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Créditos da contribuição ao PIS e da COFINS sobre quotas de depreciação após a Lei n. 12973/14. COSIT autoriza a adoção das mesmas taxas previstas na legislação do IRPJ. - Bruno Fajersztajn*
Paulo Coviello Filho*

Em 2.1.2018, foi divulgada a Solução de Consulta n. 672, de 27.12.2017, da Coordenação-Geral de Tributação (COSIT), por meio da qual aquele órgão foi instado a se manifestar acerca da apuração de créditos relativos a bens do ativo imobilizado, calculados com base nos encargos de depreciação, no regime não-cumulativo da contribuição ao Programa de Integração Social (contribuição ao PIS) e da Contribuição ao Financiamento da Seguridade Social (COFINS) .

Segundo relatório da Solução de Consulta, determinada pessoa jurídica, sujeita ao regime não-cumulativo das contribuições em foco, em razão das alterações previstas na Lei n. 12973, de 13.5.2014, apresentou os seguintes questionamentos:

"6.1. 'que seja confirmado o entendimento da Consulente no sentido de admitir a continuidade da neutralidade fiscal mesmo após a Lei 12.973/2014, podendo ser adotada a taxa da depreciação fiscal prevista na IN SRF 162/98 e IN SRF 457/2004, conforme consubstanciado no Parecer Normativo RFB 1/2011';

6.2. 'Caso não se admita o entendimento do item 1 acima, que se confirme o entendimento de que assiste à Consulente o direito de apropriar-se do crédito do PIS/COFINS em 4 (quatro) anos nas aquisições de veículos para a utilização na atividade de locação'."

O presente comentário abordará apenas a questão exposta no item 6.1., a qual envolve questão interessante, referente às divergências de critérios contábeis e fiscais para fins de depreciação.

A solução de consulta inicia a sua fundamentação a partir da análise da influência da adoção de novas normas contábeis na apuração dos créditos da contribuição ao PIS e da COFINS, com base nas quotas de depreciação de bens do ativo imobilizado, com fulcro no art. 3º, inciso VI, parágrafo 1º, inciso III, das Leis n. 10637, de 30.12.2002, e 10833, de 29.12.2003.

Após discorrer sobre os referidos dispositivos, a decisão destaca que o crédito instituído pelo inciso VI do caput do art. 3º das Leis n. 10637 e 10833 é calculado com base nos "encargos de depreciação (...) incorridos no mês". Adiante, afirma que na ausência de regras específicas na legislação relativa a essas contribuições acerca do cálculo dos encargos de depreciação, recorre-se à legislação do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).

Após fazer tal remissão, a COSIT passa a analisar o art. 57, da Lei n. 4506, de 30.11.1964, e reconhece que diante da autorização contida no parágrafo 3º do referido dispositivo, a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) divulgou prazos de vida útil de bens, o que fez originalmente por meio da Instrução Normativa SRF n. 162, de 31.12.1998, e posteriormente por meio do Anexo III da Instrução Normativa RFB n. 1700, de 14.3.2017.

Em seguida, a COSIT afirma que a Instrução Normativa SRF n. 457, de 17.10.2004, autorizava, "anteriormente às alterações nas normas contábeis", que os créditos relativos à contribuição ao PIS e à COFINS fossem apropriados com base nos encargos de depreciação definidos em função do prazo de vida útil informado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), por meio da IN SRF n. 162/98.

A decisão então afirma que "exigia-se desde há muito, para fins de apuração do crédito da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins instituído pelo inciso VI do art. 3º da Lei n. 10.637, de 2002, e da Lei n. 10.833, de 2003, a observação das taxas de depreciação fixadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) em seus atos normativos".

Em seguida, a decisão destaca as Leis n. 11638, de 28.12.2007, e 11941, de 27.5.2009, alteraram significativamente a Lei n. 6404, de 15.12.1976, com o intuito de promover a convergência das normas contábeis brasileiras às normas internacionais de contabilidade. Destaca, porém, que, a despeito dessas alterações, a Lei n. 11941 instituiu o Regime Tributário de Transição (RTT), por meio do qual foi assegurada a neutralidade tributária dos novos critérios contábeis.

Ainda numa análise histórica da legislação, a decisão afirma que a Medida Provisória n. 627, de 11.11.2013, a qual foi posteriormente convertida na pela Lei n. 12973, extinguiu o RTT e disciplinou os efeitos da adoção das novas normas contábeis do ponto de vista tributário.

