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STJ reduz multa contratual por reconhecer desproporção
Paulo Coviello Filho*

Artigo - Federal - 2017/3571

Recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.641.131-SP, de 16.2.2017, reduziu substancialmente a multa contratual previamente estipulada em contrato firmado entre particulares, com base nos princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico entre as prestações.

Conforme se verifica do relatório da decisão, o processo em questão decorreu de descumprimento de acordo firmado pelas partes no âmbito de ação judicial. No âmbito da referida ação, as pessoas envolvidas firmaram acordo com o objetivo de extinguir o processo, determinando que uma das empresas pagasse determinada quantia à outra, em quatro parcelas, com datas previamente estipuladas, ficando acertada a multa de 30% do valor da parcela no caso de atraso.

Houve atraso por parte da devedora no pagamento das terceira e quarta parcelas, que foram pagas com três e dois dias corridos (um dia útil em ambos os casos), diante do que o juízo de primeira instância entendeu ser devida a referida multa. Em face dessa decisão foi interposto agravo, o qual teve provimento negado, "sob o fundamento de que não haveria possibilidade de redução da multa, pois deveriam prevalecer as condições contratuais celebradas pelas partes."

A devedora, então, interpôs recurso especial, alegando violação dos art. 413 e 884 do Código Civil, tendo em vista que o art. 413 imporia ao magistrado, na visão da recorrente, por aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, a redução equitativa da cláusula penal, de acordo com a gravidade do inadimplemento.

Foi diante desse arcabouço fático que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial interposto pelo devedor, determinando a redução da multa de 30% para 0,5%, com base nos princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico entre as prestações.

O voto condutor da decisão, de lavra da Relatora Ministra Nancy Andrighi, iniciou a exposição analisando o objetivo da cláusula penal, que teria a função preventiva, para evitar atrasos e descumprimentos de prestações contratuais, e reparadora, com o intuito de atenuar os prejuízos decorrentes do atraso ou do descumprimento por uma das partes. Nas palavras da decisão, "o valor estabelecido a título de multa contratual representa, desse modo, em essência, a um só tempo, a medida de coerção ao adimplemento do devedor e a estimativa preliminar dos prejuízos sofridos com o inadimplemento ou com a mora."

Adiante, a decisão analisou a natureza jurídica e o alcance do art. 413 do Código Civil[1], consignando o entendimento de que se trata de norma cogente e de ordem pública, sendo dever do juiz e direito do devedor a sua aplicação plena às situações de fato, em linha com os princípios da boa-fé contratual e da função social do contrato. Na visão da decisão, a redução da multa na hipótese de atraso do pagamento respeita o dever de equilíbrio e igualdade entre os contratantes, restringindo o caráter absoluto dos princípios da liberdade contratual e pacta sunt servanda.

Superada a questão da possibilidade da redução da multa, a decisão destaca que a redução equitativa da multa deve ocorrer mediante apreciação equitativa do juiz, inexistindo relação de proporcionalidade matemática entre o grau do descumprimento contratual e o de redução da penalidade. A redução, consequentemente, deve estar pautada no grau de culpabilidade do devedor, sua situação econômica, a importância da parcela cumprida, dentre outros aspectos.

Finalmente, a partir das ponderações teóricas, a Terceira Turma entendeu que os atrasos de pagamentos observados, os quais somaram três e dois dias corridos (um dia útil em ambos os casos), eram diminutos, não havendo prejuízo relevante ao credor, que recebeu as parcelas com pequeno atraso, o que justifica a redução de multa do percentual de 30% para 0,5% do valor da parcela em atraso.

A decisão da Corte Superior não poderia ser mais acertada, dando perfeita aplicação aos princípios que regem os contratos no direito brasileiro. De fato, foram sopesados, de um lado, em benefício do devedor, os princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico entre as prestações, enquanto de outro, em benefício do credor, os princípios da liberdade contratual e pacta sunt servanda. Essa ponderação entre os referidos princípios decorre de disposição legal expressa, contida no art. 413 do Código Civil, que nada mais é que uma explicitadora dos referidos princípios acima comentados. É dizer: mesmo que não houvesse uma disposição expressa sobre a redução de penalidades, essa conduta encontraria respaldo nos referidos princípios.

Vale destacar que a disposição contida no art. 413 configura norma de ordem pública, inafastável mesmo diante da vontade das partes, conforme reconhecido pelo Enunciado n. 355 da IV Jornada de Direito Civil (2006)[2].

Outrossim, para definir a proporção da redução, percebe-se que a decisão analisou as circunstâncias fáticas, notadamente o período de atraso, bem como a relevância da parcela cumprida. No caso, como os atrasos foram de, no máximo, três dias corridos e dois dias úteis, a redução de cerca de 99% da multa se justifica, até para incentivar eventuais devedores a quitar suas obrigações a tempo, ou com a maior brevidade possível.

Nesses termos, a decisão assume uma função educativa, na medida em que esclarece que, ao demonstrar boa-fé na quitação dos seus compromissos, os devedores não serão penalizados em demasia. Trata-se, em outras palavras, de um incentivo aos devedores de boa-fé e um aviso aos devedores de má-fé, eis que, em situações diferentes, em que o atraso ou descumprimento seja mais relevante, certamente a Corte Suprema teria outra conduta.

Notas

[1]"Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio."

[2]"Art. 413. Não podem as partes renunciar à possibilidade de redução da cláusula penal se ocorrer qualquer das hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, por se tratar de preceito de ordem pública."

 
Elaborado por:
Paulo Coviello Filho é Advogado, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Email: pcf@marizsiqueira.com.br