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Industrialização por encomenda/beneficiamento - IPI/ICMS ou ISSQN - STF dará a palavra final -
José Antônio Patrocínio*

Artigo - Federal - 2017/3635

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ISSQN. INCIDÊNCIA. INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. SUBITEM 14.5 DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR Nº 116/2003. MULTA FISCAL MORATÓRIA. LIMITES. VEDAÇÃO AO EFEITO CONFISCATÓRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. QUESTÕES RELEVANTES DOS PONTOS DE VISTA ECONÔMICO E JURÍDICO. TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

Finalmente o Supremo Tribunal Federal - STF - reconheceu que a polêmica envolvendo a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN - em operação de industrialização por encomenda, também conhecida como beneficiamento, envolve questão constitucional, relevante do ponto de vista econômico e jurídico, que transcende os interesses das partes envolvidas, alcançando todos os entes federativos, bem como todas as empresas envolvidas no processo de produção de bens.

Com isto, reconhecida a existência de repercussão geral do tema, requisito fundamental para a admissibilidade do processo, caberá agora à Corte Suprema analisar o mérito da questão e , como sabemos, a decisão final do Supremo Tribunal Federal em relação ao assunto, vinculará todos os demais órgãos do Poder Judiciário.

Ora, realmente já passou da hora do STF pacificar estes conflitos! É preciso urgentemente restabelecer a segurança jurídica em torno deste assunto.

Apesar da Constituição Federal de 1988 reservar um capítulo exclusivamente para a repartição das competências tributárias, entre a União, os Estados e os Municípios, infelizmente, nos últimos anos, os conflitos de competência envolvendo a incidência do IPI, ICMS e ISSQN, nas operações de beneficiamento, só se agravaram.

A meu ver, o legislador complementar tem grande responsabilidade nisto!

Explico o porquê!

Na origem, a legislação que dava estrutura ao imposto municipal sobre serviços - Decreto-lei nº 406/1968, continha uma regra justamente para evitar qualquer dúvida em relação às incidências tributárias.

Confira:

"Decreto-lei nº 406/1968

72. Recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos não destinados à industrialização ou comercialização ;" Grifei.

Entretanto, e aí que vem a responsabilidade do legislador complementar, na atual legislação - Lei Complementar nº 116/2003 -, o texto que descreve esta mesma hipótese de incidência simplesmente mudou!

Confira:

"Lei Complementar nº 116/1968

14 - Serviços relativos a bens de terceiros.

(...)

14.05 - Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento , plastificação e congêneres, de objetos quaisquer ."Grifei.

Veja que, sem nenhuma justificativa plausível, houve a supressão da expressão "de objetos não destinados à industrialização ou comercialização.", substituindo-a por "de objetos quaisquer."

Como conseqüência disto, inúmeras Prefeituras tem interpretado o novo texto com a lógica de que, se antes não incidia ISSQN em objetos destinados à industrialização e comercialização, agora que isso não está mais escrito incide.

Justifica-se ainda, por parte do fisco municipal, que o Legislador teve a efetiva intenção de ampliar o campo de incidência do Imposto Municipal, fazendo com que ele passe a incidir em operações em que antes não incidia.

Para agravar este cenário, o Superior Tribunal de Justiça, que possui a missão de dar uniformidade a interpretação da legislação federal, insiste na tese de que a operação de beneficiamento, independentemente dela integrar ou não uma etapa intermediária do ciclo produtivo, caracteriza prestação de serviço (obrigação de fazer), fato jurídico tributável pelo ISSQN, não se enquadrando nas hipóteses de incidência do IPI e do ICMS.

Em outras palavras, para o STJ, sempre incidirá o ISSQN, pouco importando a posterior destinação dada ao bem ou mercadoria que sofreu o beneficiamento. O conflito se instaura justamente porque a União e os Estados, não concordando com este entendimento, também exigem IPI e ICMS nestas mesmas operações.

No entanto, há um fato novo, relevante, no Superior Tribunal de Justiça - STJ!

