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Consonância entre a jurisprudência assentada pelo STJ e pela CVM em matéria de insider trading
Mauro Vitória do Nascimento Neto Marchiori*

Artigo - Federal - 2017/3607

I. INTRODUÇÃO E CONCEITOS

O presente artigo tem como objeto a análise da jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (\"STJ\") e pela Comissão de Valores Mobiliários (\"CVM\") em matéria do uso de informações privilegiadas, mais conhecido como insider trading. Especificamente, verificar-se-á, a partir da análise dos critérios adotados em decisões recentes proferidas pelo STJ e pelo Colegiado da CVM, se é possível indicar a existência de consonância entre os critérios adotados por esses órgãos.

A partir de 1997, com entrada em vigor da Lei n. 9457/97, a CVM passou a dispor, no âmbito de suas competências, da possibilidade de uma atuação punitiva mais eficaz, tendo em vista a inclusão de instrumentos punitivos mais severos à disposição de seus agentes fiscais, quando comparado com a lei anterior, Lei n. 6.385/1976. Além disso, com o advento da Lei n. 10411/02 (conversão da MP n. 8), a CVM foi elevada para condição de autarquia em regime especial e passou ter status de agência reguladora.

O STJ é a corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal, conforme competência jurisdicional atribuída diretamente pela CF/88, em seu artigo 105. É sua atribuição a solução final de caso civis e criminais que não decorram de matéria estritamente constitucional.

O insider trading é a utilização de informações relevantes sobre valores mobiliários para transacionar no mercado a preços que ainda não refletem o impacto dessas informações. As normas que combatem essa prática são voltadas para o sujeito que por conta de sua atividade profissional possuem em primeira mão informações relevantes que podem alterar a determinação dos preços transacionados dos valores mobiliários.

As razões que fundamentam a condenação dessa prática estão relacionadas ao conceito de eficiência na determinação da cotação dos valores mobiliários negociados no mercado de capitais. Nelson Eizirik aponta que se caracteriza como eficiente o mercado em que os preços das ações refletem todas as informações sobre as emissoras e os títulos negociados [1]. Nesse sentido, mais eficiente é o mercado quanto mais rápida forem as respostas dos indivíduos à divulgação de informações relevantes. Com efeito, a divulgação de informações relevantes também deve ser feita de modo geral, sem que os insiders as utilizem antes da disponibilização ao público.

Por outro lado, o princípio da igualdade de acesso às informações também é fundamento para a condenação dessa prática. Isso se deve ao fato de que a desigualdade do acesso às informações entre o insider e os demais participantes é eticamente condenável [2], sobretudo na perspectiva da meritocracia - tendo em vista a obtenção de lucros pelo insider em função de informações que ainda não se tornaram públicas.

As normas que instrumentalizam o combate ao uso de informações privilegiadas podem ser segregadas em dois grupos, considerando como critério o objetivo visado pelas leis: normas preventivas ou normas repressivas. O bem jurídico tutela por essas normas é a estabilidade e a eficiência do mercado, e a transparência da informação que é essencial para o desenvolvido do mercado de capitais.

No ordenamento nacional, em se tratando de normas preventivas, a Lei 6404 por meio dos artigos 155 [3], parágrafo 1º e 157 [4], parágrafo 4º, estabelecem os deveres de publicidade e sigilo aos administradores. Os conteúdos de tais deveres se complementam tendo em vista que os fatos relevantes, sendo certos e atuais, devem ser divulgados; e os fatos que sejam relevantes, mas incertos e que estejam protegidos por sigilo decorrente da lei ou de contrato, devem ser mantidos pelos administradores até que sobrevenham as condições para a sua divulgação. Vale ressaltar que o critério indicado pela Lei 6404 para identificar se determinado fato é relevante ou não - seja para divulgação ou para o sigilo - decorre da sua capacidade de influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores de comprar ou vender os valores imobiliários.

