Decisoes.com.br - Jurisprudência Administrativa e Judiciária, Decisões de dezenas de Tribunais, STF, STJ, TRF, TIT, Conselhos de Contribuintes, etc.
Usuários
Lembrar usuário
Lembrar senha

Pesquisar em
Doutrina
Boletins
Todas as Áreas
Áreas Específicas
Tribunais e Órgãos abrangidos
Repercussão Geral (STF)
Recursos Repetitivos (STJ)
Súmulas (STF)
Súmulas (STJ)
Matérias Relevantes em Julgamento


Localizar nessa página:   
 

STJ reconhece a desnecessidade do registro no ofício de imóveis para a conferência de imóveis em aumento de capital pelos sócios - Marcio Pedrosa Junior*

Artigo - Federal - 2017/3593

Em acórdão publicado no dia 29.6.2017, os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, reconheceram a possibilidade de que bens conferidos em aumento de capital social sejam levados à penhora em execução fiscal de dívida da sociedade, ainda que a transferência dos bens não tenha sido registrada no ofício de imóveis (AgInt no AREsp n. 126.003/RS).

No caso, foi movida ação de execução fiscal para a excutição de dívida tributá-ria da sociedade empresária, com posterior requerimento da penhora de parcela da fração ideal de imóveis que haviam sido conferidos pelos sócios em aumento de capital da socieda-de executada, conforme o seu contrato social.

Em resposta, os sócios opuseram embargos de terceiro, requerendo a anula-ção da penhora, sob o argumento de que, à falta de registro no ofício de imóveis, os direitos sobre os bens não teriam sido transferidos para o patrimônio da pessoa jurídica, não podendo, assim, servir de garantia real à dívida executada.

Por outro lado, segundo o entendimento manifestado pelo Fisco, para a incor-poração dos bens ao patrimônio da sociedade, seria bastante a alteração do contrato social, não dependendo a transferência do registro do título no ofício de imóveis,

A questão devolvida ao conhecimento do STJ, pois, cingia-se à necessidade ou não do registro no cartório de imóveis para a consumação da transferência dos direitos reais do patrimônio dos sócios em favor da sociedade.

A argumentação expendida pelos embargantes filia-se à sistemática geral do Código Civil de 2002 - antes adotada pelo Código de 1916 -, que, no que respeita aos bens imóveis, adotou a técnica germânica da aquisição do domínio pelo registro.

Nessa sistemática, a transferência dos direitos reais não se dá pelo contrato, que ostenta efeitos meramente obrigacionais (art. 481, do Código Civil), dependendo a sua consumação do registro do título translativo no registro de imóveis. É rememorar, a propósito, o que dispõem os arts. 1245 e 1246, do Código Civil:

"Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§ 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decre-tação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o ad-quirente continua a ser havido como dono do imóvel.

Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo."

O registro, em relação ao domínio, não é simples meio de publicidade do ato translativo (ad probationem), suprível por outros meios de prova. Trata-se, na hipótese, de requisito essencial do negócio jurídico, que lhe dá existência, com eficácia constitutiva de direitos (ad solemnitatem).

Daí o entendimento defendido pelos embargantes, de que, à falta do compe-tente registro no ofício de imóveis, os bens conferidos em aumento de capital da sociedade executada não poderiam ser penhorados na execução fiscal, por não lhe pertencerem, mas aos sócios, que não tinham responsabilidade pessoal em relação ao crédito exigido.

Em acréscimo, segundo a argumentação relatada no acórdão do STJ, a falta de registro no cartório de imóveis teria decorrido de um recuo dos sócios no seu propósito inicial de transferir à sociedade imóveis de sua propriedade. Esse recuo só ocorreu, todavia, depois de já assinada e tornada pública a alteração contratual para aumento de capital.

Os embargos opostos pelos sócios foram desprovidos em primeira instância, conforme decisão que foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que acolheu o entendimento defendido pelo Fisco, de que a disciplina geral da Lei Civil não seria aplicável para reger a controvérsia nos autos.

Segundo o entendimento preconizado pelo Fisco, a sociedade - no caso, uma sociedade de responsabilidade limitada - estaria sujeita aos arts. 89 e 98, da Lei n. 6.404, de 15.12.1976, que, por suposto, dispensariam a necessidade de registro para a incorporação de imóveis ao capital social:

"Art. 89. A incorporação de imóveis para formação do capital social não exige escritura pública."

"Art. 98. Arquivados os documentos relativos à constituição da com-panhia, os seus administradores providenciarão, nos 30 (trinta) dias subsequentes, a publicação deles, bem como a de certidão do arqui-vamento, em órgão oficial do local de sua sede.

§ 1º Um exemplar do órgão oficial deverá ser arquivado no registro do comércio.

§ 2º A certidão dos atos constitutivos da companhia, passada pelo registro do comércio em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público compe-tente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação do capital social (artigo 8º, § 2º)."

Em face do acórdão do TJRS, os embargantes interpuseram recurso especial, o qual foi provido no STJ, em decisão monocrática do relator, pelo permissivo do art. 557, parágrafo 1º, do CPC/73, por conformidade com a jurisprudência até então prevalecente do STJ, segundo a qual o art. 98, da Lei n. 6.404 não substituiria a disciplina da transferência do domínio estabelecida pelo Código Civil.

