram que a ausência de estrutura própria e de recursos humanos obstaria o desenvolvimento das operações pelas sociedades recém-constituídas.

A despeito da centralidade do propósito negocial em ambos os acórdãos, cabe ressaltar que a declaração de invalidade da estrutura não foi pautada unicamente neste critério. Conforme se depreende da argumentação supramencionada, foi colhido um conjunto de indícios no sentido de demonstrar um descompasso entre a realidade fática e os atos e negócios jurídicos formais realizados, a fim de proceder à sua desconsideração. Constata-se isso, de igual maneira, no afastamento da justificativa de pagamento de tributos sobre as operações realizadas, que seria mera "intenção de dar ares de validade aos atos e contratos ocorridos" (acórdão n. 1201-002.148). Desse modo, ainda que revestidos de validade quanto à forma, concluiu-se que os atos e negócios jurídicos eram destituídos de substrato material e, portanto, simulados.

A rigor, é de grande relevância que a validade de negócios jurídicos não tenha por requisito exclusivo a existência de propósito negocial, haja vista que o ordenamento brasileiro deixou de incorporar regras gerais anti-elisivas com base em interpretações econômicas, em distintos momentos: (i) em 1966, através do art. 74 do projeto do Código Tributário Nacional ("CTN"); (ii) em 2001, pela restrição do Congresso Nacional do projeto da Lei Complementar n. 104/2001, que tentou introduzir uma regra geral anti-elisiva ampla no art. 116, parágrafo único, do CTN ; (iii) em 2002, pela exclusão das disposições anti-elisivas da Medida Provisória n. 66/2002; e (iv) em 2015, pela rejeição do congresso da Medida Provisória n. 685/2015 que visava introduzir a obrigatoriedade de divulgação de planejamento tributário no Brasil .

Percebe-se, pois, a expressa rejeição do Congresso Nacional à prerrogativa fiscal de exame de legitimidade dos negócios jurídicos sob a fundamentação de ausência de propósito negocial . Assim, cabe exame mais aprofundado na fundamentação das decisões em voga, valendo destacar que ambas reconheceram a existência de simulação nos atos ou negócios jurídicos analisados.

No primeiro acórdão, n. 1402-003.265, de 24.7.2018, a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento do CARF formalizou entendimento de que o contribuinte agiu conscientemente para distorcer os fatos geradores, de modo a reduzir a base tributável sob o regime de apuração de Lucro Real, o que acarretou na glosa das despesas relacionadas ao arrendamento mercantil e prestação de serviços, bem como na imputação de multa qualificada. Veja-se excerto da decisão: "O elemento dolo, um tanto subjetivo, não há de ser extraído da mente do seu autor, mas sim das circunstâncias que envolvem os fatos a serem analisados".

No segundo acórdão ora examinado, n. 1201-002.148, de 15.5.2018, por sua vez, os indícios supramencionados foram utilizados como fundamento para confirmar que a empresa imobiliária teria agido como intermediária artificial do ganho de capital, com a exclusiva finalidade de obter economia tributária.

Diante do exposto, percebe-se que em situações desse jaez o ponto fulcral para delimitação da regularidade das operações está relacionado, principalmente, à congruência entre a realidade fática e a formalidade dos atos e negócios jurídicos praticados, devendo ser evidenciado, para a invalidação das operações, o descompasso entre a realidade e o instrumento contratual, por meio do exame da causa dos negócios jurídicos praticados, quando então se verifica a existência de simulação. Nos casos analisados, sem tecer qualquer comentário quanto à correção das decisões, o que demandaria a análise percuciente do conjunto probatório colacionado aos processos, é possível verificar que foram indicados diversos indícios para a confirmação da desconsideração dos atos ou negócios jurídicos formalmente válidos.

A despeito disso, deve-se avaliar com cautela as considerações relativas à suposta ausência de propósito negocial das operações, tendo em vista que inexiste no ordenamento jurídico tal requisito para a validade de negócios jurídicos ou para a sua oponibilidade ao Fisco.

 
Paulo Coviello Filho*

Mariana Nascimento Reyna*