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A denúncia espontânea e a multa de mora na compensação declarada em atraso: Comentários ao entendimento da 3ª Turma da CSRF -
Marcio Pedrosa Junior*

Artigo - Federal - 2018/3643

Como tem sido noticiado pela mídia especializada, a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), em acórdão publicado no dia 7.6.2018, decidiu pela legitimidade da cobrança de multa de mora no caso de compensação declarada em atraso, isto é, após o vencimento do débito compensado. O acórdão recebeu a seguinte ementa:

"MULTA DE MORA. DECLARAÇÃO DE COMPENSAÇÃO APRESENTADA EM ATRASO, MAS ANTES DO INÍCIO DO PROCEDIMENTO FISCAL. CABIMENTO, POIS AFASTADA SOMENTE EM CASO DE PAGAMENTO DE VALOR NÃO PREVIAMENTE CONFESSADO. A compensação é forma distinta da extinção do crédito tributário pelo pagamento, cuja não homologação somente pode atingir a parcela que deixou de ser paga (art. 150, § 6º, do CTN), enquanto, na primeira, a extinção se dá sob condição resolutória de homologação do valor compensado. Como o instituto da denúncia espontânea do art. 138 do CTN e a jurisprudência vinculante do STJ demandam o pagamento, stricto sensu ­ ainda anterior ou concomitantemente à confissão da dívida (condição imposta somente por força de decisão judicial) ­, cabe a cobrança da multa de mora sobre o valor compensado em atraso."

(CSRF, 3ª Turma, acórdão n. 9303-006.111, rel. Cons. Rodrigo da Costa Pôssas, j. 29.11.2017).

A questão devolvida ao conhecimento da 3ª Turma, por força do recurso especial da Procuradoria da Fazenda Nacional, consistia em saber se a compensação, disciplinada pelo art. 74, da Lei n. 9430, de 27.12.1996, declarada pelo sujeito passivo antes do início do procedimento fiscalizatório, poderia ser qualificada como "pagamento", nos termos do art. 138, do CTN, para fins da caracterização da denúncia espontânea.

Como se sabe, a denúncia espontânea é um instituto inspirado nas figuras do arrependimento eficaz e do arrependimento posterior do Direito penal, que traduz ao agente faltoso a faculdade de denunciar espontaneamente as infrações cometidas, com o benefício da exclusão da sua responsabilidade. Trata-se de norma que busca premiar o contribuinte que, antes do início de qualquer procedimento fiscalizatório, acusa ao Fisco o cometimento da infração.

O artigo 138 do CTN dispõe que:

"Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração".

Nos termos do dispositivo legal, a exclusão da responsabilidade está condicionada à satisfação de dois requisitos, a saber: (i) o pagamento do tributo, se for o caso, acrescido de juros de mora, ou o depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa (quando o arbitramento se fizer necessário), e (ii) a ausência de qualquer procedimento fiscalizatório em curso, ao tempo da autodenúncia, voltado a apurar a infração.

Quanto aos efeitos da denúncia espontânea, convém rememorar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) está pacificada no sentido de que a sua caracterização, quando acompanhada da quitação do tributo e dos juros de mora, afasta a possibilidade da imposição de penalidades, incluindo as de caráter moratório, decorrentes da impontualidade no pagamento do tributo. É o que foi decidido pela 1ª Seção do STJ, no recurso especial n. 1.149.022/SP, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C, do CPC/73): "a sanção premial contida no instituto da denúncia espontânea exclui as penalidades pecuniárias, ou seja, as multas de caráter eminentemente punitivo, nas quais se incluem as multas moratórias, decorrentes da impontualidade do contribuinte".

No caso em comento, a 3ª Turma da CSRF analisou a possibilidade de esse mesmo entendimento ser aplicado aos casos em que a quitação do tributo se dá por meio de compensação, na forma do art. 74, da Lei n. 9430. Em sua decisão, a 3ª Turma acompanhou o entendimento preconizado no recurso da Procuradoria da Fazenda Nacional, segundo o qual a compensação, ainda que realizada antes do início do procedimento de fiscalização, não poderia ser confundida com o "pagamento" exigido pelo art. 138 do CTN, não autorizando a concessão do benefício da denúncia espontânea para exclusão da multa de mora pela compensação em atraso.

