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STJ confirma a inaplicabilidade da súmula 289 nas hipóteses de migração de planos de benefícios de previdência complementar.
Márcio Pedrosa Junior*

Artigo - Federal - 2017/3590

Em acórdão publicado no dia 1.8.2017, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), sob o rito dos recursos repetitivos (art. 1.036, do CPC/15) fixou as teses abaixo:

"Em caso de migração de plano de benefícios de previdência complementar, não é cabível o pleito de revisão da reserva de poupança ou de benefício, com a aplicação do índice de correção monetária";

"Em havendo transação para migração de plano de benefícios, em observância à regra da indivisibilidade da pactuação e proteção ao equilíbrio contratual, a anulação de cláusula que preveja concessão de vantagem contamina todo o negócio jurídico, conduzindo ao retorno ao status quo ante".

No caso, os autores propuseram ação pleiteando a revisão de benefícios de plano de previdência complementar, em vista da aplicação de índices de correção monetária que não consideravam os chamados "expurgos inflacionários" dos planos econômicos lançados pelo Governo Federal (Bresser, Verão, Collor I e Collor II), referentes ao período de julho de 1987 a março de 1991.

Segundo a descrição contida no relatório do acórdão, os autores, participantes de um plano de benefícios complementar, migraram, firmando transação, para outro plano de previdência privada patrocinado pela entidade com a qual mantinham vínculo empregatício, realizando a transferência, de um plano para o outro, das respectivas reservas de poupança.

No termo de transação, os participantes firmaram a renuncia aos benefícios do plano anterior, aderindo aos termos do novo plano de benefícios, que lhe seriam mais benéficos. Posteriormente, moveram ação judicial, requerendo a restituição das diferenças de correção monetária decorrentes dos "expurgos inflacionários", em relação às reservas de poupança transferidas para o novo plano de benefícios.

A pretensão autoral foi fundamentada no enunciado n. 289, da Súmula do STJ, que assentou o princípio da ampla restituição em relação às contribuições pagas a plano de previdência privada. Veja-se:

"A restituição das parcelas pagas a plano de previdência privada deve ser objeto de correção plena, por índice que recomponha a efetiva desvalorização da moeda".

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul ("TJMS"), ao analisar a demanda, deu provimento à ação, para afastar os índices previstos no plano de previdência e aplicar, em substituição, os índices dos planos econômicos do Governo Federal, nos respectivos períodos de vigência. Para tanto, o Tribunal reconheceu, ainda, a invalidade das renúncias firmadas pelos participantes nos termos de transação, quando das migrações, por não terem sido redigidas com clareza e com destaque, em violação à legislação consumerista.

As fundações administradoras dos planos de benefícios interpuseram recurso especial, alegando, a uma, a impossibilidade da equiparação da migração ao resgate, para os fins da Súmula n. 289, do STJ, e, a duas, a inexistência de obrigação abusiva no termo de transação, em qualquer caso, a impossibilidade da decretação de sua nulidade parcial. As duas questões foram afetadas pelo STJ, para os fins do art. 1.036, do CPC/15. Vejamos.

O resgate, na hipótese das entidades fechadas de previdência complementar, encontra previsão no art. 14, inciso III, da Lei Complementar n. 109, e consiste no saque da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo participante ("reserva de poupança").

Trate-se de uma das opções oferecidas ao participante, quando da perda do vínculo empregatício com a patrocinadora, ao lado (a) do benefício proporcional diferido (art. 14, inciso I), (b) da portabilidade (art. 14, inciso II) e (c) do autopatrocínio (art. 14, inciso IV, todos da Lei Complementar n. 109).

A possibilidade do resgate está condicionada, assim, ao encerramento do vínculo empregatício do participante com a entidade patrocinadora, hipótese na qual a sua inscrição no plano é cancelada, com a disponibilização, para saque, da respectiva reserva de poupança. É ver, nessa senda, o que dispõe o art. 19, da Resolução n. 6, de 30.9.2003, do Conselho de Gestão da Previdência Complementar ("CGPC"):

"Art. 19. Entende-se por resgate o instituto que faculta ao participante o recebimento de valor decorrente do seu desligamento do plano de benefícios".