As normas repressivas, por sua vez, foram introduzidas pela Lei n. 10303/01 que incluiu o artigo 27-D [5] na redação da Lei n. 6.385/76. A redação original do referido artigo tinha como núcleo do tipo a ação \"utilizar\" e objeto \"informações relevantes ainda não divulgadas ao mercado\", com o resultado de obter vantagem indevida, delito material. Ocorreu que a Lei n. 13506/17 alterou a redação original do artigo [6] e passou a conter apenas a proteção da transparência, sendo excluída a parte que tratava das informações relevantes protegidas sob sigilo. A alteração do tipo penal com a exclusão das informações sigilosas parece ter ocorrido por conta da redundância das expressões contidas na norma anterior. Sendo que para fins de subsunção da conduta ao tipo e considerando o bem jurídico tutelado, o fato de as informações serem sigilosas não possui qualquer relevância para o resultado da conduta tipificada que é obtenção de vantagem indevida na negociação de valores mobiliários por conta de informações ainda não divulgadas.

Além disso, a redação anterior dava margem à interpretação de que não estando os fatos relevantes protegidos por cláusula de sigilo que vinculasse aquele que utilizasse as informações privilegiadas, haveria então a possibilidade de arguição de excludente de ilicitude, por exercício regular de direito. Nesse contexto, o legislador reduziu o conteúdo do tipo para determinar que para fins do resultado da conduta tipificada é irrelevante as informações estarem sob sigilo ou não.

Com efeito, com base na nova redação, verifica-se que a conduta tipificada depende exclusivamente da informação não ter sido divulgada ao mercado e ter havido o seu uso para obter vantagem indevida. Ademais, houve a harmonização das condutas típicas previstas na esfera do direito administrativo sancionador e na esfera do direito penal, pois o artigo 13 da Instrução CVM n. 358 já previa como infração o uso de informações para obter vantagens, independentemente de haver dever de sigilo por força de lei ou contrato por quem cometesse a infração.

Com relação aos destinatários das normas de insider trading, a redação original da Lei 6404 estabelecia, como destinatários das normas dos deveres de transparência e sigilo, os administradores da companhia aberta, conforme artigo 157. Posteriormente, a Lei 10303/01 inclui o parágrafo 4º do artigo 155 na redação da Lei 6404 que estabeleceu como destinatários das normas de insider trading todos que por qualquer título tenham acesso às informações de fato relevante. Nesse sentido, a Instrução CVM n. 358/2002 ao regulamentar a questão estabeleceu novo rol exemplificativo, indicando quais sujeitos são passíveis de imputação da conduta tipificada: a própria companhia, os seus acionista controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros de conselho de administração, do conselho fiscal, ou de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criadas por disposição estatutária e qualquer um que por conta do cargo, função ou posição tenha conhecimento de informação de fato relevante.

Excepcionalmente, agência reguladora selecionou duas hipóteses em que, mesmo havendo conhecimento de informação relevante não divulgada ao público, os administradores e demais insiders primários [7] estão liberados para comprar e vender ações sem que incorram na respectiva sanção, sendo elas: (i) o exercício de opção de compra de ações em tesouraria e (ii) existência de planos individuais de investimentos estabelecidos com as companhias. Com se verifica, ambas as hipóteses têm em comum o fato de decorrerem de prévio acordo contratual, ou seja, em que as condições de compra ou venda já estavam pré-determinadas - antes da existência do fato relevante - entre a companhia emissora das ações e os insiders primários. A previsão de liberação das condutas está contida nos parágrafos 6º e 7º do artigo 13 da Instrução CVM n. 358/2002. Para tais hipóteses, o elemento intencional do tipo é desconsiderado para a realização das operações.

O conceito de fato relevante é qualquer informação decorrente da atividade da companhia, ainda não divulgada, que implique em, de modo ponderável, na cotação dos valores mobiliários, podendo causar alta ou queda, conforme literalidade do artigo 155, parágrafo 1º da Lei 6404. Nesse sentido, com o objetivo de dar materialidade ao conceito contido na expressão fato relevante, o artigo 2º da Instrução CVM n. 358/2002, parágrafo único, dispõe de rol exemplificativo de fatos relevantes que podem influenciar de modo ponderável na decisão de investidores de comprar ou vender, na cotação dos valores e na decisão dos investidores em exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários, dos quais pode-se citar: acordo de transferência de controle acionário, mudança no controle da companhia, incorporação, fusão e cisão, mudança de critérios contábeis, renegociação de dívidas e etc.