Por suposto, esta interpretação estaria fundada na interpretação do art. 138 do CTN em conjunto com art. 156, do mesmo diploma legal, que enumera as hipóteses de "extinção do crédito tributário", referindo-se, em incisos distintos, à "compensação" e ao "pagamento". Veja-se:

"Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

I - o pagamento;

II - a compensação;

(...)"

A referência ao "pagamento" e a "compensação" em incisos distintos serviria para evidenciar que os vocábulos veiculam modalidades diversas de "extinção" do crédito tributário, que não podem ser tratadas como equivalentes, na interpretação do art. 138 do CTN. Assume-se, assim, que "pagamento" e "compensação" são coisas diferentes, para rejeitar a possibilidade de que a exigência de "pagamento", inscrita no art. 138 do CTN, seja reconduzida à exigência de "compensação".

Estruturalmente, o argumento está baseado em duas premissas: (i) os termos "pagamento" e "compensação", no art. 156 do CTN, carregam significados distintos, eis que referidos em incisos distintos do mesmo dispositivo legal, e, (ii) o termo "pagamento", utilizado no art. 138 do CTN tem o mesmo significado do "pagamento", referido no art. 156 do CTN, não podendo ser confundido, portanto, com a "compensação".

Finalmente, se "compensação" não é "pagamento", não se lhe pode aplicar, por falta de tipicidade, art. 138 do CTN, para excluir a responsabilidade do sujeito passivo pela multa de mora devida na compensação em atraso, não se encaixando a hipótese no precedente do STJ.

Como se vê, trata-se de um argumento pretensamente sistemático, que apela à coerência do sistema para justificar a atribuição, ao termo "pagamento", de um único significado, em uma interpretação conjunta dos arts. 138 e art. 156 do CTN. Na argumentação da Procuradoria da Fazenda Nacional, essa interpretação foi ainda temperada pela alegação de que se aplicaria, na espécie, o art. 111 do CTN, segundo o qual a legislação que dispõe sobre hipóteses de exclusão do crédito tributário deve ser interpretada "literalmente".

É evidente, contudo, que essa conclusão merece um maior escrutínio, para que se verifique se, de fato, o sentido mais estrito assumido pelo termo "pagamento" no art. 156, do CTN, pode ser enxertado no art. 138 do CTN.

De partida, é ver que o conceito de "pagamento" acolhe várias acepções, podendo receber, dentre essas, os sentidos de prestação pecuniária (sentido vulgar), de entrega da res debita (sentido específico das obrigações de dar) e, em uma acepção mais geral, de qualquer forma de liberação voluntária do devedor (sentido técnico). Essa plurivalência do termo "pagamento" é observada na doutrina de Caio Mário da Silva, para quem:

"O desfecho natural da obrigação é o seu cumprimento. De sua própria noção conceitual, como vínculo jurídico atando temporariamente os dois sujeitos, decorre a existência de uma operação inversa, pela qual os vínculos se desatam. A isto dava-se o nome de solutio, vocábulo que herdamos - solução - e nos dá a ideia de estar o vínculo desfeito e o credor satisfeito, ainda que na visão atual possam subsistir deveres anexos pós-contratuais, como o dever de sigilo. Paralelamente se emprega, com o mesmo sentido de ato liberatório, e com muito maior frequência, a palavra pagamento, que no rigor da técnica jurídica sifnifica o cumprimento voluntário da obrigação, seja quando o próprio devedor lhe toma a iniciativa, seja quando atende à solicitação do credor, desde que não o faça compelido. É certo que a linguagem comum especializou o vocábulo pagamento para a solução das obrigações pecuniárias, mas nem por isto perdeu ele o seu sentido científico. (...) Neste particular, o jurista, resistindo embora à vulgarização do conceito de pagamento como prestação pecuniária específica, acaba por admitir-lhe a plurivalência e fixar que traduz, em sentido estrito e mais comum, a prestação de dinheiro; em senso preciso, a entrega da res debita, qualquer seja esta; e numa acepção mais geral, qualquer forma de liberação do devedor, com ou sem prestação."

