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Comentários acerca da decisão do Recurso Especial n. 1.540.428/SP: dever de indenização decorrente do ilícito de insider trading na aquisição de ações preferenciais do Grupo Real - Marcio Pedrosa Junior

Em acórdão publicado em 16.3.2018, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao Recurso Especial n. 1.540.428/SP, interposto pelo Banco Santander, sucessor do ABN Amro Bank, em face de acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que lhe havia condenado a indenizar danos infringidos a acionistas minoritários do Grupo Real, quando da aquisição de suas ações.

A ação fora ajuizada por diversos autores, pessoas físicas e jurídicas, em face do ABN Amro Bank, visando à reparação de danos supostamente sofridos por ocasião da alienação, em ofertas públicas, de ações preferencias do grupo Real, que era então controlado pelo Sr. Aloysio de Andrade Faria.

Segundo os argumentos apresentados pelos autores, à época das ofertas públicas de compra de ações de acionistas minoritários, havia contrato firmado entre o Sr. Aloysio de Andrade Faria e o ABN Amro Bank, para a alienação, ao último, do controle acionário do grupo Real. A transferência do controle, contudo, foi ocultada ao mercado, o que permitiu ao ABN Amro Bank a aquisição das ações dos minoritários, por meio de oferta pública, a um preço inferior ao que seria obtido caso essa informação tivesse sido divulgada, configurando, no caso, o uso indevido de informação privilegiada (insider trading).

Em sua defesa, o réu alegou que, ao momento da publicação dos editais das ofertas de compra de ações de acionistas minoritários, não havia autorização governamental para a alienação do controle do grupo, mas de apenas 40% das ações votantes e de todas as ações preferenciais das sociedades-alvo. A transferência do controle só veio a ocorrer em momento posterior, após a obtenção das devidas autorizações governamentais. O que efetivamente havia, quando das ofertas públicas de compra de ações, era mera intenção de transferência de controle acionário, que não era alcançado pelo dever de disclosure.

Além disso, o réu aduziu que a intenção da ABN Amro Bank de adquirir o controle do grupo Real já havia sido amplamente divulgada pela imprensa, comum e especializada, não se podendo atribuir à suposta omissão de informação os danos supostamente sofridos pelos acionistas minoritários, relativamente ao preço praticado nas ofertas públicas de compra de ações.

Para uma melhor compreensão, os fatos do caso, descritos no relatório da decisão do STJ, podem ser apresentados na ordem abaixo:

- em 29.6.1998, o ABN Amro Bank encaminhou uma carta-contrato ao controlador final do Grupo Real, no qual se propunha à aquisição do controle acionário do Grupo, por um valor correspondente à soma do patrimônio líquido contábil consolidado e de um prêmio de controle. A concordância do alienante com os termos da aquisição foi aposta ao contrato no dia 7.7.1998;

- atendendo à exigência legal de aprovação governamental (art. 255, da Lei n. 6404), a carta-contrato foi submetida, no dia 30.6.1998, ao Presidente do Banco Central do Brasil;

- no dia 9.7.1998, as partes anunciaram, mediante a comunicação de fato relevante, uma parceria estratégica, que envolvia a alienação de apenas 40% do capital votante e participação do adquirente na gestão das empresas do grupo, nada tendo sido dito acerca da aquisição do controle do grupo;

- As decisões do Banco Central foram exaradas nos dias 7 e 8 de julho de 1998, aprovando a participação estrangeira minoritária no capital votante, limitada a 40%, e a aquisição de 100% das ações preferenciais, ao que se seguiu a divulgação, em 9 e 22 de julho, de fatos relevantes subscritos pelo Banco Real e pelo ABN Amro Bank, comunicando ao mercado a aprovação da operação;

- em 25.8.1998, foi publicado Decreto com a aprovação da Presidência da República à realização da operação;

- no dia 25.8.1998, as partes celebraram um contrato de permuta de ações para a consolidação da transferência do controle, por meio do qual o ABN Amro receberia, em 5.11.1998, 40% das ações com direito a voto, ficando os 60% restantes condicionados à aprovação das autoridades governamentais;

- em agosto e setembro de 1998, foram divulgados fatos relevantes comunicando a realização das operações societárias necessárias à segregação dos ativos incluídos na transação;

- em 6.10.1998, foi requerida a aprovação do BACEN para a aquisição, pelo ABN Amro Bank, de 100% das ações ordinárias e preferenciais. A autarquia federal emitiu parecer favorável à aprovação no dia 7.10.1998;

- em 5.11.1998, o contrato de permuta de ações tornou-se eficaz, com a permuta de 40% das ações ordinárias da controladora do Grupo, ficando os 60% restantes condicionados apenas à autorização estatal;

