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"Incorporação reversa" - CARF desconsidera reorganização societária e mantém autuação que glosou compensações de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSL - Bruno Fajersztajn* - Paulo Coviello Filho*

Em julgamento ocorrido em 6.11.2013, mas divulgado no final de julho de 2014, a 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção, por meio do acórdão n. 1202-001060, julgou interessante operação societária, na qual uma empresa incorporou patrimônio resultante da cisão parcial feita pela sua controladora. A constatação primordial para a autuação foi o fato de que a empresa controlada, que incorporou a parcela do patrimônio cindido da sua controladora, era empresa deficitária e carregava grande montante de prejuízos dos anos anteriores, ao passo que a sociedade controladora era empresa lucrativa.

Diante dessa situação, a fiscalização considerou que a operação era simulada, com o objetivo de viabilizar o aproveitamento dos prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas da incorporadora para absorver os lucros da incorporada. Para tanto, alegou o fisco que a operação, em verdade, tratou-se de incorporação da empresa controlada (deficitária) pela controladora (lucrativa). Afirmou que a única motivação era a compensação desses prejuízos, pois não havia nenhuma razão negocial para tanto, e assim era possível "fugir" da vedação do art. 514 do RIR/99, que impede a transferência via sucessão de prejuízos para outra pessoa jurídica. A base legal para a desconsideração dos atos foi o parágrafo único do art. 116, do CTN, independentemente da sua falta de regulamentação.

Com base nisso, a fiscalização desconsiderou a compensação de prejuízos fiscais e bases negativas da CSL, efetuando o lançamento dos tributos que seriam devidos caso não tivesse havido a compensação. Esse lançamento foi acompanhado da multa qualificada prevista no parágrafo 1º, do art. 44, da Lei n. 9.430/96.

Por sua vez, o contribuinte autuado alegou em sua defesa que a operação de cisão deveu-se a uma reorganização das atividades do grupo em virtude de uma crise no ano de 2001, com o fito de segregar negócios em que atuava, decisão essa imposta pela Comissão Europeia (nome utilizado pelo acórdão). Afirmou a defesa que essa reorganização foi noticiada pelo Grupo na Europa em seu relatório de 2004. Também alegou que, após a operação, a incorporadora manteve-se atuando nas áreas em que já atuava com adição de novas atividades, tendo sido mantida a segregação entre a ela e a empresa que teve parcela do seu patrimônio cindida.

A 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção manteve a autuação e a multa qualificada, ambas decisões colhidas por voto de qualidade). A Relatora assim fundamentou seu voto:

- o deslinde do caso passa pela análise dos fatos e se configuram simulação ou não;

- que, segundo Marco Aurélio Greco, para analisar esse tipo de situação, deve-se verificar o "filme" e não a "fotografia";

- destacou que o referido doutrinador, em sua obra Planejamento Tributário, chama atenção para as seguintes operações preocupantes: estruturadas em sequência, operações invertidas e entre partes relacionadas, características verificadas no caso em questão;

- nesse sentido, destaca que deve ser analisado se existiu motivo negocial para a operação, sendo que, em caso contrário, deve-se desconsiderar seus efeitos;

- no caso, afasta a alegação de que não houve alteração do objeto social (nessa parte transcreve trechos do estatuto social) e conclui que "o ramo de atividade da empresa passou de manufatura e manutenção de equipamentos elétricos para realização de obras e projetos de infraestrutura";

- afirma também que é fato incontroverso que a recorrente mudou de controle, eis que após a cisão passou a ser controlada por outra empresa;

- nesse contexto, comprovada a mudança de controle e de atividade, conclui que a compensação realizada também encontra óbice no art. 32 do Decreto-lei nº 2.341; esse fato, no entanto, não foi o motivo principal para manutenção da autuação, mas não deixa de ser um precedente sobre o conteúdo da norma de vedação constante do referido dispositivo;

- entendeu ainda que restou comprovada a inexistência de propósito negocial na operação, que seria motivo suficiente para sua desconsideração, além de o fato analisado encontrar óbice na vedação do art. 32 do Decreto-lei nº 2.341;

- para manter a multa qualificada, cita doutrina de Ricardo Mariz de Oliveira sobre simulação, e conclui que: "no caso concreto, a sucessão dos atos, a proximidade temporal entre eles, e, especialmente, o retorno ao status quo ante revelam que nunca houve a intenção real de incorporar, de fato, a empresa superavitária", o que comprovaria o intuito doloso de cometer ato ilícito visando economia tributária.

O acórdão não esclarece os motivos pelos quais foram desconsiderados os propósitos negociais alegados pela contribuinte em sua defesa, mas o fato de a decisão ter sido colhida por voto de qualidade é um indício de que os membros da Turma debateram a questão e três deles não se convenceram dos argumentos expostos. De qualquer modo, a questão da necessidade de haver motivação extra tributária parece ter sido determinante.