Nessa mesma linha, cabe citar Pontes de Miranda, que observa a utilização do termo "pagamento", pela maior parte dos sistemas jurídicos, como sinônimo de adimplemento da obrigação, em sentido amplo:

"O adimplemento, a solutio, a execução, realiza o fim da obrigação: satisfaz e libera; (...) Os sistemas jurídicos, na maior parte deles, empregam a expressão "pagamento" (aliás, há a mesma raiz em pagamento, pax e pactum, de modo que pagar é pacificar), a despeito do sentido estrito de prestação de soma em dinheiro, que passou a ser o sentido corrente."

Sem maiores digressões, vê-se que o termo "pagamento" não se restringe, nos seus significados possíveis, ao adimplemento da obrigação por meio da prestação em dinheiro, recebendo também um significado mais amplo, para alcançar toda forma de cumprimento voluntário da obrigação, incluindo, decerto, a compensação, modalidade pela qual se extinguem duas obrigações de pagamento recíprocas, conforme a definição do art. 368, do Código Civil (inserido no Título III - do adimplemento e da extinção das obrigações).

Aliás, uma acepção mais ampla do termo "pagamento" já foi adotada pelo próprio Fisco, como comprova o excerto a seguir, retirado da Solução de Consulta Cosit n. 190, de 31.7.2015. Veja-se:

"O vocábulo "pagamento", em sentido jurídico e geral, corresponde a qualquer fato jurídico que extingue uma obrigação (o que contemplaria até o perdão e a renuncia); em sentido próprio, corresponde a extinção de uma obrigação motivada pelo cumprimento da prestação. Desse modo, como afirma Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro: Forense, 9ª ed, p. 305): "evidenciando um pagamento efetivo, tanto se refere à entrega de uma soma em dinheiro, correspondente ao objeto da obrigação, como ao cumprimento de prestação de outra espécie, isto é não representada por dinheiro".

Assim, se é certo que a compensação não pode ser reconduzida ao termo "pagamento", em seu sentido estrito de prestação pecuniária, não se afigura correto dizer que a compensação não pode ser "pagamento", entendido esse em um sentido mais amplo, enquanto cumprimento voluntário da obrigação. O que resta saber, pois, é qual foi o sentido adotado pelo art. 138, do CTN, na disciplina das condições de aplicação do benefício da denúncia espontânea.

A partir da análise de diversos dispositivos do CTN - que não se restringe, pois, ao art. 156, como pretendido pelo Fisco -, é possível ver reflexos da plurivalência do termo "pagamento", identificando-se casos em que ele foi utilizado em um sentido mais amplo, e outros, nos quais ele recebeu uma acepção mais restrita.

Como exemplo do emprego de um sentido mais amplo, pode-se citar o parágrafo 1º, do art. 113, do CTN , que trata da obrigação tributária, dispondo que ela "... tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente". Nesse caso, não há dúvidas de que o termo "pagamento" foi utilizado em uma acepção abrangente, sob pena de admitir que apenas os tributos pagos em dinheiro poderiam ser objeto de obrigação tributária.

O mesmo se verifica no parágrafo 1º, do art. 150, que estabelece que o "pagamento" antecipado extingue o crédito tributário na hipótese de tributos sujeitos a lançamento por homologação. O termo "pagamento", novamente, foi utilizado em sentido amplo. Uma interpretação mais restrita conduziria à conclusão de que somente os pagamentos em dinheiro estariam submetidos ao referido regime de lançamento.

Nesse mesmo contexto, também se apresenta o art. 165 que, ao tratar da repetição de indébito, confere ao sujeito passivo o direito à restituição do tributo pago de forma indevida, "seja qual for a modalidade de seu pagamento". Com efeito, admitir a restituição de indébito apenas se o pagamento ocorrer em moeda seria justificar o enriquecimento ilícito do fisco nos casos em que o contribuinte adota outra modalidade de pagamento para a extinção da obrigação.

Por outro lado, pode-se observar dispositivos do CTN que adotam um sentido mais restrito do termo "pagamento", em situações em que claramente se busca extremar a prestação pecuniária das demais hipóteses de extinção do crédito tributário.

É o caso do art. 156, por exemplo, que lista as hipóteses de extinção do crédito tributário. Nesse dispositivo, parece natural que o "pagamento" e a "compensação" sejam tratados de forma individualizada, notadamente porque o artigo enumera as diversas modalidades de extinção do crédito tributário.

