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Cisão parcial envolvendo transferência de ativos com custo atribuído (deemed cost) em razão da adoção das novas normas contábeis - análise da posição adotada pela Receita Federal do Brasil na Solução de Consulta COSIT n. 659/17
Matheus Rocca dos Santos*

Artigo - Federal - 2017/3621

Em 2.1.2018, foi publicada a Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação ("COSIT") da Receita Federal do Brasil ("RFB") n. 659, de 27.12.2017, que abordou o tratamento tributário de cisão de pessoa jurídica que havia aplicado o método do custo atribuído (deemed cost) quando da adoção inicial dos novos padrões e métodos contábeis, o que resultou em aumento do valor contábil dos ativos.

Nos termos da decisão proferida pela COSIT, o tratamento tributário dos valores registrados a título de custo atribuído difere, substancialmente, a depender de este ter sido efetuado (i) antes da adoção inicial do regime previsto na Lei n. 12973, de 13.5.2014, hipótese em que a cisão acarreta a tributação de tais valores, ou (ii) na vigência do regime da Lei n. 12973, sendo possível o diferimento da tributação dos saldos dos ativos até sua efetiva realização.

Sem a pretensão de esgotar a análise do tema, serão apresentados breves comentários sobre os aspectos contábeis aplicáveis ao fato narrado na consulta formulada pelo contribuinte, o regime tributário introduzido pela Lei n. 12973, no contexto da extinção do Regime Tributário de Transição ("RTT"), e sobre a conclusão atingida pela COSIT na resposta ao contribuinte.

A despeito de a decisão tratar, também, do tratamento tributário a ser dado às divergências entre taxas de depreciação contábil e fiscal, será analisado, especificamente, o entendimento da COSIT sobre a tributação das diferenças dos valores de ativos em razão de sua avaliação a valor justo ("AVJ") no contexto da aplicação do custo atribuído.

Breve panorama das normas contábeis aplicáveis ao tema

Até 31.12.2007, os padrões contábeis vigentes no Brasil ("BRGAAP") divergiam, substancialmente, dos métodos e critérios contábeis internacionais emitidos pelo International Accounting Standards Board ("IASB"), órgão responsável pela convergência das normas contábeis em nível internacional, veiculadas por meio de "International Accounting Standards" ("IAS") e International Financial Reporting Standards ("IFRS").

A partir de 2005, momento em que a União Europeia definiu que as empresas dos seus mercados de capitais passariam a adotar, obrigatoriamente, as normas internacionais de contabilidade, surgiu a preocupação do IASB em disciplinar o processo de transição das normas contábeis locais de cada país para os padrões IFRS. [1] No Brasil, a Instrução CVM n. 457, de 13.7.2007, estabeleceu a obrigatoriedade, a partir de 2010, de as companhias abertas elaborarem suas demonstrações contábeis de acordo com os pronunciamentos do IASB.

Em âmbito nacional, o processo de adoção das normas internacionais de contabilidade iniciou-se com a edição das Leis n. 11638, de 28.12.2007, e Lei n. 11941, de 27.5.2009, que introduziram mudanças relevantes nas regras contábeis previstas na Lei n. 6404, de 15.12.1976 (Lei das Sociedades Anônimas - "LSA").

O processo de "internalização" das normas emitidas pelo IASB, no Brasil, é realizado pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis ("CPC"), o qual divulga os princípios, padrões e normas contábeis, que, por sua vez, são aprovados pelo Conselho Federal de Contabilidade ("CFC") e pela Comissão de Valores Mobiliários ("CVM"), sendo obrigatória a sua observância pelas companhias abertas. [2]

Especialmente em relação à adoção inicial das novas normas contábeis, o CPC editou o Pronunciamento Técnico CPC n. 37 ("Adoção Inicial das Normas Internacionais de Contabilidade"), que representa a internalização da norma IFRS 1 emitida pelo IASB, com algumas adaptações à realidade contábil brasileira. Tal pronunciamento previu regras de transição para a elaboração de demonstrações financeiras consolidadas em linha com os padrões internacionais de contabilidade.

