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Crime tributário como antecedente da lavagem de capitais
Julia Mariz*

Artigo - Federal - 2017/3561

Em 2012 foi publicada a "nova" Lei de lavagem de capitais (12683/2012). Diz-se nova entre aspas, pois, na verdade, a antiga Lei 9613/98 sofreu apenas algumas alterações.

Porém, tais mudanças foram significativas, tornando a repressão ao crime em questão ainda mais rígida. Uma dessas modificações pode ser encontrada logo no art. 1º, que, anteriormente previa um rol taxativo de crimes antecedentes e, atualmente passou a incluir todas as infrações penais como delitos anteriores do crime de lavagem de capitais.

Nesse contexto, o delito contra a ordem tributária passou a ser uma hipótese de antecedente ao branqueamento de valores. Isto é, os bens originados da prática de crime tributário podem ser tidos como objeto da lavagem, caso sejam ocultados ou dissimulados.

O problema não decorre da inclusão do crime tributário como antecedente à lavagem, ou seja, do direito material, mas sim de uma questão processual. E isso se dá por duas razões.

A primeira diz respeito à instauração de inquérito policial ou de ação penal para averiguar o crime de lavagem quando se tem como antecedente um ilícito tributário.

Isso porque, o crime fiscal só vai se configurar quando houver o lançamento definitivo do débito, consoante se verifica da Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal. Assim, a persecução penal no tocante ao branqueamento de capitais somente poderia ocorrer, ao menos, quando o débito fosse devidamente constituído.

A segunda questão se refere à possibilidade de extinção da punibilidade dos delitos dispostos na Lei nº. 8137/90, a qualquer tempo, com o pagamento do tributo. Ou seja, se houver a extinção da punibilidade pelo pagamento, haverá, mesmo assim, a investigação quanto à Lei nº. 12683/2012?

Por essas e outras razões que o Deputado Geraldo Pudim afirmou ser contrário a algumas mudanças legislativas. Em seu voto sobre o Projeto de Lei 3443/2008 ele afirmou: "Também, temos uma questão interessante que se coloca, é a de saber como iniciar uma investigação sobre o crime de lavagem de dinheiro, se ele depende, ao menos, da existência de indícios de crime anterior. De qual crime? De que forma criminosa teria advindo o dinheiro, por exemplo, para que se possa identificar a possibilidade de, ligando-o ao, ou a um, e qual, crime antecedente? Esta análise levou à conclusão de Katharina Oswald, grande penalista e criminalista alemã, a dizer que uma investigação a respeito da prática de crime de lavagem de dinheiro só deve ser iniciada (e refere, pelo Ministério Público, demonstrando ser o órgão com as atribuições), a partir da conclusão sobre existência de evidências de situação concreta de determinado crime antecedente".

Porém, em que pesem essas indagações e as considerações do deputado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, a modificação sugerida foi aprovada e o art. 2º, inciso II, da Lei nº. 12683/2012 passou a ser redigido da seguinte forma: "independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento".

Em outras palavras: a lei é clara ao afirmar que os crimes são autônomos. Ou seja, pode-se haver instauração ou continuidade de persecução penal quanto ao crime de lavagem de valores independentemente do crime antecedente.

Assim, mesmo que não haja constituição definitiva do débito ou que ocorra a extinção da punibilidade quanto à infração tributária, proceder-se-á o inquérito policial ou a ação penal quanto ao crime da Lei nº. 9613/98.

É o que ensina Carla Veríssimo Carli e Andrey Borges de Mendonça: "assim sendo, mesmo havendo o pagamento ou parcelamento do delito fiscal seria possível a condenação do agente por lavagem de ativos. Tal entendimento que decorre de expressa disposição e se coaduna com o sistema repressivo e protetivo anti-lavagem de capitais ilícitos."

Por mais que pareça difícil de acreditar, é o que tem ocorrido. Inclusive, em decisão publicada em 2014, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, já sob a égide da nova legislação, se manifestou no sentido de que: "a majoritária jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a apuração do crime de lavagem de dinheiro é autônoma e independe do processamento e da condenação em crime antecedente (AgRg no REsp 1240388/PR, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJ 21.08.2014).

Diante desse cenário, o resultado será um excessivo número de apurações sobre crimes de lavagem de capitais, como já se verifica.

Fontes

Superior Tribunal de Justiça

Câmara dos Deputados

CARLI, Carla Veríssimo e MENDONÇA, Andrey Borges de, Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal, 2ª ed. Verbo Jurídico, Porto Alegre.

 
Julia Mariz*