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O conceito de estabelecimento permanente e a sua incompatibilidade com a tributação do valor bruto remetido ao exterior pelo imposto de renda na fonte
Maicon Galafassi*

Artigo - Federal - 2017/3555

Os tratados para evitar a dupla tributação têm sido cada vez mais objeto de apreciação pelos órgãos julgadores, tanto em âmbito administrativo, quanto na esfera judicial. Contudo, algumas vezes, a aplicação dos referidos diplomas normativos é realizada de forma equivocada, permitindo a ocorrência de grandes distorções no ordenamento jurídico.

Exemplo desse cenário é o equivocado posicionamento adotado pela maioria dos julgadores da 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da Segunda Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais ("CARF"), mediante os acórdãos n. 2202-003.063, de 9.12.2015, e n. 2202-003.114, de 27.1.2016, ambos sob relatoria do conselheiro Marco Aurélio de Oliveira Barbosa.

Nos referidos precedentes diversos temas são abordados, dentre os quais se destaca a aplicação da "Convenção com a França para evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em matéria de Imposto sobre o Rendimento", incorporado no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n. 70.506, de 12.5.1972 (Tratado Brasil-França).

Os dois casos se assemelham na medida em que houve a caracterização da empresa brasileira como sendo um estabelecimento permanente de sua controladora, sediada na França (seja sob controle direto ou indireto). Feito tal caracterização, a solução dada pelo órgão julgador foi autorizar a incidência do imposto de renda retido na fonte (IRRF) sobre os valores brutos remetidos pela subsidiária brasileira para a sua matriz francesa. O fundamento jurídico utilizado foi justamente a exceção prevista no parágrafo 1º do art. 7º do Tratado Brasil-França para os estabelecimentos permanentes devidamente caracterizados no país, que autoriza o exercício do poder de tributar pelo Estado da fonte.

Ainda que se admita estar correta a caracterização da pessoa jurídica brasileira como estabelecimento permanente em ambos os casos, o que - dependendo das circunstâncias fáticas e da forma como foi realizada - poderia ser questionável, a solução adotada pelo órgão julgador de autorizar a incidência do IRRF sobre o valor bruto dos pagamentos realizados carece de embasamento jurídico.

Isso porque os parágrafos 2º e 3º do artigo 7º do Decreto nº 70.506/72 preveem que, havendo a caracterização de estabelecimento permanente, deve ser imputado a esse estabelecimento os lucros que seriam obtidos caso se tratasse de estabelecimento não vinculado. Desse modo, o Brasil, na condição de Estado da fonte, apenas poderia tributar os lucros efetivamente atribuídos ao estabelecimento permanente, com a dedução das despesas incorridas pelo estabelecimento na realização de suas atividades, "incluindo as despesas de direção e os gastos gerais de administração igualmente realizados".

Nos casos concretos, em que pese a clareza da cláusula convencional em exame, a fiscalização exigiu o recolhimento de imposto de renda na modalidade de retenção na fonte - que desconsidera quaisquer despesas incorridas pelo estabelecimento permanente -, exigência posteriormente confirmada em sede recursal pelo CARF.

Cabe lembrar que a base de cálculo do IRRF leva em consideração, tão somente, o montante dos valores remetidos para a pessoa jurídica no exterior. Em outras palavras, o cálculo do imposto considera somente a receita bruta, ignorando, por completo, quaisquer despesas, o que contraria o disposto no artigo 7º do Tratado Brasil-França.

Nesse contexto, cabe ressaltar que os tratados firmados para evitar a dupla tributação têm por finalidade somente a repartição da competência tributária entre os Estados assinantes. Em outros termos, não poderia o Brasil alargar a base de cálculo do imposto de renda, ainda que se tratasse de estabelecimento permanente situado no país, sob pena de invadir a competência da França de tributar os referidos rendimentos.

Em razão desse caráter de mera repartição de competências, é claro que o Decreto nº 70.506/72 não tem por objetivo a criação de método de cálculo do referido lucro. No entanto, não poderia a fiscalização ou o órgão administrativo, com base nesse fundamento, desconsiderar o texto normativo que determinou o cômputo das despesas no cálculo do lucro auferido pelo estabelecimento permanente.

Uma possível solução para esta celeuma, e que mais se aproxima das situações em que há de fato uma extensão com atuação direta no Brasil de pessoa jurídica do exterior, seria a utilização de método de arbitramento semelhante àquele previsto na legislação tributária interna para as vendas efetuadas no Brasil por intermédio de agentes ou representantes de pessoas estabelecidas no exterior, nos termos do art. 539 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n. 3000, de 26.3.1999). Nessa situação, determina a legislação do imposto de renda que seja utilizado o método de cálculo previsto no regime do lucro arbitrado. Tal solução não está isenta de críticas na medida em que a consideração ocorre mediante uma presunção geral de despesas, sem a análise do caso concreto. De qualquer forma, essa alternativa seria mais adequada do que a tributação do valor bruto remetido para a empresa francesa, sem qualquer dedução.

Em resumo, o regime de tributação de estabelecimento permanente no Brasil necessita de regulamentação, não podendo as autoridades fiscais brasileiras, na ausência de previsão específica, adotar um regime de tributação baseado na receita bruta, em vez do lucro efetivamente atribuído ao estabelecimento permanente.

Percebe-se, com base em tais precedentes do CARF, que embora os tratados sejam objeto de apreciação pelos órgãos fiscais julgadores, a aplicação incorreta de suas disposições provoca profundos danos no ordenamento jurídico brasileiro, gerando perigosos precedentes e induzindo comportamentos equivocados no já caótico sistema tributário brasileiro.

 
Elaborado por:
Maicon Galafassi*
Graduado em Direito pela USP/SP. Especialista em Direito Tributário pelo IBDT. Advogado em São Paulo.
E-mail: mg@marizsiqueira.com.br