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Caso AMBEV: A impossibilidade da extensão aos Bônus de subscrição das vantagens inseridas nos planos de compra de ações outorgados aos colaboradores da companhia - Marcio Pedrosa Junior

Em acórdão proferido no dia 14.3.2017, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou uma ação proposta pelos fundos de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (Previ) e da Caixa (Funcef), que, na posição de titulares de bônus de subscrição emitidos pela cervejaria Brahma (atual Ambev), pleiteavam a equiparação dos respectivos preços de subscrição aos preços estabelecidos em planos de compra de ações outorgados pela companhia aos seus executivos e administradores (REsp n. 1296074, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 29.3.2017 (01)).

Os bônus de subscrição são títulos de emissão das companhias, previstos no artigo 77, da Lei nº 6404, de 15.12.1976 (Lei das SA), que conferem ao seu titular o direito de subscrever novas ações da sociedade, contra a apresentação do certificado e o pagamento do preço de emissão das ações, no valor, no prazo e nas condições estabelecidas no título. Ao adquirir bônus de subscrição, a expectativa do investidor é que, no momento do exercício do direito, as ações da companhia tenham um valor superior ao preço determinado no título, a sua vantagem correspondendo, grosso modo, à diferença entre o preço prefixado e o preço das ações no momento da subscrição (02).

No caso, a Previ e o Funcef adquiriram bônus de subscrição da Brahma, que lhes davam direito à subscrição de ações da companhia, em prazo determinado, mediante o pagamento de um preço fixo constante do certificado dos bônus. Nos certificados dos bônus, para além da cláusula principal de precificação, havia uma cláusula adicional de ajustamento de preço, prevendo que, em eventuais aumentos de capital posteriores, por subscrição pública ou privada, caso a companhia praticasse preços inferiores aos prefixados nos bônus, os seus titulares teriam direito à aquisição de ações ao menor preço, por equiparação.

É conferir a redação da cláusula de ajuste de preço prevista nos certificados, conforme a transcrição constante do acórdão do STJ:

\"caso sejam efetuados aumentos de capital por subscrição privada ou pública até o término do prazo para o exercício do direito à subscrição, aumentos esses nos quais o preço de subscrição venha a ser inferior ao valor ajustado para o exercício de subscrição com base nos bônus calculados, no período de subscrição dessas ações será ajustado para igualar o preço de subscrição e todas as correções e ajustes subsequentes partirão desse novo patamar.

Pois, dentro do prazo previsto nos certificados dos bônus dos fundos de pensão, a Ambev realizou vários aumentos de capital, decorrentes do exercício de planos de opção de compra de ações conferidos aos administradores da companhia. As subscrições de capital foram realizadas em condições mais vantajosas do que as estampadas no bônus titularizados pelos fundos, atraindo por suposto, a aplicação da cláusula de ajuste, para a equiparação dos preços de subscrição. Contudo, ao calcular o preço a ser efetivamente pago pelos fundos bonistas quando do exercício dos respectivos direitos, a companhia deixou de considerar os efeitos dessas subscrições.

Nesse contexto, entendendo que a companhia teria desrespeitado a cláusula de ajuste de preços, os fundos propuseram ação judicial, requerendo o reconhecimento do seu direito de subscrição ao menor preço, por equiparação. Em acréscimo, pediram os fundos a condenação da Ambev ao pagamento de indenização, pela negativa da companhia em entregar as ações ao preço pretendido (com perdas e danos equivalentes a dividendos, bonificações ou outras vantagens conferidas aos acionistas da companhia).

Segundo o entendimento da companhia, os aumentos de capital pelo exercício de direitos conferidos dos planos de opção de compra de ações (artigo 166, inciso III, da Lei das SA), não se confundiriam com os aumentos ordinários via subscrição pública ou privada de ações (artigo 170, da Lei das SA), não podendo ser invocados para atrair a aplicação da cláusula de ajuste de preços.

A função dos planos de opção seria premiar os executivos da companhia em razão de sua contribuição aos resultados produzidos pela sociedade, oferecendo-lhes a possibilidade da aquisição de ações a um preço inferior ao que lhes seria acessível em condições normais de mercado.

A cláusula de ajuste de preço aposta aos certificados dos bônus dos fundos de pensão, por outro lado, teria como função a proteção de seus titulares contra a diluição causada por aumentos de capital por subscrição pública ou privada, nos termos do artigo 170, da Lei das SA. A sua função não seria estender aos bonistas uma vantagem que fora concedida exclusivamente aos administradores da companhia.

Transcreva-se, abaixo, o artigo 170, caput e parágrafo 1º, da Lei das AS:

\"Art. 170. Depois de realizados 3/4, no mínimo, do capital social, a companhia pode aumenta-lo mediante subscrição pública ou particular de ações.
§ 1º. O preço de emissão deverá ser fixado, sem diluição injustificada da participação dos antigos acionistas, ainda que tenham direito de preferência para subscrevê-las, tendo em vista, alternativa ou conjuntamente:
I - a perspectiva de rentabilidade da companhia;
II - o valor do patrimônio líquido da ação
III - a cotação de suas ações em bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado, admitido ágio ou deságio em função das condições de mercado.\"

Veja-se também o seu parágrafo 7º:

\"§ 7º A proposta de aumento do capital deverá esclarecer qual o critério adotado, nos termos do § 1º deste artigo, justificando pormenorizadamente os aspectos econômicos que determinam a sua escolha\".

