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Planejamento sucessório: CARF divulga interessante decisão sobre validade de reestruturação -
Paulo Coviello Filho*

Artigo - Federal - 2018/3646

Foi divulgado recentemente o acórdão n. 1201-002.278, de 15.6.2018, proferido pela 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção do CARF, o qual analisou interessante operação de planejamento sucessório que culminou em economia tributária, tendo sido objeto de contestação pelas autoridades fiscais.

Segundo relatório da decisão, determinada pessoa jurídica ("A") possuía as ações de outra sociedade ("B"), desde o ano de 2002. As ações de A eram de propriedade de pessoas físicas ("patriarcas"). Em 2009, as ações da pessoa jurídica A foram transferidas a um Fundo de Investimento em Participações ("FIP"), a título de integralização de cotas.

Também em 2009, os patriarcas constituíram quatro fundos de investimento em quotas de fundos de investimento ("FIQs"), transferindo para cada fundo 25% das cotas que detinham no FIP. Segundo esclarecimentos prestados, os patriarcas constituíram os quatro FIQs como forma de planejamento sucessório, tendo em vista que possuíam quatro filhos. Ainda segundo relatório do acórdão, as quotas dos FIQs foram doadas aos filhos, com reserva de usufruto aos patriarcas.

Em abril de 2010, houve a deliberação da redução do capital social de A, "por ser considerado excessivo em relação ao seu objeto social", mediante ao cancelamento de suas ações que eram de propriedade do FIP 1. Em virtude da redução de capital, o FIP recebeu as ações da empresa B, passando a ser o investidor nessa empresa.

Em setembro de 2010, ou seja, cerca de cinco meses após a redução de capital de A, o FIP 1 efetuou a venda das ações da empresa B, tendo apurado ganho de capital.

Diante desse cenário, a fiscalização lavrou auto de infração em face da empresa A, exigindo o IRPJ e a CSL incidentes sobre o ganho de capital auferido na alienação das ações da empresa B, por ter desconsiderado a transferência da participação para o FIP. Segundo consta do acórdão, a fiscalização baseou sua autuação na ausência de propósito negocial na redução de capital da empresa A, que resultou na transferência das ações da empresa B para o FIP. A autuação foi acompanhada de multa qualificada, no percentual de 150%.

Conforme consta da decisão, a defesa da empresa A alegou que a reorganização efetuada pelo grupo foi efetuada no âmbito de um planejamento sucessório, elaborado e colocado em prática em razão da idade avançada dos patriarcas. Foi alegado que a venda foi efetivamente efetuada pelo FIP, que efetivamente utilizou os recursos decorrentes da alienação para realização de investimentos. A defesa também juntou laudo técnico elaborado por auditores independentes, na qual foi analisada a atuação do FIP, bem como a evolução de sua carteira e a gestão de seus recursos. Destacou-se, ainda, que a devolução de capital é uma opção fiscal concedida pelo legislador, prevista no art. 22, da Lei n. 9249, de 26.12.1995, conforme jurisprudência do CARF.

Diante desse cenário, o CARF, em decisão colhida em votação por maioria, deu provimento, cancelando a exigência fiscal. Confira-se a ementa do acórdão n. 1201-002.278, de 15.6.2018:

"GANHO DE CAPITAL. ALIENAÇÃO POR FIP. RAZÕES EXTRATRIBUTARIAS. PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO. VALIDADE. OPONIBILIDADE AO FISCO.

A transferência de investimento para um Fundo de Investimento em Participações (FIP) por motivos de planejamento sucessório familiar e posterior alienação de tal investimento para terceiro com o conseqüente oferecimento do ganho de capital à tributação pela FIP é ato plenamente oponível ao Fisco desde que ausentes fraude, simulação ou abuso de direito.

PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. CARÁTER INDUTOR DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. UTILIZAÇÃO DE FIP. OPONIBILIDADE AO FISCO. POSSIBILIDADE.

A legislação tributária ao criar tributação mais favorecida aos fundos de investimento induz o contribuinte a utilizar tal instrumento como forma de planejamento tributário válido que pode ser oponível ao Fisco desde que ausentes fraude, simulação ou abuso de direito."

O voto vencedor da decisão, de lavra do Conselheiro Luis Fabiano Alves Penteado, destacou que, in casu, havia provas das razões extra tributárias que motivaram a reorganização patrimonial levada a efeito pelos patriarcas, considerando como válida toda a reestruturação e, portanto, a venda das ações de B pelo FIP.

Para chegar a tal conclusão, o acórdão consignou que em situações desse jaez é necessário que a análise considere a integralidade das operações efetuadas, em detrimento de uma análise isolada de cada operação. Assim, deve-se analisar o filme completo ao invés de analisar somente a foto.

Adiante, o voto vencedor consignou que "do ponto de vista formal, legal e regulatório, não resta qualquer dúvida que" a venda das ações da empresa B foi efetuada pelo FIP.

Nesse cenário, reconheceu que a transferência das ações da empresa B para o FIP se deram realmente no contexto da reorganização patrimonial elaborada pelos patriarcas. Os principais aspectos destacados pelo voto foram (i) o fato de, além de ter recebido as ações de B, posteriormente vendidas, o FIP também ter recebido ações de outra empresa da família, as quais seguiam no portfolio do FIP; e (ii) os recursos obtidos com a venda das ações terem sido utilizados pelo FIP na realização de investimentos ou mesmo terem sido transferidos aos FIQs.