Posteriormente, foram emitidos o Pronunciamento Técnico CPC n. 47 ("Adoção Inicial dos Pronunciamentos Técnicos CPC 15 a 41") e a Interpretação Técnica ICPC n. 10 ("Interpretação sobre a Aplicação Inicial ao Ativo Imobilizado e à Propriedade para Investimento dos Pronunciamentos Técnicos CPC 27, 28, 37, e 43") para a elaboração das demonstrações financeiras individuais com a utilização dos padrões internacionais de contabilidade.

Resumidamente, no que tange a ativos imobilizados, o Pronunciamento Técnico n. 27 ("Ativo Imobilizado") introduziu alterações sensíveis na contabilização desses ativos, em especial no que tange à depreciação, dando ênfase à representação do padrão de consumo dos benefícios econômicos futuros do ativo para recuperação de seu valor, e não meramente ao seu desgaste físico e vida útil. [3] Nos casos em que a pessoa jurídica adotava, também para fins contábeis, as taxas de depreciação determinadas com base na vida útil do bem pela Secretaria da Receita Federal (à época, a Instrução Normativa n. 162, de 31.12.1998), poderia haver diferença significativa entre o valor contábil conforme novos padrões de contabilidade e o valor conforme padrões vigentes em 31.12.2007.

Além da depreciação, outros fatores podem ter influenciado o valor contábil dos ativos imobilizados desde a sua aquisição, o que poderia provocar distorções no balanço patrimonial e resultado das sociedades. Em outras palavras, os valores de tais ativos, registrados na contabilidade, poderiam ser substancialmente inferiores ou superiores ao seu valor justo, impactando a qualidade das demonstrações financeiras.

No contexto da adoção inicial das novas normas contábeis, em razão da dificuldade ou impossibilidade prática de se reprocessar o registro desses ativos desde a data de sua aquisição, permitiu-se, excepcionalmente na transição, a utilização do conceito de deemed cost ou custo atribuído. Tal conceito permite que a sociedade atribua como custo de seus ativos imobilizados seu respectivo valor justo. [4]

Assim, prevê a ICPC n. 10 a possibilidade de que seja realizado ajuste nas contas de ativo imobilizado, tendo como contrapartida lançamento em conta do patrimônio líquido denominada "Ajuste de Avaliação Patrimonial", prevista no art. 182, parágrafo 3º da LSA, conforme redação dada pela Lei n. 11941/09:

"Art. 182. A conta do capital social discriminará o montante subscrito e, por dedução, a parcela ainda não realizada.

(...)

§ 3o Serão classificadas como ajustes de avaliação patrimonial, enquanto não computadas no resultado do exercício em obediência ao regime de competência, as contrapartidas de aumentos ou diminuições de valor atribuídos a elementos do ativo e do passivo, em decorrência da sua avaliação a valor justo, nos casos previstos nesta Lei ou, em normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, com base na competência conferida pelo § 3o do art. 177 desta Lei." (g.n.)

Assim, não obstante a proibição da reavaliação espontânea de bens do ativo imobilizado introduzida pela Lei n. 11.638/07, permitiu-se que, na transição aos novos métodos contábeis, fosse realizada, uma única vez, a avaliação a valor justo dos ativos imobilizados.

Regime tributário da Lei n. 12973 - extinção do RTT

As novas normas contábeis impactaram, significativamente, o reconhecimento de receitas, custos e despesas, bem como a contabilização de ativos, passivos e patrimônio líquido das empresas.

Em um primeiro momento, a lei tributária não acompanhou as mudanças na seara contábil. Para conferir neutralidade tributária às alterações nos critérios contábeis de reconhecimento de receitas, custos e despesas em razão das novas práticas contábeis, a Lei n. 11941/09 instituiu o Regime Tributário de Transição ("RTT").

Sucintamente, conforme as regras do RTT, o reconhecimento de receitas, custos e despesas, para fins fiscais, deviam seguir os métodos e critérios contábeis em 31.12.2007. Nesse contexto, eventuais diferenças decorrentes da aplicação dos padrões contábeis IFRS deviam ser controladas em livro auxiliar, denominado Controle Fiscal Contábil de Transição ("FCont"). Nesse livro, eram informados (i) o lucro líquido conforme regras contábeis IFRS, e (ii) o lucro líquido conforme BRGAAP. Havendo diferenças positivas ou negativas, estas eram adicionadas ou excluídas na apuração do lucro real, diretamente no Livro de Apuração do Lucro Real ("LALUR").