Conforme destaca Eizirik, o critério fundamental para configurar um fato relevante consiste em saber se ele é capaz de influenciar a cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia, a intenção dos investidores de comprá-los ou vende-los ou de exercerem quaisquer direitos [8]. Conclui o doutrinador que fatos não relacionados no rol da Instrução CVM n. 358/2002 devem ser divulgados caso tenham influência na determinação do valor da companhia. Com efeito, destaca que não são quaisquer informações que podem ser classificadas como privilegiadas, sendo certo que para serem consideradas dessa maneira devem apresentar um mínimo de materialidade ou objetividade [9]; não devem obviamente estarem disponíveis para o público; e devem ser capazes de influenciar no preço do valores mobiliários. Conclui o autor que nem sempre é fácil a conclusão sobre a \"relevância\" ou não da informação e indica que não há fórmula genérica segura para se determinar o momento em que as informações se tornam relevantes.

Considerando essas informações, passa-se então à análise das decisões do Colegiado da CVM e do STJ para fins de se indicar ao final se existe um critério comum entre os dois órgãos julgadores para a definição do conceito contido na descrição do tipo e para valoração dos elementos presentes em casos de insider trading.

II. DECISÕES DO COLEGIADO DA CVM

No âmbito administrativo sancionador, a CVM tem como regra, para o julgamento dos casos decorrentes de insider trading, a utilização de critério de presunção relativa (iuris tantum). Nesse sentido, as defesas das acusações e os respectivos julgamentos possuem ampla variação argumentativa, sendo difícil identificar um critério que os uniformize - característica que decorre da casuística enfrentada pelo Colegiado da agência.

No entanto, apesar do esforço necessário para se estabelecer uma característica comum das circunstâncias fáticas para identificação da conduta tipificada, pode-se depreender dos julgados da CVM que a agência reguladora tem como critério base o preenchimento de duas condições (\"condições básicas\") que em estando presentes, corroboram para julgamento pela condenação dos envolvidos, são elas: (i) o conhecimento de uma informação privilegiada (relevante ainda não divulgada) e; (ii) negociação de valores mobiliários com fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem.

Nesse sentido, a CVM tem afastado a condenação em casos que, mesmo havendo a ausência de disponibilização de informações de fato relevante e a realização de operações com valores mobiliários antes da divulgação das informações, o resultado do tipo que é \"obter vantagem\" não esteja configurado, ou seja, sendo essencial para a condenação, conforme exemplos: (i) decisão do Processo Administrativo Sancionador (PAS) n. RJ 2010/4206 em que uma instituição financeira foi absolvida, pois a compra não havia sido concluída com o intuito de obter vantagem, mas para atender a solicitação de um cliente que necessitava de liquidez; (ii) decisão do PAS n. RJ 2013/11654 em que as vendas efetuadas por determinada instituição financeiras em momento anterior à publicação de fato relevante não foram consideradas como fato do tipo, pois as vendas ocorreram no curso de estratégia de arbitragem (risk arbitrage) definida antes da existência da informação privilegiadas; (iii) decisão do PAS CVM nº 12/2013 em que o administrador foi absolvido da acusação, pois, apesar de ter negociado ações da companhia com informações privilegiadas, a realização de tais operações ocorreu sem o propósito de obter vantagem indevida, pois as negociações já estavam pré contratadas com instituição financeira (antes da ocorrência do fato relevante); (iv) decisões do PAS n. 07/91, 17/2002 e RJ 2011/3823 em que o Colegiado julgou pela não ocorrência de insider trading em situações em que o acionista controlador negociou valores mobiliários na pendência de divulgação de informação relevantes para o fim específico de levantar recursos financeiros emergenciais em favor de companhia; e (v) decisão do PAS n. 02/2010, o Colegiado julgou pela não ocorrência de insider trading para controlador que negociou valores mobiliários na pendência de publicação de fato relevante, sem haver o intuito de evitar prejuízos, pois o volume de compras verificados no período foi superior ao volume de vendas.