O mesmo se observa no art. 162 do CTN, que enumera os meios de "pagamento", admitindo o "pagamento" em moeda corrente, em cheque ou em valor postal ou, ainda, nos casos previstos em lei, em estampilha, em papel selado ou por processo mecânico. Também nesse caso, o termo "pagamento" é utilizado em um sentido mais estrito.

Da análise dos exemplos acima, pode-se notar que o sentido estrito do conceito de "pagamento" foi utilizado pelo legislador quando havia necessidade de diferenciar as modalidades de extinção do crédito tributário. Nessas situações, a distinção entre o adimplemento em dinheiro e por compensação tem justificativa, na medida em que - para esses fins -, os institutos são efetivamente diferentes.

O mesmo não se observa, contudo, quando o CTN trata de temas mais abrangentes, ou seja, nas hipóteses em que a forma de extinção do crédito tributário se mostra irrelevante, como o se dá na definição da obrigação tributária e da disciplina do lançamento por homologação e da repetição de indébito.

Nessa esteira, é ver que o art. 138 do CTN, em específico, não trata de extinção do crédito tributário ou de suas modalidades. O dispositivo trata da exclusão da responsabilidade por infração, tema mais abrangente, tal como aqueles mencionados acima. A partir desse raciocínio, o termo "pagamento", nesse caso, deve ser entendido em sua acepção mais ampla, incluindo a "compensação".

Essa conclusão é reforçada a partir da interpretação teleológica do dispositivo legal, não se podendo observar qualquer prejuízo à consecução da finalidade da norma em virtude de sua aplicação aos casos de "pagamento" por compensação. Isso porque o objetivo da norma, como visto, é incentivar os contribuintes a regularizar os seus débitos junto ao Fisco, de maneira espontânea, antes do início de qualquer procedimento de fiscalização, o que ocorre tanto no pagamento stricto sensu quanto na declaração de compensação de débitos ainda não lançados.

De acordo com o art. 156, inciso II, e o art. 170, ambos do CTN, a compensação é forma legítima de extinção do crédito tributário, o que significa que a compensação implica regularização da situação do contribuinte e, como tal, é meio hábil para se atingir a finalidade do art. 138. O postulado da igualdade tem aplicação, no caso, para rejeitar a diferenciação preconizada pelo Fisco, sem qualquer base empírica ou normativa, em contrariedade à finalidade perseguida pela norma interpretada.

A alegação apresentada pela decisão da 3ª Turma, de que a declaração de compensação extinguiria o débito "sob condição resolutória da sua ulterior homologação" (art. 74 da Lei n. 9430) não parece ser relevante para o correto dimensionamento da questão. Segundo a fundamentação do acórdão, a sujeição da compensação a condição resolutória impediria que essa modalidade de extinção do crédito tributário recebesse o mesmo tratamento do "pagamento", cujos efeitos são definitivos ao tempo de sua realização. Na compensação, o Fisco teria prazo de cinco anos para a identificação de irregularidades, prejudicando o efeito liberatório imediato da declaração. No "pagamento", por outro lado, o que "pagou está pago" (p. 7 da decisão). Essa alegação não parece correta, visto que, segundo o art. 127, do Código Civil, no caso de condição resolutiva, "enquanto esta não se realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido". Além do mais, nota-se que o Fisco não exige o questionamento do crédito como condição à exigência de multa de mora por compensação em atraso, sendo o mais comum, ao revés, que o crédito declarado e reconhecido seja suficiente para a quitação do débito do tributo e dos respectivos juros e, ainda assim, o Fisco impute a multa de mora ao débito para então declarar a insuficiência do crédito para a compensação do débito devido.

Por fim, é ver que essa interpretação não encontra óbice no art. 111, inciso I, do CTN.

Em primeiro lugar, vê-se que o benefício da denúncia espontânea não se confunde com as hipóteses de "exclusão" do crédito tributário, que, a teor da literalidade do art. 175, do CTN, alcançam apenas a isenção e a anistia, esta última decorrendo, por definição legal, de lei ordinária com vigência posterior ao tempo do cometimento da infração (art. 180 do CTN).