Especialmente sobre esse segundo aspecto, o voto destacou que se ficasse comprovada a transferência dos recursos obtidos com a alienação novamente para a empresa A teria sido comprovado o abuso de forma do FIP, que, nesse cenário hipotético, teria "servido como mero veículo ou barriga de aluguel do investimento cujo objetivo teria sido mover de forma artificial o ganho de capital para um regime mais benéfico de um FIP."

A decisão também destacou o fato de o laudo técnico apresentado pela autuada ter constatado que o FIP teve um aumento significativo de patrimônio no período compreendido entre 2009, quando da sua constituição, até 2015, o que, na visão do relator, era prova cabal da efetividade da reestruturação, eis que o FIP constituído em 2009 teve efetiva atuação, constituindo veículo de investimentos da família após o planejamento sucessório efetuado.

A decisão ainda destacou que a forma como se deu a reorganização, mediante a constituição de um FIP e de quatro FIQs, teve o intuito de manter a unidade na gestão dos investimentos, mitigando o risco de desentendimentos entre os membros da família.

Neste sentido, a decisão chamou atenção para as palavras de Márcia Setti Phebo[1], que, ao discorrer sobre a utilidade dos fundos de investimento fechados na execução de planejamentos sucessórios, assim se manifestou:

"Essas novas ferramentas têm auxiliado sobremaneira o planejamento sucessório, por permitirem o direcionamento da gestão dos ativos de forma personalizada, adequando-se aos riscos escolhidos. Fundos de investimento fechados, no quais os cotistas são todos integrantes de uma mesma família, vêm sendo criados para administrar o patrimônio familiar (aplicações financeiras, ações em Bolsa, participações societárias etc.). O regulamento do fundo pode contemplar tanto regras impostas pelo chefe da família, determinantes dos critérios norteadores do investimento e da destinação do patrimônio, quanto, por exemplo, para postergar a retirada do patrimônio pelos herdeiros, propiciando, dessa forma, que os recursos principais permaneçam aplicados, e não sejam inadvertidamente investidos em empreitadas arriscadas que os consumam de uma só vez."

Finalmente, o voto passa a analisar o caráter indutor das normas, momento em afirma, em suma, que a legislação que prevê tributação mais benéfica dos Fundos deve ser considerada como norma que induz o contribuinte a praticar determinada conduta. Nesses termos, se a própria legislação prevê tratamento mais benéfico a esse tipo de veículo, a sua utilização pelo contribuinte deve ser considerada como propósito válido por si só. Confira-se o seguinte trecho da decisão:

"O legislador induziu o contribuinte a escolher o FIP como um instrumento mais atraente de investimento e a utilização deste instrumento somente pode ser questionado pelo Fisco se utilizada de forma simulada ou abusiva. Contudo, no presente caso, a utilização per se é que foi questionada pela fiscalização.

Desta forma, o conceito a ser adotado para definir o propósito negocial deve ser no sentido de considerar a busca pela redução das incidências tributárias, por si, como um propósito negocial válido."

É interessante destacar que, em linha com esse entendimento, pode-se dizer que o contribuinte, nesse tipo de situação, tem a opção de escolher o caminho mais benéfico, o qual está previsto na legislação. Trata-se de uma opção fiscal do contribuinte, que pode optar pelo melhor caminho do ponto de vista do ônus tributário[2].

Ainda sobre o tema, Marco Aurelio Greco afirma que quando "O ordenamento indica dois caminhos e deixa ao contribuinte a escolha de seguir um ou outro, sendo que eventualmente um deles pode ser menos oneroso do que o outro"[3] , nada há de ilegal ou ilegítimo. O mesmo autor prossegue dizendo o seguinte:

"(...) Nas opções estamos sempre diante perante hipóteses em que há uma escolha expressa que o ordenamento coloca à disposição do contribuinte, hipótese clássica de lei dispositiva.

Por isso, a opção fiscal desenha uma hipótese de conduta positivamente autorizada pelo ordenamento. Não chega a ser hipótese de incentivo ou induzimento a determinada conduta, mas trata-se de uma escolha que o ordenamento expressamente cria e cujos efeitos tributários (de menor tributação) ele assegura. Trata-se de uma figura semelhante àquela que HANS KELSEN examina sob o nome de 'conduta regulada positivamente' ou 'liberdade em sentido positivo'".[4]

O CARF já se manifestou nesse sentido, por exemplo, no acórdão n. 1402-001.472, de 9.10.2013, que, ao tratar do art. 22 da Lei n. 9249, afirmou que as opções fiscais são alternativas criadas pelo ordenamento, propositalmente formuladas e colocadas à disposição do contribuinte para que delas se utilize, conforme sua conveniência, o que, consequentemente, impede o questionamento fiscal da opção feita.

Como se vê, a decisão em comento fez relevantes considerações sobre o que se deve entender como propósito negocial de uma reestruturação, inclusive diante de situações em que se vislumbram dois caminhos permitidos pela legislação, quando o contribuinte pode escolher aquele que lhe for mais benéfico. Assim, trata-se de importante precedente sobre o assunto.

[1]Planejamento Sucessório". Ed. Noeses: São Paulo, 2014. p. 188-189.

[2]Sobre o tema, vide: LAPATZA, José Juan Ferreiro. Direto Tributário. Teoria Geral do Tributo. Barueri: Ed. Marcial Pons, 2007, p. 91.

[3]GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 93.

[4]Idem, ibidem.

 
Paulo Coviello Filho é Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Graduado em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).