Em 11.11.2013, foi editada a Medida Provisória n. 627, posteriormente convertida na Lei n. 12973/14. Esta lei extinguiu o RTT e inaugurou um novo regime tributário, com disposições específicas para regular os efeitos tributários decorrentes das novas práticas contábeis inseridas pela Lei n. 11638/07 e n. 11941/09. O novo regime tributário da Lei n. 12973, facultativo para o ano-calendário de 2014, passou a vigorar, em caráter obrigatório, a partir de 1.1.2015.

Na adoção inicial do regime da Lei n. 12973/14, estabelecem os arts. 66 e 67 dessa lei que devem ser apuradas todas as diferenças entre o valor contábil de ativos e passivos mensurados de acordo com (i) as regras contábeis IFRS e (ii) as regras contábeis vigentes até 31.12.2007. Havendo diferença positiva entre tais valores, esta deve ser adicionada ao lucro real e à base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido ("CSL"), salvo se o valor for evidenciado em subconta vinculada ao ativo ou passivo, o qual deve ser tributado "(...) à medida de sua realização, inclusive mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa").

Percebe-se, portanto, que a Lei n. 12973/14 conferiu neutralidade ampla a toda diferença verificada no valor de ativos e passivos, independentemente de sua natureza (e.g. decorrente de avaliação a valor justo), registrada antes de sua vigência, desde que evidenciada em subconta ("subconta de adoção inicial").

Ao tratar das implicações tributárias decorrentes da adoção dos novos critérios contábeis já na vigência da Lei n. 12973/14, foram previstas regras específicas a depender da natureza do procedimento contábil.

No caso de avaliação a valor justo de ativos, o art. 13 da Lei n. 12973/14 estabeleceu, de forma similar às "diferenças de adoção inicial", que o ganho decorrente de avaliação a valor justo de ativo pode ter sua tributação diferida, desde que haja evidenciação contábil do aumento do ativo em subconta. Tais valores devem ser tributados "(...) à medida que o ativo for realizado, inclusive mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa".

Dessa forma, a Lei n. 12973/14, reconhecendo a inexistência de disponibilidade jurídica ou econômica da renda no momento em que é realizada a avaliação a valor justo, prevê a tributação de eventual ganho somente quando da efetiva realização do ativo. O fato de o diferimento da tributação do ganho estar sujeito ao cumprimento de obrigação acessória (i.e. evidenciação em subconta) é a de críticas. [5]

Ainda sobre o tratamento tributário de avaliação a valor justo de ativos, o art. 26, parágrafo único, da Lei n. 12973/14 determina que os ganhos e perdas evidenciados em subcontas vinculadas a ativos, transferidos em decorrência de incorporação, fusão ou cisão, terão, na sucessora, o mesmo tratamento tributário que teriam na sucedida.

Assim, caso a sociedade objeto de evento de sucessão tenha efetuado o controle do valor justo de ativos por meio das "subcontas de AVJ", tendo, portanto, diferido a tributação sobre o ganho, a sucessora poderá diferir a tributação sobre o ganho, desde que mantidas as subcontas, até a efetiva realização do ativo.

Resumidas as principais normas contábeis e tributárias enfrentadas pela COSIT, passamos à análise do caso concreto da Solução de Consulta COSIT n. 659/17.

Comentários a respeito da Solução de Consulta COSIT n. 659/17

Nos termos do relatório da referida solução de consulta, o consulente esclarece que, quando da adoção inicial das normas internacionais de contabilidade, classificou como "Ajustes de Avaliação Patrimonial" as contrapartidas de aumentos e diminuições de valor atribuído a elementos do ativo e passivo em decorrência de sua avaliação a valor justo, tendo em vista o exercício da opção pela utilização do custo atribuído. Segundo o contribuinte, tais valores eram tributados à medida da respectiva depreciação, amortização ou baixa do respectivo ativo.