Ademais, o Colegiado da CVM também tem julgado casos de insider trading que são decorrentes de práticas corriqueiras de mercado, como as situações em que os administradores acabam divulgando informações de fatos relevantes ainda não divulgadas ao público a terceiros. É o caso do julgamento recente do PAS n. 2015/1591 em que se julgou pela absolvição de administrador que em reunião com profissionais de mercado (analistas, gestores e investidores) divulgou informações vinculadas a fatos relevantes antes da sua divulgação à sociedade e em que foi detectada a negociação em volume atípico em dias próximos anteriores à divulgação dos fatos relevantes.

Nesse julgado, ficou assentado o entendimento que essas reuniões privadas trazem riscos relevantes e que precisam ser monitorados. Também foi consignado que a informação é o principal bem jurídico tutelado pela regulação do mercado de valores mobiliários. O relator destacou em seu voto a importância do princípio do full and fair disclosure (princípio que autoriza esse tipo de reunião), indicando que esse princípio não proíbe a companhia de participar de conversas reservadas. No entanto, deve-se respeitar um limite de modo que a administrador da companhia aberta não coloque o interlocutor em uma posição de assimetria relevante. Isso, pois, as leis de regulação estabelecem uma expectativa de conduta em que as informações relevantes sejam disseminadas de forma equânime e tempestiva.

Com relação à tempestividade da divulgação de fatos relevantes, o Colegiado da CVM tem julgado pela intempestividade da divulgação a partir de acusações decorrentes da verificação de oscilações atípicas, conceito aberto que vem sendo construído a partir da análise de caso a caso. Para essa condição, o colegiado tem assentado (cf. PAS n. 2015/1591 e 2014/6225) a obrigatoriedade dos Diretores de Relação com Investidores de se utilizarem de parâmetros que permitam indicar o comportamento típico do mercado e as situações em que exista atipicidade.

No tocante à produção de provas, a jurisprudência do Colegiado da CVM é pacífica no sentido de que os casos de acusação de insider trading podem ser decididos com base em provas indiciárias, condicionando que a acusação seja consubstanciada por uma pluralidade de indícios sólidos e convergentes e que não sejam contraditos por contraindícios. É o que se verifica das decisões dos PAS n. RJ2013/10579, RJ2014/3225 e 25/2010.

III. DECISÕES DO STJ

Em matéria de insider trading, são raros os casos julgados pelo STJ até a publicação do presente artigo. No entanto, no último biênio, os Ministros da Terceira e Quinta Turmas se reuniram para o julgamento dos REsp n. 1569171(DJe 25/02/2016) e 1601555 (DJe: 20/02/2017). Para ambos os casos, os dispositivos legais suscitados para as decisões dos tribunais de origem e nos respectivos recursos foram os artigos 155, § 1º, e 157, § 4º, da Lei nº 6404/1976 e 27-D da Lei n. 6.385/1976.

No julgamento do REsp n. 1569171, o recurso foi admitido, pois, conforme manifestação do Ministro Relator Gurgel de Faria, \"há relevância no tema tendo em vista que a doutrina diverge quanto à identificação do bem jurídico tutelado do art. 27-D da Lei n. 6.385/76\", e que \"não há conceituação precisa do que vem a ser uma informação relevante e que seria necessária a análise da normas regulamentares da CVM para fins de interpretação do tipo\".

Os acusados da prática eram à época dos fatos Diretor Financeiro e de Relações com Investidores e membro do Conselho de Administração da empresa Sadia S.A. A acusação se fundou na prática de compra e venda de ADR's da empresa Perdigão S.A. na bolsa de valores de Nova York; e a \"informação relevante\" consistia na realização de oferta pública de aquisição de ações da Perdigão pela Sadia, pois tal fato, conforme peça acusatória, impactaria na variação de preços no mercado, influenciando de forma ponderável nas decisões dos investidores. As aquisições das ADR's por um dos acusados ocorreu em 7 de abril de 2006 e 29 de junho de 2006, após término de reunião em que se iniciaram os estudos de viabilidade da operação e em que ficou acordado com a instituição financeira contratada da realização de oferta hostil das ações da Perdigão. A informação da oferta veio a público apenas 17 de julho de 2006 com a publicação do \"Edital de Oferta Pública para Aquisição de Ações de Emissões da Perdigão S.A\".

