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A 3ª turma do STJ se manifesta a respeito da possibilidade de registro de marca para eventual prestação de serviços de consultoria e informação em direito desportivo - Débora Regina March*

Artigo - Federal - 2018/3647

Em 26.6.2018, foi publicado o acórdão proferido em virtude do julgamento do recurso especial n. 1.736.835/RJ, por meio do qual a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça apreciou a higidez do ato administrativo que concedeu o registro da marca "Praxis". Dentre outras alegações, sustenta-se a existência de infração, praticada pela referida pessoa jurídica, decorrente da prestação de serviços jurídicos supostamente privativos da advocacia jurídica [Classe 42 da NCL (7)].

Segundo consta do relatório da decisão, foram ajuizadas ações (i) de nulidade de registro marcário, objetivando anular o ato administrativo concessivo da marca "Praxis". Foi apresentada reconvenção pela recorrente ("Praxis"), a qual objetivava impedir a concessão do registro marcário, requerido pela recorrida, atinente à mesma expressão, sob o argumento de que sua concessão importaria em violação de seus direitos sobre marca já registrada, além de representar usurpação de seu nome empresarial; (ii) declaratória de inexistência de infração, ajuizada para demonstrar que o uso que faz da marca "Praxis" não viola direitos titulados por esta.

De acordo com a recorrente ("Praxis"), (i) "exerce efetiva e licitamente todas as atividades descritas em seu contrato social, para as quais sua marca foi devidamente registrada"; bem como (ii) "há distinção entre prestar serviços jurídicos, que são dotados de classificação própria e restritos a advogados, e prestar serviços na área jurídica, que abrangem atividades não exclusivas de advogados.".

Após decisão favorável à "Praxis" proferida em primeira instância, foi interposto recurso de apelação pela pessoa jurídica autora das ações, ocasião em que foi reformada a sentença nos seguintes termos:

"(i) declarar a nulidade do registro de marca nominativa (nº 821.067.567), para identificar serviços da classe internacional 42, titularizado por PRÁXIS CONSULTORIA E INFORMAÇÃO DESPORTIVA S.C., por ofensa ao disposto no art. 128, § 1º da Lei 9.279-96, o que significa a procedência do pedido principal;

(ii) declarar a inexistência de infração ao direito marcário (art. 4º do Código de Processo Civil), decorrente da utilização, pelo apelante, do termo PRAX1S, estilizado (marca mista), objeto de depósito para fins de proteção marcária (nº 824964101); o que significa a procedência do pedido declaratório formulado nos autos nº 2005.51.01.514834-4);

(iii) julgar improcedente o pedido reconvencional.".

Ato contínuo foi interposto recurso especial pela ré, fundamentado nos art. 124, incisos V e XIX, e 128, parágrafo 1º, ambos da Lei n. 9279, de 14.5.1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Para facilitar, confira-se o teor dos referidos dispositivos:

"Art. 124. Não são registráveis como marca:

[...]

V - reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos;

[...]

XIX - reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;"

"Art. 128. Podem requerer registro de marca as pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou de direito privado.

§ 1º As pessoas de direito privado só podem requerer registro de marca relativo à atividade que exerçam efetiva e licitamente, de modo direto ou através de empresas que controlem direta ou indiretamente, declarando, no próprio requerimento, esta condição, sob as penas da lei.".

Por unanimidade de votos, compreendeu-se, em suma, pela improcedência da ação de nulidade, sob a justificativa de que a "Classe 42 da NCL (7)" não se presta a identificar exclusivamente serviços privativos da advocacia, assim como de que é imperioso considerar-se as especificidades do direito desportivo cujo exercício se dá perante o Poder Executivo e não Judiciário.

De acordo com o posicionamento firmado pela Turma, não há qualquer violação às disposições do art. 1º, inciso II, da Lei n. 8906, de 4.7.1994, e art. 4º, parágrafo único, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, os quais encontram-se abaixo reproduzidos.

"Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; (Vide ADIN 1.127-8)

II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

§ 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal.

§ 2º Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados.

§ 3º É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade.".

"Art. 4º A prática de atos privativos de advocacia, por profissionais e sociedades não inscritos na OAB, constitui exercício ilegal da profissão.

Parágrafo único. É defeso ao advogado prestar serviços de assessoria e consultoria jurídicas para terceiros, em sociedades que não possam ser registradas na OAB.".

No que diz respeito à ação declaratória de inexistência de infração a direito marcário, igualmente compreendeu-se pela sua improcedência, eis que a expressão "Praxis" não se relaciona com os serviços prestados pela recorrente ou com suas características (inciso VI, do art. 124, da Lei n. 9279).

Por fim, a respeito do pedido deduzido em reconvenção, restou julgado improcedente, sob o argumento de que, até o momento, não há qualquer ato administrativo concessivo ou denegatório do registro postulado pela recorrida. Para a Turma, qualquer decisão em sentido contrário implicaria em ingerência no âmbito de atribuições do INPI, órgão do Poder Executivo responsável pela análise do pedido registrado.

