Decisoes.com.br - Jurisprudência Administrativa e Judiciária, Decisões de dezenas de Tribunais, STF, STJ, TRF, TIT, Conselhos de Contribuintes, etc.
Usuários
Lembrar usuário
Lembrar senha

Pesquisar em
Doutrina
Boletins
Todas as Áreas
Áreas Específicas
Tribunais e Órgãos abrangidos
Repercussão Geral (STF)
Recursos Repetitivos (STJ)
Súmulas (STF)
Súmulas (STJ)
Matérias Relevantes em Julgamento


Localizar nessa página:   
 

Tribunal de Justiça de São Paulo autoriza capitalização mensal de juros quando expressamente pactuada entre as partes - Paulo Coviello Filho*


Artigo - Estadual - 2017/0529

No último dia 31.8.2017, a 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou a capitalização mensal de juros em contrato de financiamento de veículo, na hipótese de o contrato firmado entre as partes prever expressamente essa possibilidade. Confira-se, inicialmente, a ementa do julgado:

1. Demanda revisional de contrato bancário. 2. Sentença de improcedência. Decisão mantida. 3. Capitalização mensal de juros. Admissibilidade na espécie, pois expressamente pactuada, à luz do precedente do STJ em incidente de recurso repetitivo e da Súmula 541 da referida Corte. 4. Abusividade de juros não configurada. 5. Não conhecimento do restante das matérias alegadas, por falta de interesse recursal. Recurso desprovido, na parte conhecida.

(TJSP; Apelação 1008664-69.2016.8.26.0510; Relator (a): Campos Mello; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Rio Claro - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/08/2017; Data de Registro: 07/09/2017)

Trata-se de ação revisional de contrato bancário ajuizada por pessoa física que firmou contrato de financiamento de veículo com instituição financeira em razão de o referido contrato supostamente estipular juros e encargos abusivos. Pugnou o autor pelo reconhecimento da injuridicidade da capitalização de juros sobre juros e pela redução da taxa de juros aplicada. Afirma ainda que o contrato seria de adesão e que no momento da sua celebração não teve oportunidade de insurgir-se. Conforme consta do relatório da decisão, a sentença julgou o feito improcedente, tendo o autor interposto recurso de apelação com o intuito de reformar a decisão de 1ª instância.

Diante desse cenário, a 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento, por unanimidade, ao recurso de apelação apresentado.

A decisão reconheceu, primeiramente, que nesse tipo de contrato é aplicável o Código de Defesa do Consumidor (CDC), nos termos da Súmula n. 297, que reza: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras."

Alegou a decisão que as taxas de juros aplicáveis estavam expressamente previstas do contrato assinado entre as partes, documento que o autor teve inequívoco acesso antes da assinatura. Nas palavras da decisão, "o apelante sabia muito bem a magnitude dos encargos que assumira e a alegação de que não pode exercer o direito de recusa não pode prosperar."

Nesse contexto, destacou que no regime do CDC são duas as hipóteses de modificação de cláusulas contratuais, quais sejam: (i) o reconhecimento de que foram estabelecidas prestações desproporcionais no momento da contratação, em caso de desproporcionalidade entre a prestação e a contraprestação; e (ii) quando a cláusula contratual é excessivamente onerosa, o que se enquadra na teoria da imprevisão e é verificada posteriormente à contratação, quando há "desaparição da base do negócio", entendida como tal a destruição da relação de equivalência das prestações, ou ainda quando se torne frustrada a própria finalidade do negócio jurídico, mesmo que o devedor disponha de meios para cumprir suas obrigações".

Após firmar essas premissas, a decisão ressalta que não houve, in casu, nenhuma irregularidade ou ilicitude na capitalização mensal de juros, tendo em vista que a capitalização de juros foi autorizada pela Medida Provisória n. 1963-17, de 30.3.2000¹.

Adiante, destacou que a capitalização é permitida desde que expressamente prevista no contrato firmado entre as partes, o que era justamente o caso na presente situação, de forma que ao caso era aplicável o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça, na sistemática do recurso repetitivo, quando do julgamento do REsp n. 973.827/RS, pela Segunda Seção, decisão que ficou assim ementada:

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO.

1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros.

2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de 'taxa de juros simples" e 'taxa de juros compostos', métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto 22.626/1933.

3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - 'É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1963-17, de 30.3.2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.' - 'A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada'.

4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios.

5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da abusividade das cláusulas contratuais questionadas.

6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido." (destaques aqui opostos)

(REsp 973.827/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 24/09/2012)

Como se vê, o Superior Tribunal de Justiça realmente pacificou entendimento no sentido da possibilidade de capitalização de juros na hipótese de previsão expressa no contrato firmado entre as partes. Nesse momento a decisão faz importante ressalva sobre a vedação à incorporação mensal de juros vencidos e não pagos a saldo devedor contratual, para que, integrados ao capital, possam servir de base de cálculo para a parcela de juros que irá vencer no mês seguinte.

Por fim, superada essa questão, a decisão também afastou a alegação de abusividade dos juros avençados pelas partes. Além de ter destacado que não houve prova suficiente da suposta abusividade dos juros pactuados, a decisão também afirmou expressamente que a taxa mensal aplicada, de 2,49%, não é abusiva, afirmação pautada no juízo de experiência, previsto no art. 375 do Código de Processo Civil, devidamente fundamentado com a citação de decisões sobre o tema.

Ainda fundamentando o juízo de experiência previsto no referido dispositivo, a decisão destacou que o juízo relativo ao suposto abuso da taxa de juros deve considerar diversas variáveis, tais como o custo de captação, o risco da operação, os custos administrativos da instituição financeira, os custos tributários, e, finalmente, o lucro da entidade. Ressaltou que esse juízo pode ser feito de forma casuística, sendo que no caso em análise não se configurava abuso.

A decisão ora comentada é irrepreensível, eis que além de seguir a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, no que diz respeito à possibilidade de capitalização de juros desde que expressamente previstos no contrato, também está correta no tocante à abusividade dos juros, analisando a situação concreta dentro do contexto do Sistema Financeiro Nacional.

A decisão também merece aplausos por ter feito as ressalvas necessárias quanto às situações que não seriam regulares e válidas, como é o caso, por exemplo, da vedação à incorporação mensal de juros vencidos e não pagos a saldo devedor contratual, para que sirvam de base de cálculo para a parcela de juros que incidirá no mês subsequente.

¹Vale ressaltar que a despeito de essa Medida Provisória não estar mais vigente, a disposição que autoriza a capitalização de juros com periodicidade superior a um ano está presente no art. 5º da Medida Provisória n. 2170-36, de 23.8.2001, que reza: "Art. 5o Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano."


 
Paulo Coviello Filho
Advogado, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Email:
pcf@marizsiqueira.com.br