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2ª Turma da CSRF se manifesta sobre extensão da imunidade prevista no inciso I do parágrafo 2º do art. 149 receitas de venda a trading companies com finalidade de exportação - Paulo Coviello Filho*

Artigo - Federal - 2017/3627

Em 20.3.2018, por meio do acórdão n. 9202-006.590, a 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais analisou a controvérsia sobre o alcance da imunidade prevista no inciso I do parágrafo 2º do art. 149 da Constituição Federal para receitas de venda para empresa comercial exportadora (trading companies).

Segundo consta do relatório da decisão, tratava-se de auto de infração lavrados para exigir as contribuições sociais previdenciárias sobre a receita de comercialização da produção rural decorrente da venda para trading companies com a finalidade exclusiva de exportação. Após decisão favorável da 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 2ª Seção (acórdão n. 2401-003.063, de 19.6.2013), que reconheceu que se aplicava a imunidade prevista no inciso I do parágrafo 2º do art. 149 da Constituição Federal para essas receitas, a Fazenda Nacional interpôs recurso especial.

Vale ressaltar que a pretensão fiscal encontra suporte no art. 245 da Instrução Normativa SRP n. 3, de 14.7.2005, vigente à época dos fatos, que estabelece, em suma, que a não incidência das contribuições sociais previdenciárias sobre a receita de exportação da produção rural é aplicável "exclusivamente quando a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no exterior." Importante ressaltar que tal disposição está replicada no art. 170 da atual Instrução Normativa RFB n. 971, de 13.11.2009.

Confira-se a ementa da decisão ora comentada:

"COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS RURAIS COM EMPRESAS COMERCIAIS EXPORTADORAS. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDÊNCIA.

Incide contribuição previdenciária sobre o valor da comercialização de produto rural com empresas comerciais exportadoras, ainda que com o fim específico de exportação.

A imunidade constitucional prevista no inciso I do § 2º do art. 149 da CF/1988 somente se aplica ao caso em que o produtor efetua venda direta a adquirente domiciliado no exterior."

Vale ressaltar que a decisão foi colhida em votação decidida por maioria. O voto vencedor da decisão consignou, em suma, que os art. 245 da IN SRP n. 3/2005 e 170 da IN RFB n. 971/2009 somente esclarecem o alcance da imunidade constitucional, eis que a venda para trading companies não representaria exportação, mesmo na hipótese de a finalidade da operação ser a exportação. Coerentemente com seu raciocínio, a decisão afirmou que interpretar a regra imunizante de forma distinta representaria indevida extensão dos seus termos, o que contrariaria o art. 111 do Código Tributário Nacional.

A decisão também ressaltou que quando o legislador optou por estender os benefícios da exportação a receitas de venda a trading companies o fez expressamente, como seria o caso do art. 6º, inciso III, do art. 6º da Lei n. 10833, de 29.12.2003, e do inciso VIII do art. 14 da Medida Provisória n. 2158-35, de 24.8.2001.

Em sentido oposto, o voto vencido, de lavra da Conselheira Ana Cecília Lustosa da Cruz, afirmou que a imunidade prevista no inciso I do parágrafo 2º do art. 149 da Constituição Federal deveria ser interpretada de acordo com a sua finalidade, qual seja, o fomento da indústria nacional, mediante a desoneração da exportação de produtos. Tal raciocínio levaria à conclusão de que a receita de venda a trading companies com finalidade exclusiva de exportação faz jus à imunidade prevista na norma.

Destacou, ainda, que o Decreto-Lei n. 1248, de 29.11.1972, em seus art. 1º e 3º, "dispõe, expressamente, que são equiparadas, para fins tributários, as operações de exportação indiretas às exportações diretas, desde que a empresa adquirente (trading companies) tenha atividade de exportação como finalidade própria, atendidos os requisitos legais."

O entendimento manifestado no voto vencido parece estar em consonância com a jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal, que tem se manifestado no sentido de uma interpretação extensiva dos dispositivos imunitórios. Nesse sentido, no julgamento do Agravo de Instrumento n. 742.230, em 12.3.2013, sob a Relatoria do Ministro Dias Toffoli, pela 1ª Turma, restou consignado que "a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem flexibilizando as regras atinentes à imunidade, de modo a estender o alcance axiológico dos dispositivos imunitórios, em homenagem aos intentos protetivos do constituinte originário."

Analisando a questão, Luís Eduardo Schoueri[1] destaca que a não tributação de receitas de exportação consagrou, no Brasil, o critério da tributação no país de destino. Segundo o jurista, poder-se-ia adotar o critério do destino ou da origem, que implicaria a tributação no Brasil. Entretanto, como a maioria dos países adota o critério do destino, a adoção do critério da origem acarretaria inesperada distorção, eis que os produtos importados não seriam tributados e os produtos brasileiros seriam duplamente onerados.

Ademais, admitir-se a interpretação contida no voto vencedor, de que a imunidade aplica-se somente para as vendas diretas, também culmina em tratamento distinto de contribuintes em situações iguais, sem que haja fundamentação legal para tanto, em clara afronta ao princípio da isonomia, o qual também está atrelado entre os garantidores da segurança jurídica.

A igualdade tem como corolário a ideia fundamental de justiça, de tal forma que não haja discriminação de tratamento entre quaisquer indivíduos. A igualdade não impõe tratamento equivalente a todos os indivíduos. Ao contrário, tendo em conta a existência de diferentes condições entre diferentes pessoas, em diferentes aspectos, a igualdade impõe tratamento diferenciado entre eles, justamente com o objetivo de equalizar condições.

Conforme ensina Leandro Paulsen[2], "identifica-se ofensa à isonomia apenas quando sejam tratados diversamente contribuintes que se encontrem em situação equivalente, sem que o tratamento diferenciado esteja alicerçado em critério justificável de discriminação ou sem que a diferenciação leve ao resultado que a fundamenta."

É justamente o que ocorre na presente situação, se admito o raciocínio exposto no voto vencedor, eis que não existe qualquer fundamentação legal para que o contribuinte que vende o produto diretamente ao exterior seja tratado de forma mais benéfica do que aquele que vende indiretamente, por meio de trading companies.

Conclui-se, portanto, que a decisão proferida pela 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais não representa a melhor interpretação para o disposto no inciso I do parágrafo 2º do art. 149 da Constituição Federal, tendo em vista o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, bem como a majoritária doutrina.

[1] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 8ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 489.

[2] PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 12ª Edição. Porto Alegre: 2010, p.183.

 
Paulo Coviello Filho é advogado. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Graduado em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).