Em segundo lugar, mesmo o art. 111 do CTN fosse aplicável ao caso, ainda assim, isso não significaria a necessidade da adoção do resultado interpretativo mais restrito, com abstração da finalidade da norma e da função eficacial do princípio da igualdade. De fato, embora seja possível identificar julgados defendendo a necessidade de uma interpretação mais restritiva, a linha que nos parece mais adequada é a de que o termo "literal" inscrito no art. 111 do CTN implica mera adstrição aos significados possíveis do texto legal, dentro da "zona de indeterminação" da linguagem ou da moldura normativa estabelecida pelo legislador, proibindo o emprego da analogia, mas com abertura ao método teleológico. Veja-se, nesse sentido, o acórdão proferido pela Segunda Turma do STJ no julgamento do Recurso Especial n. 1.468.436-RS (DJe 9.12.2015), conforme o excerto a seguir, retirado do voto do relator ministro Mauro Campbell Marques:

"Não cabe ao intérprete restringir o alcance do dispositivo legal que, a teor do art. 111 do CTN, deve ter sua aplicação orientada pela interpretação literal, a qual não implica, necessariamente, diminuição do seu alcance, mas sim sua exata compreensão pela literalidade da norma".

Assim, de qualquer forma, não se pode concordar com a interpretação defendida pelo Fisco e acolhida pela 3ª Turma da CSRF, devendo-se escolher, dentre os sentidos possíveis do termo "pagamento", aquele que melhor realize a finalidade colimada pela norma concessiva da faculdade da denúncia espontânea. Não é sem razão que a 1ª Turma da CSRF, em decisões proferidas no dia 7.8.2018, adotou entendimento oposto ao da 3ª Turma, reconhecendo que o termo "pagamento" do art. 138 do CTN alcança tanto o pagamento em dinheiro quanto a compensação (acórdãos não publicados ).

As decisões proferidas pela 1ª Turma da CSRF, acompanhando decisões anteriores no sentido tomadas pelo CARF , demonstram que a matéria não está pacificada na esfera administrativa .

1 Contudo, esse não se aplica aos casos de tributos não pagos no vencimento que tenham sido objeto de declaração anterior apresentada pelo sujeito passivo, aplicando-se, na espécie, o entendimento contido no enunciado n. 360, da Súmula do STJ, segundo o qual "o benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo". Nessa mesma linha, a jurisprudência do STJ exige, como condição à aplicação do benefício, que o pagamento do tributo em atraso com acréscimo de juros seja feito antes ou concomitantemente à retificação das respectivas declarações.

2 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituição de Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações. V. III, 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 163

3 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo XXIV. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1959, p. 72.

4 "Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente (...)".

5 A referência à isenção como forma de exclusão do crédito tributário parte do pressuposto de que essa modalidade de exoneração não afetaria a hipótese de incidência ou a consequência da norma de tributação, refletindo mera "dispensa legal de tributo devido", na lição clássica de Rubens Gomes de Souza (cf. SOUZA, Rubens Gomes. Compêndio de Legislação Tributária, edição póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 97). Essa é também a posição chancelada pelo Supremo Tribunal Federal, com apoio na literalidade do art. 175, do CTN (cf. STF, ADI 286, Tribunal Pleno, DJ 30.8.2002). Há outra linha, à qual nos filiamos, segundo a qual as isenções, ao lado das imunidades, constituiriam uma hipótese de exoneração interna à norma tributária, recortando a hipótese de incidência do tributo (cf., nesse sentido, COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 149-172).

6 Cf. REsp n. 1310259/PR (DJe 9.10.2015)

7 Processos administrativos n. 10380.721163/2010-36, 10380.901668/2010-82 e 10380.901669/2010-27, 10880.907076/2014-67 e 10880.914178/2012-77.

8 Cf. e.g., acórdão n. 3403-003.628, de 18.3.2015, acórdão n. 1803-002.091, de 11.3.2014 e, acórdão n. 1402-001.424, de 17.9.2013.

9 Na esfera judicial, há julgado do STJ favorável ao reconhecimento da denúncia espontânea no caso de compensação. Cf., STJ, REsp n. 1136372, Primeira Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, J. 4.5.2010, DJe 18.5.2010.

 
Marcio Pedrosa Junior é advogado. Graduado em Direito pela UFMG; Pós-graduado em Direito Tributário pela Faculdade Milton Campos; Pós-graduado em Direito Tributário Internacional pelo IBDT.*