A migração, ao revés, não é oferecida em caráter individual a determinado participante em decorrência da perda do vínculo empregatício. A migração é uma faculdade concedida à generalidade dos participantes, para que, diante da criação, pelo patrocinador, de um novo plano de previdência para os seus funcionários, possam esses escolher a qual plano se submeter, por meio da comparação dos benefícios e dos riscos presentes em cada regime.

Na migração, pois, o participante se mantém vinculado à entidade, embora em outro plano de benefícios, sem possibilidade do saque da reserva de poupança, a qual é transferida para o novo plano.

Segundo o entendimento preconizado pelas fundações administradoras dos planos de benefícios, os participantes, no caso, depois de terem avaliado as regras do plano que lhes foi oferecido, optaram pela migração, transferindo ao novo plano as respectivas reservas de poupança. Nessa linha, teria havido, no caso, uma simples novação contratual, sem caracterizar o rompimento da relação previdenciária que fora exigido pela lei como condição do resgate das contribuições.

Nesse sentido, por não se tratar de hipótese de rescisão contratual, não se poderia pretender aplicar, no caso, a Súmula 289, do STJ, dada a especificidade da situação fática tomada em conta na formação do precedente sumular (resgate) e a sua diferença em relação à situação tratada no caso concreto (migração).

Além disso, deveria ser observada a autonomia da vontade das partes e o equilíbrio autuarial dos planos de previdência complementar, o que perpassaria, no caso, pelo respeito às regras acordadas na transação, com adesão ao regulamento do plano, que estipulava índices específicos para a correção monetária dos saldos dos participantes, sem prever a incidência dos chamados "expurgos inflacionários".

A propósito do princípio da liberdade contratual, argumentaram as entidades que que os termos convencionados na migração seriam obrigatórios para as partes, apenas podendo ser afastada a sua eficácia mediante a demonstração da presença de defeito do negócio jurídico, consoante as hipóteses de nulidade ou anulabilidade previstas no Código Civil.

Nessa senda, é importante rememorar que os regimes de previdência privada, diferentemente dos planos de benefícios básicos, que resultam da solidariedade forçada entre pessoas ou gerações, são de adesão facultativa e de natureza complementar, valendo de acordo com a livre estipulação das partes (instituidoras, patrocinadores e participantes).

Além disso - e diferentemente dos regimes de previdência social básica, onde os benefícios são concedidos por sistema de repartição simples, em regime de caixa (tudo o que se arrecada é imediatamente gasto, sem que haja um processo de acumulação) -, os benefícios da previdência privada são financiados por regime de capitalização, baseando-se na "prévia constituição das reservas que garantem o benefício contratado", nos termos do art. 202, da Constituição de 1988. É dizer, no regime de previdência privada, não se admite a concessão de benefício, sem a formação da prévia fonte de custeio.

O financiamento do plano de benefícios por regime de capitalização implica a existência de uma relação sinalagmática entre o benefício concedido e a respectiva receita de cobertura, cujas bases são aferidas anualmente por meio de estudos autuariais. Nesse regime, cada participante é responsável pela própria conta, não se permitindo a utilização de recursos de outros participantes.

Nessas circunstâncias, na hipótese de ser deferido a algum participante o acesso a benefícios superiores aos previstos em contrato, os participantes remanescentes, juntamente com os patrocinadores, são obrigados a arcar com a diferença, como forma de reestabelecer o equilíbrio financeiro e autuarial do plano de benefícios.

O distinguishing proposto pelas fundações foi acolhido pelo STJ.

O voto condutor do acórdão, redigido pelo relator Ministro Luís Felipe Salomão e acolhido à unanimidade pela Segunda Seção do STJ, entendeu que o exercício do resgate não pode ser confundido com a migração.