Diante desse contexto, a Solução de Consulta analisou as alterações procedidas pela Lei n. 12973 nas Leis n. 10637 e 10833, pontuando que:

"Deveras, verifica-se que os principais institutos das novas regras contábeis que influenciam a apuração do crédito da não cumulatividade das contribuições previsto no inciso VI do art. 3º da Lei n. 10.637, de 2002, e da Lei n. 10.833, de 2003, receberam os seguintes tratamentos:

a) ajuste a valor presente do ativo: instituto regulado pelo § 17 do art. 3º da Lei n. 10.637, de 2002, e pelo § 25 do art. 3º da Lei n. 10.833, de 2003, na legislação da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, respectivamente;

b) custos de empréstimos relacionados à aquisição e custos estimados de desativação do ativo: institutos neutralizados pelo § 19 do art. 3º da Lei n. 10.637, de 2002, e pelo § 27 do art. 3º da Lei n. 10.833, de 2003, na legislação da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, respectivamente;

c) custo atribuído do ativo (deemed cost): instituto neutralizado pelo § 20 do art. 3º da Lei n. 10.637, de 2002, e pelo § 28 do art. 3º da Lei n. 10.833, de 2003, na legislação da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, respectivamente;

d) redução ao valor recuperável de ativos (impairment test): o instituto não recebeu tratamento específico na legislação da Contribuição para o PIS/Pasep ou da Cofins."

A COSIT teceu comentários sobre o instituto do impairment destacando ter ele recebido expresso tratamento pela Lei n. 12973 do ponto de vista do IRPJ e da CSL, mas não houve regulamentação para fins das contribuições em foco. Diante disso, a decisão afirmou que a inexistência de tratamento específico desse instituto "denota a intenção do legislador de permitir que a aplicação de tal instituto contábil possa produzir efeitos na legislação das contribuições, inclusive em relação à apuração do crédito estabelecido pelo inciso VI do caput do art. 3º da Lei n. 10637, de 2002, e da Lei n. 10833, de 2003".

Assim, considerando que a aplicação do impairment representa redução do montante dos encargos de depreciação do ativo, diante do silêncio da Lei n. 12973, a solução de consulta afirma que "é vedada a apuração de créditos da não cumulatividade da Cofins sobre a diferença entre o valor dos encargos de depreciação registrados contabilmente mediante aplicação do instituto contábil da redução ao valor recuperável de ativos (impairment test) e os encargos de depreciação tradicionalmente permitidos para fins fiscais (calculados com base no custo de aquisição do ativo)."

Finalmente, abordando exclusivamente a questão apresentada pela consulente, a decisão conclui que "para efeitos de apuração dos encargos de depreciação que servem de base de cálculo dos créditos estabelecidos pelo inciso VI do caput do art. 3º da Lei n. 10.833, de 2003, permanecem aplicáveis as taxas de depreciação fixadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) (Instrução Normativa SRF n. 162, de 1998, sucedida pelo Anexo III da Instrução Normativa RFB nº 1.700, de 2017), mesmo após a vigência da Lei n. 12.973, de 2014." A fundamentação para tal entendimento, segundo a decisão, é a interpretação conjunta da IN RFB n. 457/04 e do art. 124, parágrafo 1º e Anexo III, da Instrução Normativa RFB n. 1700, de 14.3.2007.

Em resumo, portanto, a decisão admite a aplicação das taxas de depreciação definidas pela RFB para fins de apropriação dos créditos relativos à contribuição ao PIS e à COFINS, e afirma que, em caso de redução do valor recuperação de ativos, a pessoa jurídica não poderá apropriar créditos relativos à diferença entre os encargos de depreciação admitidos pela RFB e os encargos de depreciação registrados contabilmente.

A manifestação do Fisco em relação ao tema é bem vinda, eis que torna mais clara a posição das autoridades sobre o tema, o qual não foi tratado com clareza na legislação. A solução de consulta representa um avanço em termos de segurança jurídica, protegendo os contribuintes que seguirem tal entendimento.

Sem prejuízo, alguns comentários sobre a posição manifestada pela COSIT devem ser feitos.

Em que pese a existência de alguma controvérsia a respeito da realmente ter havido a introdução de novos critérios contábeis de depreciação a partir de 2009, eis que as normas contábeis de certa forma já previam a vida útil econômica dos bens do ativo como forma de determinação das quotas de depreciação mesmo antes da edição do Pronunciamento Técnico CPC n. 27, o fato é que a própria Receita Federal do Brasil reconheceu, no Parecer Normativo COSIT n. 1, de 29.7.2011, que as disposições contidas no referido pronunciamento representavam novas práticas contábeis, as quais não poderiam afetar a tributação na vigência do RTT.