Esse caso ficou conhecido como a primeira condenação criminal por insider trading no Brasil. Nele foi decidido que as informações de fato relevante surgiram a partir da primeira reunião entre a instituição financeira e os acusados, em que se iniciaram os estudos de viabilidade do negócio.

Com efeito, o Ministro Relator confirmou a valoração dada pelo Tribunal a quo para a referida reunião inicial, em que foram considerados, para determinação da relevância, os cargos das pessoas envolvidas e os depoimentos dos diretores das empresas que confirmaram terem tratado o assunto sob sigilo absoluto, inclusive empregando nomes fictícios para as empresas, com receio de qualquer informação viesse a se tornar pública. Com isso, restou afastada a tese de defesa de que a primeira reunião seria informal e, por isso, não deveria ser considerada como suficiente para classificar as informações advindas dela como relevantes e, portanto, privilegiadas.

Verifica-se que o acórdão assentou decisão que confirmou os fundamentamos empregados pela CVM; utilizando, inclusive, a mesma valoração das circunstâncias fáticas, conforme é possível observar no trecho do voto condutor reproduzido abaixo:

Não obstante, no mesmo dia, ou seja, em 07/04/2006, o recorrente determinou que seu corretor nos Estados Unidos adquirisse ADRs de emissão da PERDIGÃO S.A., na bolsa de Nova York, fato que se repetiu posteriormente, em 29 de junho de 2006.

Registre-se, ainda, que o recorrido foi advertido pelo Dr. Mauro Guizeline, tendo o \"referido advogado o alertado a respeito da proibição de negociar valores mobiliários diante do acesso deste à informação privilegiada de fato relevante ainda não divulgado ao mercado\" (fls.1.751/1.752).

Ainda que a informação em comento se refira a operações em negociação, ou seja, não concluídas, os estudos de viabilidade de aquisição das ações da Perdigão já se encontravam em estágio avançado, conforme \"decisão proferida pelo Rel. Marcos Barbosa Pinto no procedimento administrativo realizado na CVM (fl. 474 do referido apenso do procedimento investigatório criminal)\", destacada no acórdão hostilizado (fl.1.751).

Ora, não me parece crível que a reunião ocorrida no dia 07/04/2006, na qual estiveram presentes pessoas de alto escalão de duas empresas - BANCO ABN AMRO S.A. e SADIA S.A. - possa ser qualificada, conforme pretende o recorrente, como simples \"encontro informal\", principalmente se as testemunhas que participaram da reunião deixaram claro que o tema em pauta já indicava a possibilidade de realização da oferta hostil (compra feita diretamente aos acionistas, sem que o grupo controlador da sociedade alvo da oferta tenha manifestado interesse ou concordância em alienar o referido controle), ocasião em que tomaram conhecimento do projeto (fl. 1.750).

Diante desse contexto, concluiu o Juiz sentenciante que \"dúvida não há de que uma potencial oferta pública, por parte da SADIA S.A., de aquisição das ações da PERDIGÃO S.A., é considerada uma informação relevante, isto é, teria aptidão para influenciar de forma ponderável as decisões de investimento e, por conseguinte, a cotação dos ativos da PERDIGÃO S.A.\" (fl. 1.176).

Acrescentou, ainda, o Juiz singular que, \"no âmbito da verificação da prática de insider trading , a mera expectativa de realização de um negócio jurídico de vulto deve ser já considerada um fato relevante. Deve-se exigir uma postura rígida por parte dos dirigentes da companhia. A vedação ao insider trading traduz um dever de lealdade, especialmente dos administradores, em relação à companhia. A par tir do momento em que se tem notícia de algum ato ou fato que, ainda que sujeito a diversos condicionantes, possa vir a ser considerado relevante, deve o administrador, ou equiparado se abster de negociar os valores mobiliários que possam ter seus preços afetados\" (fl. 1.176).

