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CARF mais uma vez confirma legalidade da operação de redução de capital com entrega de bens a valor contábil para venda por sócio pessoa física - Paulo Coviello Filho*

Artigo - Federal - 2018/3638

No dia 16.5.2018, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do CARF, por meio do acórdão n. 1301-003.023, decidido por unanimidade, deu provimento a recurso voluntário do contribuinte, para cancelar autuação que cobrava ganho de capital na venda de participações societárias de determinada pessoa jurídica.

Para melhor entendimento da situação sob análise, cumpre fazer um breve resumo dos fatos objeto da autuação:

- em 18.3.2010, foi definido o preço de venda das participações societárias da empresa A para a empresa B. Vale ressaltar que, nesse momento, a empresa A possuía quatro pessoas jurídicas como acionistas. Como a autuação diz respeito a uma dessas empresas, apenas ela será denominada aqui de C para facilitar a compreensão;

- em 23.6.2010, foi implementada a redução de capital de C. Nesse ato, as ações da empresa A foram entregues a valor contábil aos sócios pessoas físicas da empresa C;

- posteriormente, em 25.8.2010, foi celebrado o contrato de compra e venda das participações societárias da empresa A pela empresa B.

Analisando a situação acima resumida, a fiscalização entendeu que, na realidade, quem vendeu as participações societárias na empresa A foi a empresa C, desconsiderando a redução de capital realizada. Assim, lavrou em face da empresa C autos de infração de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSL), em razão da não tributação do ganho de capital auferido na referida venda. Os autos de infração em questão foram acompanhados de multa qualificada, com fulcro no art. 44, parágrafo 1º, da Lei n. 9430, de 27.12.1996.

Conforme bem definido pela decisão em comento, "o cerne da questão aqui a ser enfrentado está na análise da possibilidade ou não de redução de capital social com a consequente entrega de ativos ao acionista pelo valor contábil."

Ainda segundo o relatório da decisão, em sua defesa, a empresa alegou que não existe nenhuma norma que impeça a operação societária realizada, por meio da qual houve a redução de seu capital com a entrega das participações societárias que possuía a valor contábil. Ao contrário, a empresa alega que há norma que expressamente autoriza tal movimento societário, qual seja, o art. 22 da Lei n. 9249, de 26.12.1995.

Há um dado fático interessante no processo, que é o fato de a primeira deliberação no sentido da redução de capital da empresa C ter ocorrido em 2008, muito antes da própria definição da venda das participações societárias na empresa A. Entretanto, tal deliberação não havia sido concretizada, ou seja, o capital da empresa C não foi efetivamente reduzido nesse momento, porque era necessária a aprovação de terceiros, tendo em vista que o capital social da sociedade A não estava formalmente integralizado. A empresa demonstrou, ainda, que a última autorização para a integralização de capital da empresa A ocorreu apenas em 8.4.2010, o que comprovaria que a redução não teria sido postergada propositalmente para o momento da venda, como afirmou a fiscalização.

Também restou consignado que a empresa C, após a redução de capital efetuada, manteve normalmente o exercício de suas demais atividades operacionais.

Diante desse cenário, a Turma Ordinária entendeu que os sócios possuem poder absoluto na direção do negócio, de modo que podem realizar a redução de capital com entrega de bem a valor contábil caso entendam conveniente. Veja-se a ementa da decisão:

"REDUÇÃO DE CAPITAL. ENTREGA DE BENS E DIREITOS DO ATIVO AOS SÓCIOS E ACIONISTAS PELO VALOR CONTÁBIL. SITUAÇÃO AUTORIZADA PELO ARTIGO 22 DA LEI Nº 9.249 DE 1995. PROCEDIMENTO LÍCITO. AUSÊNCIA DE FRAUDE OU SIMULAÇÃO

A redução do capital social deve ser de competência exclusiva da Assembléia Geral, desde que não haja prejuízos a credores, e não seja hipótese de fraude ou simulação. Assim, apenas os acionistas, que assumem o risco do negócio, possuem legitimidade para definir o montante necessário para continuar as atividades de sua empresa."

Destacou-se que tal movimento é expressamente permitido e previsto pelo art. 22, da Lei n. 9249, que trata de uma opção fiscal do contribuinte. Nas palavras da decisão, "trata-se de opção do contribuinte. E o Fisco não pode nem deve impor ao contribuinte uma opção mais onerosa".

Confiram-se os termos do mencionado art. 22:

"Art. 22. Os bens e direitos do ativo da pessoa jurídica, que forem entregues ao titular ou a sócio ou acionista, a título de devolução de sua participação no capital social, poderão ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado.