Desde que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral em torno do assunto - matéria de índole constitucional -, por medida de economia processual e para evitar decisões dissonantes, os recursos que tratam desta controvérsia, agora ficam aguardando, no Tribunal de origem, a solução que será dada pelo STF ao referido assunto. Somente depois de realizada essa providência é que o recurso especial, se for o caso, deverá ser encaminhado ao STJ para que possam ser analisadas as questões jurídicas nele suscitadas.

Em termos práticos significa dizer que o Superior Tribunal de Justiça parou de julgar casos desta espécie, justamente por envolver matéria de índole constitucional.

Então, até que o STF dê a sua palavra final em torno do assunto, ainda teremos que conviver com esta grande insegurança jurídica em torno do assunto.
Em que pese concordar que a matéria realmente possui índole constitucional, penso que também é possível alcançar a solução mais adequada por meio da interpretação da legislação infraconstitucional, ou seja, da
Lei Complementar nº 116/2003.

Já tive oportunidade de abordar este assunto, em artigo escrito anteriormente, mas, pela relevância, vale reprisar.

Nota-se que o item 14, acima transcrito, trata justamente de "serviços relativos a bens de terceiros" e não de mercadorias e, no subitem 14.05, o legislador menciona que tais serviços serão prestados em "objetos quaisquer".

Aí está, na própria Lei Complementar, o requisito necessário para a solução dos conflitos de competência envolvendo o IPI, o ICMS e o ISSQN.

Só incidirá o ISSQN na operação se o beneficiamento ocorrer em "bens de terceiros". Este é o mandamento legal.

Ora, precisamos então abstrair o conceito de "bem" ou "bens" de terceiros.

O festejado Professor Eduardo Marcial Ferreira Jardim, em sua clássica obra "Dicionário Jurídico Tributário", ensina-nos que:

"No âmbito do direito tributário a palavra [bem] significa objeto corpóreo destinado a uso pessoal, ou seja, trata-se de algo fora do comércio"

Isto facilita muito a nossa interpretação.

A partir deste conceito, a melhor compreensão do texto legal é no sentido de que só incidirá o ISSQN, se e somente se o beneficiamento ocorrer em bens de uso pessoal, ou seja, aqueles bens que estão fora do processo de industrialização ou circulação.

Em sentido oposto, o renomado autor ensina-nos também que se o produto corpóreo for destinado a posterior industrialização ou comercialização, receberá ele o nome de "mercadoria".

Logo, verifica-se que para que a "coisa" seja caracterizada como mercadoria, é indispensável que ela esteja integrada em uma operação cujo objetivo seja a realização de uma atividade de industrialização ou de mercancia.

Vamos destacar os conceitos, já que eles são extremamente importantes para o deslinde da questão:

* BEM - Objeto corpóreo destinado a uso pessoal.

* MERCADORIA - Produto corpóreo destinado a posterior industrialização ou comercialização.

Então, beneficiamento de bens de terceiros (objetos quaisquer) paga ISSQN e beneficiamento de mercadoria paga IPI E ICMS. É isto!

Só assim a tributação fica condizente com o modelo de repartição das competências adotado pela nossa Constituição Federal.

Conclusões:

* Beneficiamento - ISSQN

Incidirá o ISSQN nas operações de beneficiamento em bens de terceiros (objetos corpóreos destinados a uso pessoal);

* Beneficiamento - IPI e CMS

Incidirá o IPI e o ICMS nas operações de beneficiamento em produtos corpóreos destinados ao comércio. Neste caso, ocorre a figura jurídica do diferimento do imposto, ou seja, ele fica postergado para a saída subsequente (momento da comercialização por parte do seu encomendante).

Por fim, cabe esclarecer ainda que, operações de beneficiamento sujeitas ao ISSQN devem ser registradas por meio de Nota Fiscal de Serviços, instituída pela legislação municipal. Já as operações de beneficiamento sujeitas ao IPI e ICMS devem ser registradas por meio de Nota Fiscal Eletrônica - Modelo 55 - instituída pelo AJUSTE SINIEF 7, DE 30 DE SETEMBRO DE 2005.

 
José Antônio Patrocínio é Advogado, Contabilista e Consultor Tributário da Thomson Reuters FISCOSoft e Professor de ISSQN no MBA Gestão Tributária na FIPECAFI/USP.