Assim, forçoso reconhecer que a conduta do recorrente se subsumi à norma prevista no art. 27-D da Lei n. 6.385/1976, que foi editada justamente para assegurar a todos os investidores o direito à equidade da informação, condição inerente à garantia de confiabilidade do mercado de capitais, sem a qual ele perde a sua essência, notadamente a de atrair recursos para as grandes companhias. (REsp 1569171/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe 25/02/2016)

Neste julgamento, no voto condutor exarado pelo Ministro Relator, houve a indicação de que o crime previsto no artigo 27-D da Lei n. 6385/76 constitui norma penal em branco, fundamentando que o intérprete deve recorrer a outros atos normativos para identificar o alcance da norma incriminadora.

Para tanto, concluiu que as normas da CVM são importante fonte hermenêutica para seara criminal, reconhecendo, inclusive, que o rol do parágrafo único artigo 2º da Instrução CVM n. 358/02 é exemplificativo. Depreende-se que para o julgamento do caso houve a aplicação do diálogo das fontes pelo Ministro Relator para fins de valoração do conceito presente no tipo.

Além disso, houve a validação do sistema de prova indiciária, apesar de não ter havido, nas razões de voto, a análise fundamentada desse sistema muito usado pela Superintendência de Relação com o Mercado e Intermediários (\"SMI\") para a formulação das acusações de insider trading e, conforme destacado no item anterior, reconhecido como método legítimo pela jurisprudência do Colegiado da CVM.

Para indicar quais elementos são essenciais para configuração de informação relevante, houve reprodução de posicionamento doutrinário [10] em que a informação relevante depende: (i) de não ter se tornada pública; (ii) é capaz de influir de modo ponderável na cotação de títulos ou valores mobiliários (price sensitive); (iii) seja concreta.

Com relação ao julgamento do REsp 1601555, a questão controvertida no processo é decorrente de relação de seguro em que a seguradora negou cobertura aos segurados com base no fundamento de que as penalidades e os custos para defesa em processo administrativo sancionar decorrente de insider trading não estariam cobertos por apólice de responsabilidade civil de diretores e administradores de pessoas jurídicas (seguro de RC D&O).

No caso, os administradores da companhia teriam negociado valores mobiliários da companhia, tendo conhecimento de informação de fato relevante ainda não divulgado ao público. O fato relevante no caso seria a participação da empresa em processo licitatório promovido pela ARTESP (Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo) para concessão onerosa do corredor Ayrton Senna/Carvalho Pinto.

O referido julgado é relevante para questão da formação da jurisprudência relativa ao insider trading - notadamente para direito securitário - no sentido de que os atos praticados pelos administradores, no uso de informações privilegiadas para obter vantagem indevida no mercado de capitais, são de responsabilidade exclusiva dos gestores, pois tais atos não advêm de atos de gestão (conduta que seria passível de cobertura pela apólice de seguro em eventual sinistro), conforme se extrai da fundamentação apresentada pelo Ministro Relator Ricardo Villas Boas Cuevas:

\"(...) Entretanto, a negociação das ações da TPI, no panorama analisado, a par de configurar ato doloso do segurado, vedado pela lei civil, não adveio de ato de gestão, ou seja, da prerrogativa do cargo de administrador, mas de ato pessoal, na condição de acionista, a gerar proveitos financeiros próprios, em detrimento dos interesses da companhia.

Ora, se detinha informações privilegiadas que não poderiam, no momento, vir a público, era defeso valer-se delas para negociar ações no mercado, consoante a norma do art. 155, § 1º, da Lei nº 6.404/1976.

(...)

Logo, não há falar na cobertura para as perdas oriundas do processo administrativo movido pela CVM, seja porque seu objeto foi a apuração de irregular idades na aquisição de ações da TPI que decorreram do papel de acionista do recorrente (interesse pessoal) e não do cargo diretivo que ocupava na companhia, seja pela caracterização dos fatos como insider trading, prática excluída da garantia securitária (REsp 1601555/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/02/2017, DJe 20/02/2017) (...)\"

IV. CONCLUSÃO

A partir da análise das decisões proferida pela CVM e STJ é possível concluir que ainda não existe um critério que permita indicar haver consonância entre as decisões desses órgãos.

