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Abusividade dos juros praticados: julgados recentes do tribunal de justiça do Rio Grande do Sul
Paulo Coviello Filho*

Artigo - Estadual - 2017/0531

Foram divulgados recentemente dois acórdãos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que analisaram a questão da abusividade dos juros compensatórios previstos em contratos de empréstimo concedidos por instituições financeiras. Trata-se das Apelações Cíveis n. 70074869918, julgada pela Décima Nona Câmara Cível do TJ-RS, em 5.10.2017, e n. 70064263619, julgada pela Vigésima Câmara Cível, em 4.10.2017.

No julgamento da Apelação Cível n. 70074869918, a Câmara Julgadora entendeu que os juros fixados à ordem de 39,29% ao ano eram abusivos, porque superiores à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central (BACEN), que era de 20,73%. Diante dessa constatação, a Câmara determinou que os juros fossem limitados à taxa média divulgada pelo BACEN.

O fato de os juros terem sido considerados abusivos, in casu, também acarretou a descaracterização da mora no pagamento das parcelas, em linha com a decisão proferida no Recurso Especial n. 1.061.530/RS, julgado sob a sistemática do recurso repetitivo, oportunidade em que restou consignado o entendimento de que \"o reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora\". Confira-se a ementa da decisão neste particular:

\"TAXA DE JUROS COMPENSATÓRIOS. Os juros compensatórios devem ser limitados pela taxa média de mercado divulgada pelo BACEN, vigente no mês da contratação, pois contratados bem acima do percentual anunciado. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. Verificada a cobrança de encargos abusivos no período da normalidade (juros remuneratórios), em consonância com a decisão proferida no Recurso Especial nº 1.061.530/RS, afetado como representativo da controvérsia, pelo rito do art. 543-C do CPC, resta descaracterizada a mora.\"

Por sua vez, no julgamento da Apelação Cível n. 70064263619, a Vigésima Câmara Cível do TJ-RS manteve os juros pactuados, pois inferiores à média divulgada pelo BACEN. A importância da comparação entre as decisões reside no fato de restar consignado que o entendimento da Câmara é no sentido de que configura abusividade quando os juros superam 20% a taxa média de mercado divulgada pelo BACEN, em sentido oposto ao que restou decidido na Apelação Cível n. 70074869918, onde restou consignado que os juros superiores à média são abusivos. Veja-se a ementa da decisão em comento:

\"APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. Segundo entendimento da Câmara, consideram-se abusivos os juros remuneratórios que excedam em mais de 20% a taxa média mensal praticada no mercado conforme tabelas divulgadas pelo BACEN para o período e relativas a operações da mesma natureza, ressalvado meu posicionamento de que a abusividade se dá quando os juros ultrapassem 50% da média de mercado. Hipótese em que a taxa prevista no contrato é inferior a praticada pelo BACEN.\"

Veja-se que a posição daquele órgão julgador é no sentido de que apenas os juros que ultrapassarem 20% da média informada pelo BACEN podem ser considerados abusivos. Vale também destacar a ressalva feita pelo Relator, Desembargador Alexandre Kreutz, sobre sua posição particular, no sentido de que a abusividade só ocorre quando os juros pactuados são superiores à média de mercado em 50%. Veja-se que esse entendimento está consolidado naquele órgão julgador, conforme se verifica de outras decisões anteriores. Cite-se, em caráter meramente exemplificativo, o acórdão da Apelação Cível n. 70072791593

\"APELAÇÕES CÍVEIS. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. JUROS REMUNERATÓRIOS, CAPITALIZAÇÃO, DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. ÕNUS SUCUMBENCIAIS. (...) III. Possível a aplicação de juros remuneratórios, por instituição financeira, em patamar superior a 12% ao ano, conforme entendimento pacificado pelo STJ. Contudo, a taxa praticada deve estar em consonância com a média de mercado divulgada pelo BACEN, admitindo-se uma variação de até 20% sobre esta, consoante entendimento desta Câmara. Na hipótese, constatada a abusividade dos juros pactuados, deve ser limitado o encargo até o limite admitido pelo Colegiado, reformando-se a sentença, no ponto. (...) Apelo dos réus parcialmente provido. Apelo do autor conhecido em parte e, nesta, parcialmente provido. Unânime.\"

Apelação Cível Nº 70072791593, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 15/03/2017)

A importância das decisões acima comentadas reside no fato de se perceber uma tendência daquela corte à revisão dos juros fixados em contratos fora do patamar de mercado. Realmente, a atuação do Poder Judiciário nesse tipo de causa é imprescindível, para que os consumidores (mutuários) consigam taxas mais justas e razoáveis, tendo em vista que invariavelmente estão em situação de desigualdade junto à instituição concedente do empréstimo ou financiamento (o art. 4º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor trata da vulnerabilidade - chamada normalmente de hipossuficiência - do consumidor). Com efeito, vale destacar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se pacificou no sentido de que \"é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada\" (REsp 1.061.530/RS)

Nesse cenário, ao utilizarem como parâmetro a taxa média divulgada pelo BACEN as decisões proporcionam maior segurança às relações, concedendo parâmetros minimamente seguros e concretos principalmente para os consumidores, que podem verificar se os seus casos concretos podem ser classificados como abuso por parte das instituições financeiras.