O dispositivo legal exige que os critérios adotados para a fixação do preço das ações nos aumentos de capital seja devidamente justificado aos acionistas, protegendo-os contra a diluição injustificada das participações acionárias. Veja-se que a Lei das SA não veda a diluição das participações acionárias; o que ela proíbe é a diluição injustificada, devendo a administração da companhia demonstrar as vantagens, para a companhia e para os seus acionistas, da adoção de um determinado critério.(03)

Nesse quadro, o sistema de ajuste de preço dos bônus garante ao seu titular que o respectivo preço de subscrição não se apresente superior ao que realmente vale a ação. Trata-se de uma forma de proteção do titular do bônus contra a diluição injustificada de sua futura participação. Busca-se assegurar-lhe o direito de aquisição de ações pelo \"preço justo\", em conformidade com os parâmetros fixados no parágrafo 1º, do artigo 170, da lei societária, preservando também a atratividade dos bônus de subscrição de ações, enquanto instrumento de capitalização da sociedade.

Os planos de compra de ações outorgados aos executivos da companhia, por sua vez, permitem a subscrição de ações por um preço inferior ao \"preço justo\", como forma de remuneração e de incentivo aos colaboradores da companhia, como reconhecimento de sua contribuição ao desempenho das atividades empresariais. Essa vantagem econômica, no entender da companhia, não poderia ser estendida aos titulares dos bônus, sobre levar a uma injustificada diluição das participações dos acionistas não bonistas, em desrespeito à lei societária.

O argumento, pois, é a suposta impossibilidade da equiparação entre, de um lado, os aumentos de capital decorrentes do exercício dos direitos de planos de compra de ações, e, de outro, os aumentos de capital ordinários ou comuns, por subscrição pública ou privada, apenas os últimos tendo sido referidos na cláusula de ajuste dos bônus de subscrição titularizados pelos fundos de pensão.

Após sentença desfavorável, o pleito dos fundos de pensão foi acolhido, em grau de apelação, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (\"TJRJ\"). Segundo o entendimento adotado pelo colegiado, a natureza das vantagens conferidas aos executivos da companhia não impediria a sua qualificação como uma forma de aumento de capital por subscrição privada de ações, nos termos da cláusula de ajuste de preço. Não seria cabível, no caso, falar em aumentos de capital \"típicos\" ou \"atípicos\", não tendo a cláusula de ajuste trazido qualquer estipulação nesse sentido. Com efeito, tanto a exercício de opções quanto o de bônus acarretam aumento de capital por subscrição privada de ações, de forma que, no âmbito da literalidade do título, ambos são aptos a ensejar a aplicação da cláusula de ajuste.

A companhia apresentou recurso especial, aduzindo que a cláusula de ajuste de preço teria a natureza de condição suspensiva, a qual não teria sido observada no caso, não apenas porque o exercício da opção de compra de ações não configuraria aumento de capital por subscrição pública ou privada, mas também porque esse exercício não constituiria evento futuro e incerto, não podendo subordinar a eficácia da cláusula de modificação de preço.

O STJ acolheu a argumentação da companhia, reconhecendo que a cláusula de ajuste possuía natureza de condição suspensiva. Diante disso, as subscrições de ações decorrentes dos planos de compra outorgados aos executivos da companhia não poderiam ser invocadas para alterar o preço fixado na cláusula principal dos bônus dos fundos de pensão. Pareceu decisiva a consideração de que, à época da emissão dos bônus, o exercício dos direitos conferidos aos executivos da companhia já era conhecida e ocorreria no prazo previsto, não se podendo erigir esse evento em causa suspensiva, por faltar-lhe o atributo da incerteza. Admitir o contrário seria negar qualquer eficácia à cláusula principal de precificação nos certificados dos bônus de subscrição.

Demais disso, o STJ concordou com a interpretação da companhia, segundo a qual os aumentos de capital por subscrição pública ou privada não se confundiriam com os aumentos de capital decorrentes do exercício de bônus ou de planos de compra de ações. Disso resultaria, por igual, a impossibilidade da aplicação da cláusula para modificar o preço de liquidação dos direitos estampados nos bônus titularizados pelos fundos de pensão.

Nessa mesma linha, o acórdão ressaltou as diferenças entre as subscrições de ações oferecidas no mercado e as subscrições em decorrência da outorga de opção aos colaboradores da companhia. Enquanto, no primeiro caso, o objetivo é a capitalização da companhia, no segundo, busca-se a integração do corpo funcional da sociedade, não se podendo estender aos fundos bonistas uma vantagem conferida apenas aos colaboradores companhia, sob pena de ocasionar a diluição injustificada da participação dos demais acionistas. É dizer, ainda que a cláusula de ajuste tivesse previsto a equiparação pretendida, a sua licitude poderia ser questionada, por conflitar com a disposição inserida no artigo 170, parágrafo 1º, da lei societária.

A nosso sentir, andou bem o STJ, homologando a mesma posição assumida pelo colegiado em julgamentos anteriores (04). A cláusula de ajuste não poderia ter pretendido estender aos bonistas uma vantagem econômica atribuída em caráter especialíssimo à força de trabalho da organização, pena de uma diluição injustificada das participações acionárias dos acionistas não bonistas. O objetivo da cláusula era, apenas, manter a igualdade de valor com eventuais aumentos de capital posteriores oferecidos aos investidores para subscrição de ações a preços inferiores, preservando a atratividade dos bônus enquanto instrumento de capitalização da empresa. Neste caso, a estrita literalidade do título dos bônus deve ceder diante da proteção dos acionistas minoritários e de uma interpretação amparada na boa-fé, sendo certo que o exercício dos planos e dos bônus já era previsível quando da emissão dos bônus titularizados pelos fundos de pensão.

 
Elaborado por:
Marcio Pedrosa Junior. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito Tributário pela Faculdade Milton Campos. Advogado.
E-mail: mpj@marizsiqueira.com.br