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ISS nas operações portuárias com embarcações estrangeiras - exportação de serviços? -
José Antônio Patrocínio*

Artigo - Municipal - 2018/0457

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ART. 535 DO CPC/1973. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. VALOR DA CAUSA. CORREÇÃO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA - ISSQN. OPERAÇÕES PORTUÁRIAS. EMBARCAÇÕES ESTRANGEIRAS. DESENVOLVIMENTO E RESULTADO NO TERRITÓRIO NACIONAL. DIREITO À IMUNIDADE. INEXISTÊNCIA. 1. (...); 2. (...); 3. (...); 4. Conforme as disposições da Lei n. 8.630/1993, revogada, e da Lei n. 12.815/2013, em vigor, os serviços de operação portuária são desenvolvidos e produzem resultado no território nacional, ainda que o pagamento seja feito por estrangeiros, situação que afasta a imunidade prevista no art. 156, § 3º, II, da CF/1988, nos termos da regulamentação implementada pelo art. 2º, parágrafo único, da LC n. 116/2006. 5. Isso se dá porque a operação portuária é o serviço primordial disponibilizado nos "Portos Organizados" e só pode ser realizado pelo operador (portuário) nos limites da área das instalações (portuárias), localizadas em território nacional, e, por isso, tecnicamente, não pode ser exportado, conclusão que se extrai diretamente dos conceitos e das disposições contidas no § 1º do art. 1º da Lei n. 8.630/1993 e do art. 2º da Lei n. 12.815/2013. 6. Nessa linha, não há relevância na discussão a respeito de a embarcação ser ou não extensão de território estrangeiro. 7. Agravo conhecido para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento.

A nossa Constituição Federal, conhecida como Constituição Cidadã, em seu artigo 156, § 3º, inciso II, consagrou que as exportações de serviços para o exterior do País devem ser excluídas da incidência do imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN.

Este é o mandamento constitucional!

Entretanto, com a edição da Lei Complementar nº 116/2003, que regulamentou a matéria, foram estabelecidos alguns parâmetros para que os contribuintes possam usufruir dos benefícios desta desoneração.

Pela regra insculpida na referida Lei Complementar, Artigo 2º, Parágrafo único, para caracterizar-se como exportação, a primeira condição é a de que o serviço seja desenvolvido em território brasileiro. Então, a contrário sensu, se os serviços são integralmente desenvolvidos em território estrangeiro, isto não é exportação.

A segunda condição, para desoneração constitucional, diretamente vinculada à primeira, é a de que o resultado dos serviços ocorra integralmente fora do País.

Então, em resumo, pela lei tributária, só ficam fora do campo de incidência do ISS os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado ocorra em território estrangeiro.

Serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, devem pagar o imposto municipal.

Veja que, neste contexto, é absolutamente irrelevante o local onde está estabelecido o tomador dos serviços, ou seja, pouco importa se ele está no Brasil ou fora dele!

O que realmente interessa é o resultado do serviço! Se ele ocorrer no Brasil, incide o ISS e se ele ocorrer fora do Brasil, não incide!

Muito bem! Mas, o que é o resultado de um serviço?

A lei não traz este conceito! Entretanto, não podemos é confundir resultado com execução!

Vale reprisar: Para ser exportação, que não paga ISS, o serviço precisa ser executado no Brasil e o seu resultado ocorrer em território estrangeiro.

O problema então é a palavra resultado!

O significado dela é altamente subjetivo, ou seja, pode variar de acordo com o julgamento daquele que a interpreta!

É justamente neste cenário de insegurança jurídica que se coloca o caso em comento.

Coube ao Superior Tribunal de Justiça - STJ -, decidir se incide ou não incide ISS nos serviços portuários prestados às embarcações estrangeiras.

Na tese defendida pelo contribuinte, é caso típico de exportação de serviços, porquanto os navios estrangeiros se caracterizariam como território internacional, nos termos da Convenção Interamericana de Direito Internacional Privado, promulgada pelo Decreto n. 18.871/1929, e da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, promulgada pelo Decreto n. 1.530/1995.

Entretanto, estes argumentos não foram capazes de convencer os Ministros julgadores! E assim, restou consignado que as operações portuárias, em embarcações estrangeiras, não se caracterizam como exportação de serviços, pois o desenvolvimento e o resultado de tais operações, ocorrem em território nacional.

Vale à pena conhecermos mais alguns detalhes do caso.