Seja pela escassez de casos da matéria já julgados pelo STJ ou pela especificidade do tipo que acaba sendo eventualmente cometida por um número reduzido de profissionais - notadamente por conta da ausência de uma cultura de investimento no mercado de valores mobiliários pelo cidadão brasileiro médio -, a matéria do insider trading tem muito a evoluir perante a Corte Cidadã. Com a vinda de novos casos, é esperado que os Ministros da Corte se debrucem sobre as definições dos conceitos vagos e haja a validação dos critérios adotados pela CVM para a valoração de provas e para os elementos materiais empregados para os conceitos do tipo e a sua conformidade com as leis federais.

Com relação aos julgados do Colegiado da CVM, como já se esperava, verificou-se haver o estabelecimento de critérios objetivos para o julgamento de casos de insider trading, o que confere maior segurança jurídica para os destinatários das normas, notadamente, para administradores e profissionais do mercado; pois, eles passam a contar com definições mais precisas para os conceitos abstratos previsto no tipo. Nesse sentido, também foi verificado que o Colegiado da CVM dispõe de recursos técnicos que conferem alta especialidade para os julgamentos, principalmente, pelo uso de recursos estatísticos e também - no aspecto técnico-jurídico - de Diretores com elevado domínio de conhecimento de critérios adotados mundial para julgamento de casos de insider trading.

[1] EIZIRIK, Nelson et all. Mercado de Capitais - regime jurídico. 3 ed. revista e ampliada. - Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 554.

[2] EIZIRIK, op. cit., p. 555.

[3] Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado:
§ 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários.

[4] Art. 157. O administrador de companhia aberta deve declarar, ao firmar o termo de posse, o número de ações, bônus de subscrição, opções de compra de ações e debêntures conversíveis em ações, de emissão da companhia e de sociedades controladas ou do mesmo grupo, de que seja titular.
§ 4º Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembléia-geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia.

[5] Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:

[6] Art. 27-D. Utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários:
§ 1º Incorre na mesma pena quem repassa informação sigilosa relativa a fato relevante a que tenha tido acesso em razão de cargo ou posição que ocupe em emissor de valores mobiliários ou em razão de relação comercial, profissional ou de confiança com o emissor.

[7] Com relação à definição de insiders primários e secundários, Eizirik pontua que: \"Os insiders primários ou institucionais são aqueles que detêm acesso às informações privilegiadas em razão de sua conduta de acionistas controladores, pelo fato de ocuparem cargo de administração, ou ainda no exercício de uma função, mesmo pública, de uma profissão ou de um ofício, ainda que temporário, que lhes permita o acesso direto a uma informação privilegiada. São as pessoas que recebem, diretamente, a informação privilegiada. São as pessoas que recebem, diretamente, a informação privilegiada de sua fonte e têm o conhecimento especializado suficiente para saber que tal informações é relevante. Já os \"insiders secundários\" (tippees) são aqueles que recebem a informação privilegiada, direta ou indiretamente, dos \"insiders primários\" e não estão obrigado a dever de sigilo e nem necessariamente sabem que se trata de uma informação relevante.\" cf. EIZIRIK, op. cit., p. 563.

[8] EIZIRIK, op. cit., p. 559

[9] EIZIRIK, op. cit., p. 560. O autor destaca que as cortes americanas têm utilizado do teste do \"mercado eficiente\" para determinar a materialidade ou não das informações. Destaca que o referido teste consiste na análise de valores mobiliários dotados de determinada liquidez, num mercado eficiente, a informação será considerada como relevante se as cotações dos títulos, numa análise ex post, tiverem sido afetadas pela divulgação de informação. Os testes de relevância aplicados pelos tribunais norte americanos em casos de aquisição de controle, são estabelecidos com base em critério de probabilidade/magnitude, com a consideração dos fatores: (i) probabilidade de acordo final; (ii) existência de decisões dos órgãos de administração ou pareceres de assessores externos e (iii) o impacto da operação sobre os negócios da companhia. Nesse sentido, se a probabilidade da operação ser concluída é forte, então se pode concluir da existência de informação relevante.

[10] Apud BALTAZAR JUNIOR, José Paulo, Crimes Federais, São Paulo, Editora Saraiva, 2015, 10a ed., p. 572

 
Mauro Vitória do Nascimento Neto Marchiori*