De um lado, o resgate referido pela Súmula n. 289, do STJ, implica a cessação dos compromissos do plano, quando o participante sequer chegou a auferir os respectivos benefícios, o que impõe a restituição ampla, com o retorno ao status quo ante. De outro lado, na migração, pactuada em transação, há a transferência de reservas de um plano para outro, não se podendo fazer incidir os expurgos sobre os valores transferidos, à revelia dos termos contratados. Veja-se:

"Dessarte, conforme entendimento perfilhado por este Órgão Julgador, em vista da afetação, para a pacificação da matéria no âmbito do STJ, do AREsp 504.022-SC, a migração - pactuada em transação - de planos de benefícios, facultada até mesmo aos assistidos, ocorrem em um contexto de amplo redesenho da relação contratual previdenciária, com o concurso de vontades do patrocinador, da entidade fechada de previdência complementar, por meio de seu conselho deliberativo, e autorização prévia do órgão público fiscalizador, operando-se não o resgate de contribuições, mas a transferência de reservas de um plano de benefícios para outro.
Outrossim, foi também observado, naquele precedente, que, como o art. 18 da Lei Complementar n. 109/2001 estabelece que cabe ao plano de benefícios arcar com as demais despesas - inclusive, pois, com a verba vindicada -, não cabe o deferimento dos pedidos formulados na exordial, sob pena de lesão aos interesses dos demais assistidos e participantes do plano de benefícios primevo, a que eram vinculados os recorrentes.
"

Em relação à segunda questão controvertida, afetada para os efeitos do art. 1.036, do CPC/15, a Corte Superior, acolhendo a argumentação das fundações, assentou a impossibilidade da declaração da nulidade ou da anulação parcial da transação - na parte que era desfavorável aos participantes -, com a manutenção, ao mesmo tempo, da parte do acordo que lhe seria favorável.

De fato, a transação é um negócio jurídico típico que tem como nota essencial a existência de concessões recíprocas, não se podendo recusar a concessão de uma das partes, e, simultaneamente, aceder à concessão da parte contraposta, o que desfiguraria a transação em renúncia, sendo, de resto, contrário ao princípio da boa-fé objetiva e à vedação ao enriquecimento sem causa. Sendo nula qualquer das cláusulas da transação, todo o negócio restará contaminado. Veja-se:

"Ao que parece, os autores, ora recorridos, data máxima vênia, vindicam o melhor de dois mundos. Sem cogitar em renunciar às vantagens obtidas pela transação, pretendem, em flagrante lesão à própria comutatividade da avença, a anulação apenas da cláusula mediante a qual fizeram concessões de vantagens.

Ora, 'eventual anulação da transação implica o retorno ao status quo ante, não podendo resultar em enriquecimento a qualquer das partes, pois é elemento constitutivo do negócio a concessão de vantagens recíprocas, por isso mesmo não se confunde com renúncia, desistência ou doação'. (...).

Dessarte, impõe-se a invocação da expressão venire contra factum proprium, tendo em vista que o comportamento da parte recorrida é manifestamente contraditório e incompatível com a tutela da confiança, pois anui o prosseguimento do contrato e, em seguida, de modo oposto ao primeiro comportamento, questiona sua validade.

Outrossim, a teor do art. 175 do CC, a ratificação expressa, ou a execução voluntária da obrigação anulável, importa renúncia a todas as ações, ou exceções, de que contra ele dispusesse o vendedor."

Diante disso, a Segunda Seção do STJ, à unanimidade, deu provimento ao recurso especial, para rechaçar a devolução, no caso, das diferenças de correção monetária advindas dos expurgos inflacionários dos planos econômicos do Governo Federal, limitando o alcance da Súmula n. 289 aos casos de resgate das reservas de poupança, e assinalando a impossibilidade da anulação parcial da transação firmada para a migração dos planos de benefícios.

 
Márcio Pedrosa Junior

Especialista em Direito Tributário pela Faculdade Milton Campos. Advogado.
E-mail: mpj@marizsiqueira.com.br