A exemplo dessa linha de entendimento, confira-se o excerto abaixo, retirado do acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial n. 689.937/SC (DJ 29.8.2006), rela-tado pelo Ministro Castro Meira, da Segunda Turma do STJ:

"No direito brasileiro, em se tratando de alienação de bens imóveis por ato entre vivos, somente se transfere a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, de acordo com o disposto no art. 1.245 do Código Civil (art. 530 do CC/16), observadas as formalidades constantes da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).
As disposições da Lei nº 6.404/76 invocadas pela recorrente não se prestam para substituir a disciplina da transferência da propriedade imóvel estabelecida pelo Código Civil e pela Lei nº 6.015/73, mas apenas qualificam a certidão dos atos de alteração de sociedades mercantis, passada pelo registro do comércio, como título translativo hábil a ser levado a registro imobiliário, como o é, por exemplo, a es-critura pública de compra e venda de imóvel."

Assim, segundo o entendimento adotado pelo Ministro relator, o parágrafo 2º, do art. 98, da Lei n. 6.404, acima transcrito, não teria pretendido derrogar ou excepcionar a disciplina da Lei Civil, tendo pretendido tão somente qualificar a certidão dos atos constituti-vos, ou de alteração do contrato (por ampliação analógica), passada pelo registro do comér-cio, como título translativo hábil a ser levado a registro no ofício de imóveis.

Diante disso, não se poderia deixar de aplicar, no caso, o regramento do Código Civil, devendo-se desconstituir a penhora efetuada sobre bens de propriedade dos sócios.

Em sede de agravo interno em agravo em recurso especial, contudo, a 1ª Tur-ma do STJ reformou a decisão monocrática, para manter a penhora sobre os imóveis, fican-do vencido o relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

A Turma decidiu por flexibilizar a regra do art. 1.245, do Código Civil, adotando o entendimento de que a alteração do contrato social já seria suficiente para a transferência dos bens ao patrimônio da sociedade, sendo irrelevante, para tanto, o registro no Ofício de Imóveis.

A decisão buscou homenagear o princípio da boa-fé objetiva. O argumento adotado na fundamentação do acórdão foi de que, caso quisessem os sócios recuar na utili-zação dos bens no aumento de capital da sociedade, deveriam ter promovido, em sequência, a redução do capital social, por meio do registro da competente alteração social, não poden-do, depois de formalizado o aumento, escusar-se ao seu cumprimento, alegando tão somente a falta do registro do título translativo no Ofício de Imóveis.

A adoção de entendimento em contrário implicaria afastamento em relação às boas práticas empresariais, permitindo aos sócios a omissão no registro do ato translativo no Ofício de Imóveis como forma de subtrair parte do patrimônio social à garantia dos credores, em violação à vedação dos comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium).

Veja-se o excerto a seguir, retirado do voto condutor do acórdão, redigido pelo Ministro Sérgio Kukina:

"As boas práticas empresariais não podem chancelar tais comporta-mentos, que implicam artificializar a musculatura financeira de em-presas que se utilizam desse reprovável comportamento.

Estivessem os sócios agravados imbuídos de bons e éticos propósitos, deveriam, a tempo e modo, ter providenciado nova e tempestiva alteração contratual no estatuto da sociedade, desta feita para promover a redução de capital, com a exclusão dos mesmos imóveis antes entregues para o seu aumento, nos mol-des dos arts. 1.082/1.084 do Código Civil e, subsidiariamente, arts. 173/174 da Lei 6.404/76.

Porém, os sócios ora agravados não adotaram tal providência, pretendendo, agora, tirar proveito de sua indesculpável inação.

Na hipótese os autos, em que existente contrato social devidamente alterado e registrado na junta comercial, ainda que nos termos do art. 1.245 do CC a transferência da propriedade se dê mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, escorreita se revela a manutenção das questionadas penhoras, porquanto presente a boa-fé do Fisco agravante, vez que a subjacente execução fiscal foi proposta em 1999, muito tempo depois da reportada alteração contratual de aumento de capital, datada de 1995, tendo a penhora dos imóveis sido formalizada apenas em 2004.

Em suma, deveriam os sócios ter registrado os imóveis em nome da empresa, cuja providência jamais se concretizou. E, a essa altura da execução fiscal, permitir-se que a alteração do contrato social (registrada na junta comercial) pudesse ser descon-siderada em sede de embargos de terceiros, após efetivada a penhora dos imóveis na execução fiscal movida contra a pessoa jurídica, equivaleria a ignorar a proibição do venire contra factum proprium, em benefício de sócios relapsos e em prejuízo da Fazenda de boa-fé." (grifamos).

Com efeito, permitir a desconstituição da garantia pela simples falta de registro da transferência do domínio no Ofício Imobiliário importaria em artificializar a função de ga-rantia do capital social.

É rememorar que, na estrutura de financiamento de uma sociedade, os capitais próprios são os que assumem efetivamente os riscos do negócio (capital de risco), só podem ser pagos aos sócios ou acionistas na liquidação, depois de satisfeita toda a dívida passiva da sociedade (intangibilidade do capital social).¹

Se a falta de registro no Ofício de Imóveis - ato que cabe aos próprios interes-sados - pudesse ser erigida em óbice à penhora dos imóveis, bastaria aos acionistas que, para tanto, deixassem de efetuá-lo, beneficiando-se da própria conduta omissiva. É acertada, pois, segundo nos parece, a decisão do STJ, que se afastou da literalidade do art. 1.245, do Código Civil, para prestigiar o princípio da boa-fé objetiva e a função de garantia do capital social.

¹PENTEADO, Mauro Rodrigues. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas. 2ª ed., atual. e anot. por Alfredo Sérgio Lazzareschi Neto. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 40.

 
Marcio Pedrosa Junior
Especialista em Direito Tributário pela Faculdade Milton Campos. Advogado.
E-mail: mpj@marizsiqueira.com.br