Diante desse cenário, indaga o contribuinte se o evento de cisão parcial, no qual implicará a transferência de ativos que foram sujeitos à avaliação a valor justo, enseja ou não a tributação do ganho de AVJ e de diferenças de depreciação acumulada, partindo da premissa que a empresa sucessora também controlará em subconta específica tais valores.

Nos termos da resposta à referida consulta, a COSIT sustentou que a cisão parcial pode ou não ensejar a tributação dos valores decorrentes da aplicação do custo atribuído, a depender de quando tiver sido efetuada a valoração a valor justo do ativo.

Segundo a COSIT, caso o deemed cost tenha sido feito antes da adoção inicial da Lei n. 12973/14, as diferenças positivas nos valores do ativo representam "diferenças de adoção inicial" da Lei n. 12973/14, seguindo o tratamento previsto em seus arts. 66 e 67. Havendo evidenciação em "subconta de adoção inicial", o eventual ganho tem sua tributação diferida até a realização do ativo, sendo compreendido no conceito de realização a depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa.

Em se tratando de "diferença de adoção inicial", independentemente de tal diferença ter sua origem em uma avaliação a valor justo, sustenta a COSIT que as regras referentes a "ganhos de AVJ" não seriam aplicáveis. Não sendo aplicável o art. 26, parágrafo único, da Lei n. 12973/14, que prevê a manutenção do diferimento da tributação do AVJ no caso de transferência do ativo via evento de sucessão (i.e. fusão, cisão e incorporação), a transferência via cisão parcial representaria "baixa" do ativo com saldo de "diferença de adoção inicial", devendo ser, nesse momento, tributado este saldo pela empresa cindida.

Dessa forma, entende a COSIT que a cisão parcial representa verdadeira "baixa" do ativo pela sociedade cindida. Não havendo norma prevendo o diferimento do saldo decorrente de "diferença de adoção inicial", tributam-se os valores anteriormente controlados nas "subcontas de adoção inicial", independentemente de sua natureza. Veja-se trecho da decisão da COSIT:

"19 Então, eis que ocorre a cisão. Quanto à diferença na adoção inicial causada pelo deemed cost, o saldo constante na subconta deve ser tributado no momento da cisão. Isso porque ocorreu a baixa do ativo, e baixa de ativo é uma das hipóteses de tributação previstas no art. 66 da Lei nº 12.973, de 2014 (regulamentado pelo art. 294 da Instrução Normativa RFB nº 1.700, de 14 de março de 2017). Como já explicado, não há como aplicar o parágrafo único do art. 26 da Lei nº 12.973, de 2014, que permite a transferência da subconta de AVJ da sucedida para a sucessora e, consequentemente, o diferimento da tributação, pois a subconta originariamente não é de AVJ, senão, é de adoção inicial."

Já no caso de deemed cost feito após a adoção inicial do regime da Lei n. 12973/14, sustenta a COSIT a aplicação do art. 26, parágrafo único, da Lei n. 12973/14, sendo possível diferir a tributação dos valores decorrentes de AVJ caso a empresa sucessora mantenha evidenciação de tais valores em "subcontas de AVJ". Nesse caso, no entendimento do órgão, o custo atribuído aos ativos realizado sob a égide da Lei n. 12973/14 teria verdadeira natureza de ajuste a valor justo, sendo aplicáveis as normas tributárias específicas que permitem o diferimento.

Analisando a posição da COSIT, pode-se concluir que: (i) a COSIT considera a cisão parcial um evento de "baixa" do ativo que compõe o acervo cindido; (ii) todas as diferenças decorrentes de métodos e critérios contábeis antes do regime da Lei n. 12973/14 são "agrupadas" no conceito de "diferenças de adoção inicial", independentemente da natureza da norma contábil que lhe deu origem; (iii) por haver norma específica permitindo o diferimento de valores controlados em "subconta de AVJ" no caso de evento de sucessão, o evento de cisão não é considerado realização do ativo.

Descrita a posição adotada para a COSIT, entendemos que cabem certos comentários às conclusões alcançadas pelo órgão.

Em primeiro lugar, cumpre-se analisar o efeito prático do entendimento sustentado pela COSIT no que diz respeito à realização de valores decorrentes da utilização de deemed cost.