Assim, pacificou-se o entendimento de que as regras de depreciação previstas no CPC 27 eram neutras para fins tributários, nos termos do art. 16 da Lei n. 11941, sendo que a Instrução Normativa RFB n. 949, de 16.6.2009, que regulamentava o RTT e instituiu o Controle Fiscal Contábil de Transição (FCONT), determinava que o contribuinte deveria apurar o resultado societário com base na Lei n. 6404 e, posteriormente, realizar ajustes, de modo a reverter o efeito da utilização dos novos métodos e critérios contábeis, encontrando-se o "resultado fiscal".

Naquele contexto, durante o RTT, permanecia integralmente em vigor a IN SRF n. 457/04, a qual prevê o cálculo dos créditos com base na aplicação da taxa de depreciação fixada pela Secretaria da Receita Federal (depreciação fiscal).

Pois bem, com o advento da Lei n. 12973, e no que tange ao IRPJ, a neutralidade das novas regras de depreciação restou mantida, mesmo após a extinção do RTT. Isso porque a referida Lei alterou o parágrafo 1º do art. 57 da Lei n. 5406 determinando que a quota de depreciação dedutível "será determinada mediante a aplicação da taxa anual de depreciação sobre o custo de aquisição do ativo", bem como incluiu o parágrafo 15 no art. 57 da Lei n. 4506, estabelecendo que as diferenças entre as quotas de depreciação registradas de acordo com as regras contábeis e aquelas admitidas como dedutíveis a partir das taxas publicadas pela RFB poderão ser excluída do lucro líquido na apuração do lucro real. Por disposição expressa contida no art. 50 da Lei n. 12973, as mesmas regras são aplicáveis na determinação do lucro liquido ajustado, base de cálculo da CSL.

No entanto, a Lei n. 12973, em que pese tenha alterado diversos dispositivos relacionados aos créditos da contribuição ao PIS e da COFINS, adaptando-os às novas regras contábeis, silenciou em relação aos créditos calculados sobre as quotas de depreciação.

É interessante notar que as Leis n. 10637 e 10833, antes e depois das novas regras contábeis e da edição da Lei n. 12973, seguem determinando que o crédito das contribuições em foco será calculado com base nos "encargos de depreciação (...) incorridos no mês", nada dispondo em relação à utilização das chamadas taxas fiscais, previstas em instruções normativas, como ocorre em relação ao IRPJ.

Na opinião da COSIT, essa ausência de disposição expressa na legislação da contribuição ao PIS e da COFINS não impediria a adoção das mesmas regras previstas para fins de IRPJ e CSL.

Não há na solução de consulta em questão maior aprofundamento em relação aos fundamentados que suportam essa conclusão.

Uma possível justificativa para tal conclusão seria a adoção de uma interpretação analógica das regras de IRPJ às referidas contribuições, a qual não seria vedada nesse caso, eis que o art. 108, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional, não impediria o emprego de analogia em tal hipótese. Contudo, a analogia é recurso interpretativo cabível em casos de omissão da lei , o que não parece ser o caso, pois, a rigor, é perfeitamente possível a tomada de créditos baseada nas quotas de depreciação contábil. Ou seja, não haveria que se falar em lacuna, dada a existência de um conceito contábil de depreciação que teria sido utilizado na legislação da contribuição ao PIS e da COFINS, o qual seria diferente daquele utilizado para fins de IRPJ.

Uma segunda linha de fundamentação para a referida solução de consulta seria entender que a Lei n. 4506 teria criado um conceito tributário de depreciação, o qual seria aplicável não apenas ao IRPJ, mas a todos os tributos. Nesse contexto, as Leis n. 10637 e 10833, ao fazerem referência aos créditos calculados com base em quotas de depreciação, teria encampado esse conceito tributário, que é e sempre foi diferente do contábil. Outra possível indicação de que a legislação da contribuição ao PIS e da COFINS teria encampado o conceito de IRPJ seria justamente a IN SRF n. 457/04, que sempre admitiu o uso das taxas fiscais.