Também é válido pontuar que o voto condutor da decisão faz considerações a respeito da aplicação do art. 32 do Decreto-lei nº 2.341, destacando ter havido, no caso, infração ao dispositivo, pois teria havido mudança de controle e mudança do ramo de atividade. A decisão adota entendimento de que a mudança de controle direto seria suficiente para a aplicação da regra, ainda que o indireto permaneça inalterado. E também pontua que a inclusão de novas atividades no objeto social da empresa já seria considerada mudança do ramo de atividade para os fins do art. 32. Tais considerações divergem de outro precedente sobre o tema, qual seja, o acórdão n. 1302-00.333, de 5.8.2010, mas, de qualquer modo, devem ser analisadas com cautela, eis que utilizadas apenas como argumento subsidiário.

Especialmente quanto à mudança de atividade, vale ressaltar que a análise pode ser feita por duas vertentes. A primeira, de caráter objetivo (e mais superficial), relacionada a aspectos como mudança de CNAE, que indicava a mudança de atividade, mudança de objeto social da empresa, dentre outros. A segunda, de caráter subjetivo (e mais profunda e acurada), indica que a adesão de novas atividades não é garantia de mudança de ramo de atividade, devendo ser analisado o caso específico para checar se há mudança com o intuito de compensação de prejuízos de uma atividade com lucros de outra atividade.

Ou seja, deve ser verificada a realidade fática da empresa para fins de identificar o real intuito de mudança de atividade, o qual só é comprovado efetivamente pela análise do fato, ao contrário da análise meramente objetiva, mencionada acima. Essa análise deve estar sempre permeada na lógica da vedação prevista no art. 32 do Decreto-lei nº 2.341, qual seja, evitar a compensação de prejuízos de uma empresa verificados em uma determinada atividade com lucros auferidos em outra atividade (isso, é claro, quando presente também a mudança de controle).

Nesse cenário, é de se verificar que a análise feita pelo acórdão da 2ª Câmara limitou-se ao caráter objetivo, pautando-se na mera inclusão de novas atividades no objeto social da sociedade autuada, sem verificar o caráter subjetivo, como foi feito pelo acórdão 1302-00.333, supra mencionado, que analisou inclusive as receitas havidas durante o período, o que, a seu ver, confirmava a mudança de atividade decorrente de um afastamento da atividade anteriormente executada pela empresa.

Outro aspecto que deve ser destacado no julgamento é o fato de que a multa qualificada do parágrafo 1º do art. 44 da Lei nº 9.430/96 foi mantida em decisão por voto de qualidade, após empate entre os julgadores. O julgamento por voto de qualidade, no entanto, não parece ser uma forma legítima de manutenção da multa agravada, para a qual é imprescindível a comprovação cristalina do intuito doloso do contribuinte, sendo que o empate no julgamento é evidência clara de dúvida sobre o intuito doloso, de forma que, nesse tipo de situação, é inafastável a aplicação do art. 112 do CTN, o qual prevê interpretação favorável ao acusado da lei tributária que define infrações, ou comine penalidades. Consta do acórdão que foi levantada a aplicação do art. 112 por meio de questão de ordem, mas a tese não foi acolhida pela Turma Julgadora.

A decisão reforça a ideia de que, em matéria de planejamento tributário, cada caso deve ser analisado à luz de suas peculiaridades, eis que a mesma Turma, embora com composição um pouco diferente, já adotou entendimento de que a incorporação às avessas pode ser válida e apta a produzir os respectivos efeitos fiscais (acórdão n. 1202-000884, de 3.10.2012 (01))

Nota

(01) "ÁGIO. SURGIMENTO. TRANSFERÊNCIA. AMORTIZAÇÃO. O ágio nasce quando uma empresa adquire participação relevante em outra sociedade e somente se transfere por incorporação reversa, cisão ou fusão (art. 386 do RIR/99)."

 
Bruno Fajersztajn*
Mestrando em Direito Tributário pela USP. Advogado. Colaborador do Guia IRPJ www.guiadoimpostoderenda.com.br, todo conteúdo do principal guia sobre IRPJ on-line. Baseado na obra original de Ricardo Mariz de Oliveira, esse formato garante maior agilidade nas atualizações e praticidade na pesquisa.
Paulo Coviello Filho*
Advogado. Colaborador do Guia IRPJ www.guiadoimpostoderenda.com.br, todo conteúdo do principal guia sobre IRPJ on-line. Baseado na obra original de Ricardo Mariz de Oliveira, esse formato garante maior agilidade nas atualizações e praticidade na pesquisa.