§ 1º No caso de a devolução realizar-se pelo valor de mercado, a diferença entre este e o valor contábil dos bens ou direitos entregues será considerada ganho de capital, que será computado nos resultados da pessoa jurídica tributada com base no lucro real ou na base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido devidos pela pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido ou arbitrado.

§ 2º Para o titular, sócio ou acionista, pessoa jurídica, os bens ou direitos recebidos em devolução de sua participação no capital serão registrados pelo valor contábil da participação ou pelo valor de mercado, conforme avaliado pela pessoa jurídica que esteja devolvendo capital.

§ 3º Para o titular, sócio ou acionista, pessoa física, os bens ou direitos recebidos em devolução de sua participação no capital serão informados, na declaração de bens correspondente à declaração de rendimentos do respectivo ano-base, pelo valor contábil ou de mercado, conforme avaliado pela pessoa jurídica.

§ 4º A diferença entre o valor de mercado e o valor constante da declaração de bens, no caso de pessoa física, ou o valor contábil, no caso de pessoa jurídica, não será computada, pelo titular, sócio ou acionista, na base de cálculo do imposto de renda ou da contribuição social sobre o lucro líquido."

O dispositivo em análise permite que a devolução de capital seja feita mediante a entrega de bens a valor contábil ou de mercado, ficando a cargo da pessoa jurídica decidir. Desse modo, respeitados os ditames da redução de capital, a pessoa jurídica estaria albergada pela previsão contida no artigo acima transcrito, razão pela qual não procederia a autuação fiscal. Esse foi o entendimento consignado na decisão.

É interessante destacar o entendimento consignado no acórdão, no sentido de que se trata de uma opção fiscal do contribuinte. Esse entendimento não é inédito naquele Conselho, pois já havia sido manifestado no acórdão n. 1402-001.472, de 9.10.2013 .

Sobre o tema, Marco Aurelio Greco afirma que quando "O ordenamento indica dois caminhos e deixa ao contribuinte a escolha de seguir um ou outro, sendo que eventualmente um deles pode ser menos oneroso do que o outro" , nada há de ilegal ou ilegítimo. O mesmo autor prossegue dizendo o seguinte:

"(...) Nas opções estamos sempre diante perante hipóteses em que há uma escolha expressa que o ordenamento coloca à disposição do contribuinte, hipótese clássica de lei dispositiva.

Por isso, a opção fiscal desenha uma hipótese de conduta positivamente autorizada pelo ordenamento. Não chega a ser hipótese de incentivo ou induzimento a determinada conduta, mas trata-se de uma escolha que o ordenamento expressamente cria e cujos efeitos tributários (de menor tributação) ele assegura. Trata-se de uma figura semelhante àquela que HANS KELSEN examina sob o nome de 'conduta regulada positivamente' ou 'liberdade em sentido positivo'".

Foi por essa razão que o citado acórdão n. 1402-001.472, de 9.10.2013, ao tratar do art. 22 da Lei n. 9249, afirmou que as opções fiscais são alternativas criadas pelo ordenamento, propositalmente formuladas e colocadas à disposição do contribuinte para que delas se utilize, conforme sua conveniência, o que, consequentemente, impede o questionamento fiscal da opção feita.

Na referida decisão, restou também consignado que a partir da vigência do art. 22 da Lei n. 9249, a redução de capital mediante entrega de bens ou direitos, pelo valor contábil, não mais constitui hipótese de distribuição disfarçada de lucros. Vale ressaltar que o parágrafo 1º do art. 464 do RIR/99 possui disposição expressa nesse sentido.

Finalmente, importa ressaltar que esse é entendimento majoritário no âmbito daquele Conselho, como se pode verificar dos acórdãos n. 1402-001.472, de 9.10.2013, 1301-001.302, de 9.10.2013, 1402-001.477, de 9.10.2013, 1402-001.252, de 7.11.2012, 1402-001.251, de 7.11.2012, 1402-001.341, de 5.3.2013, 1301-001.864, de 10.12.2015, 1201-001.809, de 25.7.2017, e 1201-001.920, de 18.10.2017. Em sentido desfavorável, citem-se os acórdãos n. 1301-001.277, de 10.9.2013, 1301-002.609, de 19.9.2017, e 1402-002.772, de 17.10.2017. Ainda não houve manifestação da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais sobre o tema.

1 Sobre o tema, vide: LAPATZA, José Juan Ferreiro. Direto Tributário. Teoria Geral do Tributo. Barueri: Ed. Marcial Pons, 2007, p. 91.
2 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 93.
3 Idem, ibidem.

 
Paulo Coviello Filho*
Advogado, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Email:
pcf@marizsiqueira.com.br