- em 10.11.1998, sem informar o mercado sobre o andamento da alienação do controle, o ABN Amro Bank lançou oferta pública para a compra de ações preferenciais dos acionistas minoritários do Grupo Real;

- no dia 25.11.1998, o Conselho Monetário Nacional opinou pela autorização da alienação do controle e, em 24.12.1998, foi publicado no Diário Oficial o Decreto com a autorização da Presidência da República à realização da operação;

- em 28.12.1998, mais três ofertas públicas de aquisição de ações preferenciais foram lançadas pelo ABN Amro Bank;

- em 3.3.1999, o Grupo Real foi interpelado pela Bovespa acerca de movimentações anormais no mercado de ações. Em resposta, o ABN Amro Bank reafirmou a existência de uma "parceria estratégica", nada revelando sobre o andamento da alienação de controle;

- em 17.11.199, o BACEN aprovou definitivamente a transferência do controle;

- em 19.11.1999, o Grupo Real divulgou fato relevante sobre a transferência do controle ao ABN Amro Bank, quando a totalidade das ações dos minoritários já havia sido adquirida pelo novo controlador.

Nesse contexto, a questão controversa cingia-se, primeiramente, a saber se, por ocasião das ofertas públicas de compra de ações preferenciais, teria havido descumprimento, pelo ABN Amro Bank, do dever de divulgar fato relevante relativamente à aquisição do controle do grupo Real, a impactar no preço pelo qual as ações foram adquiridas nas ofertas públicas de compra.

No dimensionamento dessa questão, deve-se destacar o art. 1º, parágrafo único, da Instrução Normativa n. 31, de 8.2.1984, vigente à época dos fatos, segundo a qual as mudanças no controle das companhias construiriam fatos relevantes para divulgação ao mercado:

"Art. 1º - Considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato ocorrido nos seus negócios que possa influir de modo ponderável:

Parágrafo único - São modalidades de ato ou fato relevante:

a) mudanças no controle da companhia"

Do mesmo instrumento regulamentar, destaca-se o art. 10, que vedava, como prática não equitativa, a negociação com valores mobiliários pelos administradores e acionistas controlares da companhia aberta para a obtenção de vantagens, para si ou para outrem, decorrentes de fatos relevantes ainda não divulgados ao mercado:

"Art. 10 - É vedado aos administradores e acionistas controladores de companhia aberta valerem-se de informação à qual tenham acesso privilegiado, relativa a ato ou fato relevante ainda não divulgado ao mercado, nos termos dos artigos 2º e 7º desta Instrução, para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante negociação com valores mobiliários."

Esses dispositivos da regulamentação da CVM encontravam supedâneo legal no art. 155, parágrafo 1º, da Lei n. 6404, que vedou aos administradores "valer-se da informação privilegiada para obter [...] vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários".

Note-se que, à época dos fatos, o dispositivo legal falava apenas dos "administradores" da companhia, sendo que a vedação do insider trading secundário só foi incluída na Lei n. 6404 com a edição da Lei n. 10303, de 31.10.2001, que inseriu o parágrafo 4º ao art. 155, determinando que "a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários". No âmbito infralegal, o dever do adquirente do controle de informar o mercado acerca do negócio só se tornou inequívoco após a Instrução CVM n. 299, de 9.2.1999, que dispunha que:

"Art. 3º Sem prejuízo do disposto na Instrução CVM nº 31, de 8 de fevereiro de 1984, a operação que resultar na alienação de controle acionário de companhia aberta deverá ser comunicada de imediato, pelo adquirente do controle, à CVM e às Bolsas de Valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, assim como divulgada na imprensa, mediante imediata publicação providenciada pelo mesmo adquirente nos jornais utilizados habitualmente pela companhia."

Quanto a esse ponto, o entendimento prevalecente no STJ, foi o de que o ABN Amro Bank, por ter deixado de divulgar fato relevante quanto ao andamento da aquisição do controle do Grupo Real, cometeu ilícito de insider trading por ocasião das negociações de valores mobiliários nas ofertas públicas realizadas para a compra das ações preferenciais dos acionistas do Grupo Real.

Muito embora a legislação vigente à época não veiculasse de forma expressa a figura do insider trading secundário, a ilicitude da conduta do adquirente, no caso, foi extraída da dever geral de lealdade para com os acionistas não controladores, sob a ótica da vedação de práticas não equitativas. Nesse sentido, foi o voto proferido pelos Ministros Marco Aurélio Bellizze (relator), Moura Ribeiro e Paulo de Tarso Sanseverino.

A Turma entendeu que a exigência legal da aprovação governamental da transferência do controle não constituiria à divulgação de fato relevante. Tanto é assim que, em relação á aquisição de 40% do capital votante, o fato relevante foi divulgado imediatamente após a aprovação do BACEN, antes de que houvesse a publicação do decreto presidencial.