Veja-se a ementa da decisão ora comentada:

"RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. DIREITO MARCÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO E AÇÃO DECLARATÓRIA DE AUSÊNCIA DE INFRAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NA ÁREA JURÍDICA. DIREITO DESPORTIVO. VIOLAÇÃO DO ART. 128, § 1º, DA LPI. NÃO OCORRÊNCIA. EXPRESSÃO DE USO COMUM OU GENÉRICO. MARCA EVOCATIVA. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO REGISTRAL. CIRCUNSTÂNCIAS ESPECÍFICAS DA HIPÓTESE. PRETENSÃO RECONVENCIONAL. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA HARMONIA E SEPARAÇÃO DE PODERES.

1. Ação de nulidade ajuizada em 21/10/2003. Recurso especial interposto em 18/10/2013 e concluso ao Gabinete em 12/1/2018.

2. O propósito recursal é verificar a higidez do ato administrativo que concedeu o registro da marca "PRAXIS" à recorrente e os efeitos do resultado dessa análise sobre o trâmite do pedido de registro da mesma expressão pela recorrida perante o INPI.

3. Considerando-se o fato de a Classe 42 da NCL(7) não servir para identificar exclusivamente serviços privativos da advocacia, bem como as especificidades ínsitas ao Direito Desportivo, cuja Justiça especializada ostenta natureza administrativa, é de se concluir que a prestação de consultorias e informações nessa área, pela recorrente, não pode ser tida - exceto se devida e casuisticamente comprovado, circunstância não ventilada no acórdão recorrido - como atividade que viola os ditames do art. 1º, II, da Lei 8.906/94 e 4º, parágrafo único, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB.

4. Como consectário, o ato concessivo do registro marcário impugnado não apresenta a nulidade apontada, pois foram cumpridos os requisitos exigidos pelo art. 128, § 1º, da Lei de Propriedade Industrial.

5. A marca em questão (PRAXIS) não se enquadra na definição de marca evocativa, na medida em que seu elemento nominativo não se relaciona com as características ou com a função dos serviços prestados por seu titular.

6. A regra do art. 124, VI, da LPI não inviabiliza, a priori, o registro de sinais comuns ou vulgares, devendo-se analisar, cumulativamente, se tais expressões guardam relação com o produto ou o serviço que a marca visa distinguir ou se elas são empregadas comumente para designar alguma de suas características, circunstâncias não verificadas no particular.

7. À míngua de qualquer notícia apontando para a ocorrência de ilegalidades praticadas pelo INPI no curso da tramitação do procedimento administrativo registral iniciado pela recorrida, tem-se que inexiste razão jurídica apta a justificar a interferência do Judiciário na espécie, sob risco de ofensa ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

8. Recurso especial parcialmente provido.".

Realmente, a Justiça Desportiva, no Brasil, é exercida em âmbito administrativo, não se relacionando com o Poder Judiciário, que demanda a atuação exclusiva de advogados.

Contudo, a despeito da possibilidade de atuação de pessoas comuns em âmbito administrativo, a análise não deve se ater à esfera na qual se concentra a atuação ou para a qual se destina a atividade em análise. Confira-se o art. 1º da Lei n. 8906:

"Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; (Vide ADIN 1.127-8)

II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

§ 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal.

§ 2º Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados.

§ 3º É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade."

Como se vê, o inciso II elenca expressamente a atividade de consultoria na área jurídica, a qual, portanto, não deveria ser passível de exercício por pessoa jurídica não relacionada ao exercício da advocacia.

Nesse sentido compreende a doutrina, como observa-se do trecho abaixo reproduzido.

"Consultoria, assessoria e direção jurídicas - o Estatuto ainda inclui nos limites privativos da advocacia as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas (artigo 1º, II), no que reconhece uma particularidade desprezada por muitos: advocacia não e? sinônimo de processo judicial. Confundir o advogado com o causídico, o tocador de demandas, e? amesquinhar a profissão e o próprio Direito, tornado ambiente de luta.".[1]

Não obstante, asseverou o voto condutor que:

"[...] considerando-se o fato de a Classe 42 da NCL(7) não servir para identificar exclusivamente serviços privativos da advocacia, bem como as especificidades ínsitas ao Direito Desportivo, fica claro que eventual prestação de serviços de consultoria e informação nessa área não pode ser tida - exceto se devida e casuisticamente comprovado, circunstância não ventilada no acórdão recorrido - como atividade que viola os ditames do art. 1º, II, da Lei 8.906/94 e 4º, parágrafo único, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB".

Conclui-se, pois, que a afirmação acima reproduzida, no sentido de que a eventual prestação de serviços de consultoria e informação nessa área não pode ser tida como atividade que viola os ditames dos art. 1º, inciso II, da Lei n. 8906 e 4º, parágrafo único, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, sob o argumento de que a Classe 42 da NCL(7) não identifica exclusivamente serviços privativos da advocacia, é inadequada.

[1] Mamede, Gladston. A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, 6ª edição. Atlas, 10/2014, p. 18.

 
Débora Regina March é graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.