Em que pese ser esta uma linha de argumentação possível, ela também está sujeita a questionamentos, eis que, a todo rigor, não consta nenhuma disposição expressa estabelecendo um conceito fiscal de depreciação. A depreciação é fenômeno genuinamente contábil, o qual foi absorvido pela legislação tributária, e que somente por disposição legal expressa pode assumir tratamento específico. No silêncio da lei tributária, a princípio, seria aplicável o instituto tal como tratado na contabilidade. Não nos parece que a legislação tributária tenha criado um instituto diferente daquele previsto na ciência contábil. Assim, quando a lei tributária se refere a depreciação, em geral, está se referindo ao instituto contábil, devendo eventuais ajustes estarem previstos expressamente na legislação, como ocorre com o IRPJ e a CSL. Também não se pode afirmar que a interpretação sistemática, histórica e finalística de legislação conduza claramente à conclusão de que haveria um conceito tributário de depreciação, diferente do contábil. Nenhum indicativo na legislação conduz a tal conclusão.

A nosso sentir, portanto, depreciação é um termo técnico extraído das ciências contábeis e somente deveria receber tratamento tributário diferente daquele previsto na contabilidade em virtude de disposição expressa, a qual só existe para o IRPJ. Tanto é assim que a Lei n. 12973 cuidou de estabelecer expressamente a aplicação das regras previstas na Lei n. 4506 para a CSL em seu art. 50, o que não seria necessário se de fato houvesse um conceito fiscal de depreciação aplicável a todos os tributos. Daí não ser equivocado sustentar que, na ausência de disposição legal expressa para a contribuição ao PIS e para a COFINS, os créditos deveriam ser apropriados segundo as regras contábeis. Confirmaria, ainda, tal conclusão o fato de que a legislação das contribuições não contempla disposição expressa a respeito de como deveria ser instrumentalizada a apropriação de créditos baseada nas regras do IRPJ, ao contrário do que ocorre com a legislação do referido imposto, segundo a qual as diferenças devem ser controladas no LALUR. É evidente que esse entrave procedimental poderia ser superado por normas complementares infralegais, mas a ausência de previsão legal a respeito dos controles, diferentemente do que ocorre no IRPJ, é mais um indicativo de que a legislação da contribuição ao PIS e da COFINS não adotou as chamadas taxas fiscais.

Quanto à IN SRF n. 457/04, não se deve esquecer que ela foi editada em 2004, época em que a própria contabilidade adotava as taxas de depreciação editadas pela Receita Federal e que não havia divergência entre os critérios fiscal e contábil. Naquela época, era a contabilidade que, na prática, adotava em seus registros as taxas da Receita Federal. As disposições da IN SRF n. 457/04, portanto, apenas refletiam a prática contábil da época, sendo válido dizer que, com a extinção do RTT, e a existência de claras diferenças entre as regras do IRPJ e as contábeis, a Instrução Normativa de 2004 ficou fora de contexto.

Feitas essas considerações, é relevante tecer alguns comentários sobre o entendimento manifestado pela COSIT em relação às baixas contábeis a titulo de impairment. Segundo a solução de consulta, não havendo norma expressa a respeito de tais ajustes, o legislador teria admitido seus efeitos para fins fiscais, de modo que as pessoas jurídicas deveriam considerar o valor do ativo imobilizado após as baixas a título de impairment para fins de crédito da contribuição ao PIS e da COFINS.

Parece incoerente a posição da COSIT, pois adota as regras de IRPJ para fins de determinar as taxas de depreciação, mas não o faz para fins de determinar o valor do ativo sobre o qual as taxas serão aplicadas. Sabe-se que, para fins de IRPJ, a depreciação é calculada sobre o valor do custo de aquisição dos ativos, não sendo considerados os montantes objeto de baixas a título de impairment, os quais são indedutíveis até o momento da realização do respectivo bem (vide art. 32 da Lei n. 12973). Caso se admita que as regras de IRPJ são aplicáveis para fins de apropriação de créditos da contribuição ao PIS e da COFINS, deve-se aplicá-las por inteiro e não apenas em relação à taxas definidas em instruções normativas da Receita Federal.

Além disso, outro aspecto a se destacar no que se refere ao impairment diz respeito à possibilidade de apropriação de créditos sobre o valor baixado. A solução de consulta afirma expressamente que a diferença entre o valor dos encargos registrados mediante a aplicação do impairment e o valor dos encargos previstos para fins fiscais não seria passível de apropriação de créditos. Não há, contudo, manifestação expressa acerca da apropriação de créditos sobre o valor baixado, o que indica que a solução de consulta se manifestou no sentido da perda do crédito calculado sobre essa parcela do valor, o que deve ser avaliado com ressalvas.