Além disso, entendeu-se que, por ocasião das ofertas públicas, e apesar das notícias divulgadas na mídia, o mercado investidor não tinha conhecimento acerca da intenção de aquisição do controle do Grupo Real, o que ficou evidenciado pelo pedido de esclarecimentos apresentado pela Bovespa em 3.3.1999, o qual foi respondido pela ABN Amro Bank com a mera reafirmação da parceria estratégica desenvolvida com o controlador final do Grupo Real, para a aquisição de uma participação minoritária no capital votante do Grupo.

Divergiu, nesse ponto, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, para quem teria restado comprovado nos autos que a intenção da transferência do controle acionário do Grupo era um fato de domínio público à época das ofertas públicas realizadas, o que impediria a caracterização da figura insider trading, nos termos do parágrafo 3º, do art. 155, da Lei n. 6404. No seu entendimento, "se os investidores têm ciência da informação por outros meios oficiais diversos da publicação de fato relevante, não se pode afirmar que tenham eles negociado seus títulos sem o conhecimento de fato capaz de influir na cotação das ações e na decisão de vendê-las ou comprá-las".

Em que pese a caracterização do insider trading, o acórdão resolveu, nos termos do voto do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, dar provimento ao recurso especial do Banco Santander, tendo em vista a falta de comprovação, pelos autores da ação, da extensão dos danos provocados pela conduta ilícita do réu.

Ficou vencido, nesse ponto, o Ministro Marco Antônio Bellize, que havia negado provimento ao recurso, impondo ao Banco Santander o ressarcimento dos prejuízos suportados pelos autores, mensurados pela diferença entre o valor recebido por ação pelo controlador final do grupo e o valor praticado nas ofertas públicas de compra das ações dos acionistas minoritários.

Esse posicionamento, contudo, não foi acolhido pelo órgão colegiado, que observou, para tanto, a revogação dos parágrafos 1º e 2º do art. 254 e do art. 255 da Lei n. 6404, por força da Lei n. 9457, de 5.5.1997.

O art. 254 da Lei n. 6404 estabelecia que o adquirente do controle acionário de companhia aberta deveria lançar oferta púbica de compra das ações com direito a voto de todos os acionistas minoritários, ao mesmo preço que pagara ao alienante do controle. O art. 255 estendeu o mesmo princípio igualitário às companhias abertas dependentes de autorização governamental para funcionar, como as instituições financeiras.

A regra contida nos referidos dispositivos legais parte da premissa de que, em geral, o valor pago pela aquisição do controle é superior ao valor do bloco de ações adquirido, nele se inserindo não apenas o seu valor de cotação na bolsa, mas também uma importância relativa à expectativa de rentabilidade futura da companhia, que pertence não só ao controlador, mas a todos os acionistas. Diante disso, a lei buscou conferir tratamento igualitário aos acionistas minoritários, assegurando-se lhe o mesmo preço pago ao acionista controlador.

Essa regra, contudo, foi revogada, por determinação da Lei n. 9457, de 5.5.1997, a partir da qual as ofertas públicas para aquisição de ações de acionistas minoritários, no caso de alienação de controle, deixaram de ser obrigatórias.

A proteção ao direito dos acionistas minoritários foi reestabelecida com a edição da Lei n. 10303, de 31.10.2001, mas em menor extensão, não tendo a nova regra assegurado a paridade de preços aos minoritários, mas um preço mínimo igual a 80% do valor pago por ação com direito a voto integrante do grupo de controle.

No caso examinado, o STJ observou que as ofertas públicas de compra de ações foram realizadas sob a vigência da Lei n. 9457. Além disso, elas tiverem como objeto ações preferenciais, as quais, segundo o entendimento majoritário, não se encontrava ao abrigo da regra dos arts. 254 e 255, da Lei n. 6404. Com base nisso, o acórdão rejeitou a pretensão de apurar o valor da indenização devida aos autores, tomando por referência o valor do prêmio pago ao controlador final, o que corresponderia a "aplicar a lei já revogada".

Diante disso, tendo em vista que os autores da ação se desincumbiram de seu ônus probatório, não tendo comprovado que a divulgação do fato relevante poderia ter alterado a cotação das ações vendidas para um patamar superior àquele existente em razão das informações veiculadas na imprensa, a Turma decidiu dar provimento ao recurso, recusando a pretensão indenizatória dos autores da ação.

A conclusão do acórdão nos parece acertada, tendo em vista a impossibilidade de assumir que o prêmio pago ao controlador conduziria ao cálculo do valor da indenização em consonância com o preço que seria obtido pelos acionistas minoritários tivesse o fato relevante sido devidamente divulgado.


 
Elaborado por:
Marcio Pedrosa Junior
Especialista em Direito Tributário pela Faculdade Milton Campos. Advogado.
E-mail: mpj@marizsiqueira.com.br