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STJ Reconhece validade de cláusula de ressarcimento de despesas com cobrança de inadimplentes
Paulo Coviello Filho*

Artigo - Federal - 2017/3602

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 12.9.2017, reconheceu a validade de cláusula estipulando que o devedor deve ressarcir a instituição financeira das despesas com a cobrança do inadimplemento. Trata-se do Recurso Especial n. 1.361.699 - MG, de Relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Segundo consta do relatório da decisão, trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais com o fito de ver reconhecida a abusividade na cobrança, por parte da instituição financeira, das ligações telefônicas dirigidas ao cliente inadimplente com a finalidade de reaver o seu crédito.

Após decisão desfavorável na 1ª instância, houve apresentação de recurso de apelação pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, sendo que o referido recurso foi parcialmente provido, para: \"a) declarar a nulidade da cláusula 12.2 do 'Contrato de Empréstimo/Financiamento de Bens' celebrado entre o (...) e seus consumidores; b) determinar ao requerido que providencie a reformulação da referida cláusula, especificando de forma clara no que consistem as despesas administrativas, sob pena de multa diária de R$200,00, limitada em 60 (sessenta) dias; c) determinar a abstenção de cobrança da referida despesa, até que seja providenciada a reformulação contratual, sob pena de multa de R$200,00, por cada cobrança efetuada; d) determinar a restituição simples dos valores cobrados a título de ressarcimento de despesas de cobrança, devendo o requerido encaminhar correspondência aos consumidores comunicando o direito ao ressarcimento.\" Confira-se a ementa da decisão:

\"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DEFESA DE INTERESSES COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO E FINANCIAMENTO - COBRANÇA DAS DESPESAS DESPENDIDAS PELO BANCO PARA REAVER SEU CRÉDITO - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO ALCANCE DA OBRIGAÇÃO - DESVANTAGEM EXAGERADA PARA O CONSUMIDOR - DECRETAÇÃO DE NULIDADE DA CLÁUSULA - REPETIÇÃO EM DOBRO - IMPOSSIBILIDADE - DANOS MORAIS COLETIVOS - NÃO CONFIGURAÇÃO. A cláusula contratual que não demonstra o alcance da obrigação pelo pagamento das despesas despendidas pelo banco para reaver seu crédito, deixando de demonstrar de forma clara quais os tipos de despesa administrativa poderão ser cobrados, impõe desvantagem exagerada ao consumidor, que fica submetido aos valores impostos pela instituição financeira, devendo ser anulada nos termos do art. 51, IV do CDC. A sanção prevista no artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, devolução em dobro da quantia, somente tem aplicação quando há dolo ou culpa por parte do credor. Não há qualquer ato ilícito na conduta do banco que cobra taxas que se encontram previstas em contrato devidamente assinado pelas partes.\"

(TJMG - Apelação Cível n. 1.0145.06.342017-1/001, Relator(a): Des.(a) Valdez Leite Machado , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/11/2010, publicação da súmula em 25/01/2011)

Irresignados, tanto a instituição financeira quanto o Ministério Público do Estado de Minas Gerais interpuseram recurso especial, o qual foi levado a julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso especial da instituição financeira, reconhecendo a prejudicialidade do recurso do Ministério Público. Veja-se a ementa da decisão ora em comento:

\"RECURSOS ESPECIAIS. PROCESSUAL CIVIL E DIREITO BANCÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. DESPESAS ADMINISTRATIVAS PARA O BANCO REAVER SEU CRÉDITO. LIGAÇÕES TELEFÔNICAS. REPASSE AO CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE NÃO CONFIGURADA.

1. Ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais com o objetivo de ver reconhecida a abusividade na cobrança, por parte da instituição financeira, das ligações telefônicas dirigidas ao cliente inadimplente com a finalidade de reaver o seu crédito.
2. O Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública a fim de debater a cobrança de encargos bancários supostamente abusivos, por se tratar de tutela de interesses individuais homogêneos de consumidores/usuários do serviço bancário (art. 81, III, da Lei nº 8.078/1990). Precedentes.
3. À luz do princípio restitutio in integrum, consagrado no art. 395 do Código Civil/2002, imputa-se ao devedor a responsabilidade por todas as despesas a que ele der causa em razão da sua mora ou inadimplemento, estando o consumidor, por conseguinte, obrigado a ressarcir os custos decorrentes da cobrança de obrigação inadimplida.