Como visto, a possibilidade de aplicação do conceito de custo atribuído foi conferida às pessoas jurídicas, exclusivamente, quando da adoção inicial dos novos padrões contábeis, nos termos dos Pronunciamentos Técnicos CPC n. 27, 28, 37, 43 e ICPC n. 10.

Dessa forma, considerando que tal adoção ocorreu, de maneira geral, a partir de 2010, via de regra o deemed cost foi efetuado antes da entrada em vigor da Lei n. 12.973/14. Assim, adotando-se o posicionamento da COSIT, os valores registrados em Ajuste de Avaliação Patrimonial na atribuição de custo a ativos imobilizados estariam, necessariamente, sujeitos à tributação no caso de evento de cisão.

Em segundo lugar, a premissa da conclusão da COSIT, de que a cisão parcial representa realização do ativo imobilizado mediante "baixa", é passível de críticas.

Nos termos do art. 229 da LSA, a cisão parcial constitui ato de sucessão universal de direitos e obrigações integrantes do acervo cindido. No caso de cisão parcial seguida de incorporação do acervo cindido por outra pessoa jurídica, o art. 229, parágrafo 3º da LSA determina que são aplicáveis as disposições referentes à incorporação, outro ato típico de sucessão.

Nos atos de sucessão universal, não há que se falar em alienação, cessão de direitos ou obrigações, e sim de "integral substituição de sujeitos nos mesmos direitos e nas mesmas obrigações, direitos e obrigações estes que se mantêm inalterados" [6]

As próprias autoridades fiscais, tradicionalmente, reconhecem a natureza de sucessão universal nos atos de cisão e incorporação, afastando, especificamente, a qualificação do ato como "baixa" de ativos. Nesse sentido, há manifestação do fisco sustentando que tais atos não representam "baixa" de ativos, e sim a "(...) transposição de patrimônio de uma pessoa jurídica para outra pessoa jurídica, que sucede a primeira nos direitos e obrigações. [7]

Ainda nessa linha, há manifestação das autoridades fiscais no sentido de que os saldos de tributos diferidos ou controlados em livros fiscais, tal como o LALUR, devem ser transferidos à pessoa jurídica sucessora em caso de cisão e incorporação. [8].

Em especial no caso de evento de incorporação, fusão ou cisão envolvendo a transferência de ativos que haviam sido avaliados a valor justo, pode-se sustentar que não há verdadeira mudança na posição patrimonial sob a ótica das empresas envolvidas, havendo verdadeira continuidade patrimonial da empresa incorporada, fusionada ou cindida, pela empresa incorporadora ou resultante da fusão ou cisão. [9]

Nesse sentido, o art. 26, parágrafo único, da Lei n. 12973/14, ao permitir o diferimento da tributação dos valores decorrentes de AVJ nos eventos de sucessão universal cumpriu o papel, apenas, de explicitar que não há realização do ativo em decorrência desses eventos. A rigor, a inclusão de tal dispositivo não seria essencial para a não tributação dos valores diferidos a título de ganho de AVJ, tendo em vista a ausência de realização do ativo.

Por fim, mostra-se descabida a diferenciação feita pela COSIT, no sentido de (i) tributar as "diferenças de adoção inicial", considerando a cisão um evento de realização, e (ii) não tributar os "ganhos de AVJ" na mesma operação de cisão.

Tanto as "diferenças de adoção inicial", que inclusive podem ser resultantes de avaliação a valor justo de ativos, quanto os "ganhos de AVJ" representam mera renda potencial, não possuindo a natureza jurídica de renda definitivamente adquirida. [10]

Assim, o simples fato de a Lei n. 12973/14 não ter mencionado, expressamente, a possibilidade de diferimento da tributação das "diferenças de adoção inicial" nos eventos de fusão, cisão ou incorporação, tal como fez em relação ao "ganho de AVJ", não permite que se tributem valores não representativos de renda disponível ao contribuinte, em desrespeito ao art. 43 do Código Tributário Nacional. [11]

No entanto, em temas envolvendo a tributação de meros reflexos contábeis em decorrência das normas internacionais de contabilidade, a COSIT parece estar se posicionando em sentido oposto, exigindo-se a existência de disposição legal expressa para afastar a tributação de determinado reflexo meramente contábil.