Nesse seguir, também deve ser avaliado com cautela o raciocínio da solução de consulta no sentido de que as normas contábeis que não se encontram expressamente neutralizadas deveriam gerar efeitos tributários. Essa interpretação advém, de certa forma, de interpretação do art. 58 da Lei n. 12973, que possui a seguinte redação:

"Art. 58 - A modificação ou a adoção de métodos e critérios contábeis, por meio de atos administrativos emitidos com base em competência atribuída em lei comercial, que sejam posteriores à publicação desta Lei, não terá implicação na apuração dos tributos federais até que lei tributária regule a matéria.

Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, compete à Secretaria da Receita Federal do Brasil, no âmbito de suas atribuições, identificar os atos administrativos e dispor sobre os procedimentos para anular os efeitos desses atos sobre a apuração dos tributos federais."

O reconhecimento pelo legislador, de que a contabilidade continuará a sofrer alterações sem que haja mudança na lei, ditou a cautela refletida no art. 58. Assim, para as novas normas posteriores à edição da Lei n. 12973, há um cenário de prévia neutralização. Entretanto, a leitura do referido dispositivo acarreta a intepretação de que, se há neutralização fiscal de atos de natureza contábil que advirão no futuro, os atos de igual natureza, porém anteriores à Lei n. 12973, que eventualmente não tenham sido objeto de alguma norma específica para neutralizá-los, teriam efeitos na apuração dos tributos.

Contudo, tal conclusão nem sempre é correta, pois a Lei n. 12973 não exclui a aplicação de outras normas tributárias em vigor e que por ela não foram revogadas. Assim, determinado valor contabilizado como receita e não neutralizado pela Lei n. 12973 poderá ser considerado não tributável com base em outras normas do ordenamento, como aquelas que estabelecem isenções (art. 14 da Medida Proivsória n. 2158, de 24.8.2001, por exemplo), ou ainda caso tais registros contábeis não se enquadram no conceito constitucional de receita, como é o caso das recuperações de custos ou indenizações. Ou seja, a Lei n. 12973 não esgota a legislação tributária, devendo ser analisado todo o ordenamento jurídico, a fim de se identificar se uma receita registrada contabilmente deve ser tributada ou não. Esse tipo de cuidado é indispensável na interpretação e aplicação do direito tributário, conforme bem destacou Ricardo Mariz de Oliveira.

Sem prejuízo das considerações acima, deve-se ressaltar que a Solução de Consulta tem grande relevância do ponto de vista da segurança dos contribuintes, que se encontravam em um cenário de incerteza anteriormente a essa manifestação. Isso porque, nos termos do art. 9º da Instrução Normativa RFB n. 1396, de 16.9.2013, "A Solução de Consulta Cosit e a Solução de Divergência, a partir da data de sua publicação, têm efeito vinculante no âmbito da RFB, respaldam o sujeito passivo que as aplicar, independentemente de ser o consulente, desde que se enquadre na hipótese por elas abrangida, sem prejuízo de que a autoridade fiscal, em procedimento de fiscalização, verifique seu efetivo enquadramento."

Nesse contexto, a referida decisão tem efeito vinculante no âmbito da Receita Federal do Brasil, de modo que deverá ser aplicada pelos órgãos de fiscalização. Outrossim, a adoção desse procedimento também resguarda os contribuintes contra eventual incidência de penalidades e juros de mora, em caso de autuações, nos termos do parágrafo único do art. 100 do Código Tributário Nacional.

1 A Solução de Consulta também trata da possibilidade de apropriação de crédito em 1/48 avos, na forma do parágrafo 14 do art. 3º c/c inciso II do art. 15 da Lei n. 10833, sobre veículos, tema que não será objeto de comentários no presente momento. A despeito disso, não podemos concordar com o entendimento manifestado pela Solução de Consulta.

2 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2001. p. 169.

3 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Lei n. 12.973/2014 Efeitos Tributários das Modificações Contábeis (Escrituração X Realismo Jurídico). RODRIGUES, Daniele Souto; MARTINS, Natanael (Coord.). Tributação Atual da Renda: Estudo da Lei n. 12.973/2014: da harmonização jurídico contábil à tributação de lucros do exterior. 1 Ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 329-346.

 
Bruno Fajersztajn*
Paulo Coviello Filho*