Entretanto, a despeito de a utilização da média divulgada pelo BACEN como parâmetro para verificação de eventual abusividade dos juros permitir maior objetividade na análise do assunto, essa objetividade é limitada, eis que cada órgão possui um critério para caracterização da abusividade.

Realmente, enquanto no julgamento da Apelação Cível n. 70074869918, a Décima Nona Câmara Cível entendeu que os juros fixados acima da média divulgada pelo BACEN são abusivos, impondo-se a sua limitação àquele patamar, a Vigésima Câmara Cível, no julgamento da Apelação Cível n. 70064263619, entendeu que a abusividade está concretizada quando os juros ultrapassam em 20% a média divulgada pelo BACEN.

Aparentemente, ambos os critérios apresentam imperfeições. Realmente, considerar que a média do BACEN é o limite para os juros pode prejudicar a concorrência entre as instituições financeiras, que ficam de certa forma limitadas em sua atuação. Além disso, esse critério não considera que há diferentes tipos de mutuários, sendo que a definição da taxa de crédito deveria, idealmente, considerar essas diferenças, relativamente ao risco decorrente da operação para a instituição financeira. Assim, é possível que uma taxa superior à média definida no BACEN seja justificável do ponto de vista negocial, em razão dos riscos envolvidos na operação.

Em outras palavras, a unificação de um limite com base na média divulgada pelo BACEN pode prejudicar a livre concorrência das instituições e, consequentemente, o próprio mercado como um todo.

Por sua vez, o critério que afirma que os juros superiores em 20% à média divulgada pelo BACEN carece de suporte legal, representando, dessa forma, subjetividade decorrendo de avaliação subjetiva do órgão julgador. Esse tipo de subjetividade deve ser aplicada com cautela, eis que não decorre de previsão legislativa ou normativa sobre o assunto.

Também merece destaque o fato de que ambas as decisões reconheceram a possibilidade de capitalização dos juros, nos termos do que entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça, na sistemática do recurso repetitivo, quando do julgamento do REsp n. 973.827/RS, oportunidade em que aquele órgão concretizou que \"a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada\".

Em conclusão, tem-se que o tema ainda será objeto de muitos debates, sendo importante destacar que a definição da abusividade deve sempre considerar as peculiaridades de cada situação fática, tais como o risco de crédito da instituição financeira, o histórico do mutuário, a situação econômica, o lucro pela atividade de intermediação, indicadores gerais de crédito e inadimplência.

Como cada contrato de empréstimo tem as suas especificidades, generalizar essa análise a partir da definição de um parâmetro fixo e estático, aplicável a todas as contratações, parece contrariar os princípios da autonomia da vontade (art. 421 do Código Civil), da boa-fé (art. 422 do Código Civil), da livre iniciativa (art. 170, \"caput\", da Constituição Federal) e da livre concorrência (inciso IV do art. 170 da Constituição Federal).

Essa proposta, ressalte-se, foi de certa forma prestigiada no emblemático julgamento do Recurso Especial n. 271.214/RS, oportunidade em que o Relator, Ministro Ari Pargendler, afirmou que \"Evidentemente, pode-se, em casos concretos, reconhecer a existência de juros abusivos. (...) Se a taxa média de mercado, numa determinada operação bancária, é de 10% ao mês, e o banco contrata uma taxa de 20%, sem que o mutuário represente uma taxa adicional de risco ou tenha outra particularidade que onere o contrato, então é abusivo\". Foi consolidada, portanto, uma análise individual para cada contrato, em detrimento de uma análise generalista.

Finalmente, não se está defendendo aqui a total liberdade das instituições financeiras para determinar os juros incidentes nos contratos, pois, como dito alhures, os consumidores normalmente estão em condições de desigualdade, o que pode facilitar a fixação de taxas abusivas. Ademais, o próprio art. 421 do Código Civil concretizou o princípio da função social do contrato, de forma que a fixação da remuneração do empréstimo deve obedecer a esse princípio. Entretanto, o que se está propondo é que a determinação de parâmetros fixos para verificar a abusividade ou não da taxa de juros estipulada contratualmente configura remédio ineficaz nesse controle casuístico, sendo mais eficaz, em nossa visão, que a análise considere sempre as condições particulares de cada caso, notadamente as condições verificadas no momento da concessão do empréstimo.

 
Paulo Coviello Filho