Ressalte-se que as decisões proferidas pela COSIT em processos de consulta após 17.9.2013 possuem efeito vinculante no âmbito da RFB, aproveitando todos os contribuintes na mesma situação fática, nos termos dos arts. e 32 da Instrução Normativa RFB n. 1396, de 16.9.2013.

[1] MARTINS, Eliseu. GELBCKE, Ernesto Rubens. DOS SANTOS, Ariovaldo. IUDÍCIBUS, Sérgio de. Manual de Contabilidade Societária. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 824.
[2] Vide art. 177, §3º, da LSA. O art. 5º da Lei nº 11.638/07, ao acrescentar o art. 10-A à Lei nº 6.385, de 07.09.1976, autorizou a CVM a celebrar convênio com entidade que tenha por objeto a divulgação de princípios, normas e padrões de contabilidade, papel exercido pelo CPC.
[3] BIFANO, Elidie Palma. Reflexões sobre alguns aspectos da Lei nº 12.973/2014. In. Tributação Atual da Renda: estudos da Lei nº 12.973/2014: da harmonização jurídico contábil à tributação de lucros do exterior. (Org. Daniele Souto Rodrigues; Natanael Martins). São Paulo: Noeses, 2015, pp. 79-108, p. 101.
[4] MARTINS, Eliseu. GELBCKE, Ernesto Rubens. DOS SANTOS, Ariovaldo. IUDÍCIBUS, Sérgio de. Manual de Contabilidade Societária. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 831.
[5] Sobre o tema, vide BIFANO, Elidie Palma. Reflexões sobre alguns aspectos da Lei nº 12.973/2014. In. Tributação Atual da Renda: estudos da Lei nº 12.973/2014: da harmonização jurídico contábil à tributação de lucros do exterior. (Org. Daniele Souto Rodrigues; Natanael Martins). São Paulo: Noeses, 2015, pp. 79-108, p. 86.
[6] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.916.
[7] Vide, nesse sentido, o Parecer Normativo do Coordenador do Sistema de Tributação ("CST") n. 6, de 31.7.1985.
[8] Nesse sentido, o item 6 da Instrução Normativa SRF n. 7, de 27.1.1981.
[9] HADDAD, Gustavo Lian. DOS SANTOS, Luiz Alberto Paixão. Reflexos Tributários dos Efeitos Contábeis Decorrentes da Avaliação a Valor Justo. In Controvérsias Jurídico-Contábeis: Aproximações e Distanciamentos (Org. Roberto Quiroga Mosquera; Alexsandro Broedel Lopes). v.5. São Paulo: Dialética, 2014, pp. 101-148, p. 138 e 139.
[10] BIANCO, João Francisco. O Conceito de Valor Justo e seus Reflexos Tributários. In Controvérsias Jurídico-Contábeis: Aproximações e Distanciamentos (Org. Roberto Quiroga Mosquera; Alexsandro Broedel Lopes). v.5. São Paulo: Dialética, 2014, pp. 160-174, p.165.
[11] Vide, nesse sentido, Ricardo Mariz de Oliveira: "E, neste segundo segmento de apreciação do tema, certamente não poderá prevalecer a conclusão absurda de que uma não-renda teria que ser mantida no lucro real tão-somente porque foi contabilizada a crédito do lucro líquido por alguma determinação dos órgãos contábeis ou por decisão individual do contador, e porque, ademais, não se encontra uma norma jurídica, na Lei nº 12.973/2014 ou em qualquer outra, que determine expressamente a sua exclusão para a apuração do lucro real." (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Lei nº 12.973/2014 - Efeitos Tributários das Modificações Contábeis: Escrituração x Realismo Jurídico). . In. Tributação Atual da Renda: estudos da Lei nº 12.973/2014: da harmonização jurídico contábil à tributação de lucros do exterior. (Org. Daniele Souto Rodrigues; Natanael Martins). São Paulo: Noeses, 2015, pp. 329- 346, p. 343.

 
Matheus Rocca dos Santos