Na origem o contribuinte impetrou um mandado de segurança preventivo objetivando não recolher ISSQN sobre os serviços de operações portuárias prestados a embarcações estrangeiras.

Como já mencionado, no seu entendimento, defende ter direito à não incidência de ISSQN, porquanto os navios estrangeiros se caracterizariam como território internacional.

No primeiro grau, a segurança foi denegada em razão de o resultado dos serviços se exaurirem no território brasileiro. Além disto, no entendimento do juízo de piso, a embarcação estrangeira não seria extensão de território internacional.

Irresignada com a decisão que contrariou os seus interesses, o contribuinte recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.

Na Corte Catarinense, o recurso de apelação também foi desprovido sob o argumento de que, não sendo as embarcações estrangeiras consideradas território estrangeiro, não há que se falar em exportação de serviços e, como corolário, em isenção do imposto.

Neste aspecto, ou seja, se os navios são ou não são considerados territórios estrangeiros, foram citados os ensinamentos da Professora Eliane Maria Octaviano Martins. Um pequeno trecho de sua obra já é suficiente para compreendermos a razão pela qual os navios atracados não são considerados extensão do território estrangeiro à que pertencem.

Confira:

"os navios privados ou mercantes se submetem às leis do Estado a que pertencem o território em que se encontram (princípio da soberania do Estado costeiro)" (Curso de direito marítimo: volume I. 3. ed., rev., ampl. e atual. Barueri: Manole, 2008, p. 163).

Ainda em relação a situação jurídica dos navios, explica Valério de Oliveira Mazzuoli que "as embarcações que realizam atividades privadas ficam submetidas à jurisdição do Estado, sendo necessário, para tanto, que elas se encontrem no território do Estado de que são nacionais ou em alto mar. Assim, os navios estrangeiros não ficam sob a jurisdição do Estado de origem quando se encontram em portos ou águas territoriais estrangeiras." (Curso de direito internacional público. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 717).

Aí está! Navios atracados em portos ou em águas territoriais estrangeiras, não ficam sob a jurisdição de seu Estado de origem. Fora do Estado de origem, só ficam sob a jurisdição deste, se em alto mar.

Não bastasse isto, o Relator do Processo também fez questão de asseverar que a empresa não logrou êxito em provar que os serviços prestados seriam efetivamente usufruídos no exterior.

"E nem se diga que os serviços prestados seriam usufruídos no exterior, o que autorizaria a contribuinte a valer-se da isenção, porquanto não há prova alguma nesse sentido, cuja produção, certamente, não caberia na via estreita do mandado de segurança."

Em vista disto, houve o desprovimento do recurso!

O contribuinte, incansável na defesa de seus interesses, levou então o caso ao Superior Tribunal de Justiça.

Na Corte Superior, o Ministro Gurgel de Faria, Relator do Processo, também discordou da tese de que as operações portuárias se caracterizam como exportação de serviços.

Eis o porquê:

"Isso se dá porque a operação portuária é o serviço primordial disponibilizado nos "Portos Organizados" e só pode ser realizado pelo operador portuário pré-qualificado nos limites da área das instalações portuárias (nunca no território estrangeiro). Ou seja, o desenvolvimento e o resultado do serviço de operação portuária se realizam nas próprias instalações portuárias, localizadas em território nacional, e, por isso, tecnicamente, não pode ser exportado.

(...).

É nessa linha que considero ser desinfluente a discussão a respeito de o navio ser extensão do território estrangeiro; e, por isso, a hipótese dos autos induz à denegação do mandado de segurança, por não comprovação do direito líquido e certo invocado pela impetrante, como decidido pelas instâncias ordinárias."

Interessante observar que, para o deslinde do caso, foram consideradas basicamente duas situações:

1 - o fato das embarcações atracadas não serem consideradas como extensão territorial da nação de sua bandeira hasteada;

2 - o fato do desenvolvimento e do resultado do serviço ocorrerem nas próprias instalações portuárias, localizadas em território nacional, o que afasta, na visão do STJ, a caracterização da operação como exportação.

Assim, por unanimidade de votos, os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça - STJ -, negaram provimento ao recurso.

Na fase atual, os autos foram encaminhados para o Supremo Tribunal Federal.

 
José Antônio Patrocínio é advogado, Contabilista, Consultor Tributário da Thomson Reuters FISCOSoft e Professor de ISSQN no MBA Gestão Tributária na FIPECAFI/USP. *