4. Havendo expressa previsão contratual, não se pode afirmar que a exigibilidade das despesas de cobrança em caso de mora ou inadimplemento, ainda que em contrato de adesão, seja indevida, cabendo à instituição financeira apurar e comprovar os danos e os respectivos valores despendidos de forma absolutamente necessária e razoável, para efeito de ressarcimento.

5. Eventual abusividade decorrente da inexistência de provas acerca dos referidos custos, bem como da falta de razoabilidade dos valores cobrados, deve ser examinada em cada caso, a título singular, não se mostrando a ação civil pública adequada a tal propósito, uma vez reconhecida a legalidade, em tese, da cláusula contratual questionada.

6. Recurso especial de Unibanco - União de Banco Brasileiros S.A.

provido. Recurso especial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais prejudicado.\"

Segundo consta da decisão, a instituição financeira efetuava a cobrança de seus clientes dos custos administrativos de cobrança, notadamente do valor das ligações telefônicas efetivadas ao consumidor, com o fito de recuperar o crédito inadimplido.

A decisão reconheceu que, além de prevista em contrato, essa cobrança também possui respaldo no art. 1º, inciso III, da Resolução n. 3518/2007, do Banco Central, vigente à época dos fatos, que dispunha:

\"Art. 1º A cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário.

III - não se caracteriza como tarifa o ressarcimento de despesas decorrentes de prestação de serviços por terceiros, podendo seu valor ser cobrado desde que devidamente explicitado no contrato de operação de crédito ou de arrendamento mercantil.\" (destaques nossos)

Além disso, a decisão consignou que a cláusula em comento também encontrava suporte no art. 395 do Código Civil¹, que consagrou o princípio do restitutio in integrum, segundo o qual se imputa ao devedor a responsabilidade por todas as despesas decorrentes da sua mora ou inadimplemento. Consequentemente, é do devedor a responsabilidade pelo ressarcimento dos custos administrativos de cobrança.

Vale ressaltar que o art. 51, inciso XII, do Código Civil, possui cláusula similar, no sentido de que \"São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor\".

É importante comentar, também, que essa decisão corrobora outras decisões anteriormente proferidas pela Corte Superior, como é o caso do Recurso Especial n. 748.242 - RJ:

\"DIREITO DO CONSUMIDOR E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CARTÃO DE CRÉDITO. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ABUSIVIDADE.

LIMITE TERRITORIAL DA SENTENÇA. PREJUDICIALIDADE PARCIAL DO RECURSO ESPECIAL.

1. Celebrado acordo parcial entre o recorrente e o recorrido, fica prejudicado o recurso especial em relação às questões objeto do ajuste.

2. Violação do art. 535 do CPC não configurada, tendo em vista que o Tribunal de origem, com fundamentos específicos, embora sucintos, enfrentou expressamente as questões pertinentes às despesas decorrentes da cobrança extrajudicial e à abrangência dos efeitos da sentença em âmbito nacional.

3. É válida, com base no art. 956 do CC/1916 (art. 395 do CC/2002), a cláusula contratual que prevê, como uma das consequências da mora do consumidor, o pagamento das despesas decorrentes da cobrança extrajudicial, suportadas pela credora. No caso concreto, é válido o percentual limitador de tal cobrança, impondo-se conferir, em cláusula contratual, igual direito ao consumidor.

4. Matéria pertinente à extensão da eficácia subjetiva da sentença coletiva julgada prejudicada. Por maioria.

5. Recurso especial parcialmente provido.\"

(REsp 748.242/RJ, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 18/12/2015)

A nosso ver, a decisão é digna de aplausos. Realmente, a previsão de ressarcimento dos custos para cobrança da dívida administrativa estabelece uma relação de equidade entre as prestações devidas entre as partes da relação contratual, de forma que a cláusula que prevê o ressarcimento, pelo inadimplente, dos custos de cobrança está de acordo com a lógica dos negócios onerosos bilaterais. Outrossim, o fato de o regulamento do Banco Central prever expressamente essa possibilidade também reforça a correção da decisão ora comentada.

¹ \"Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.\"

 
Paulo Coviello Filho