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Veiculação e divulgação de propaganda e publicidade não paga ISS
José Antônio Patrocínio*

Ementa: Mandado de Segurança - ISS - Caráter taxativo do rol de serviços tributáveis previsto na Lei Complementar 116/03 - Serviço de veiculação e divulgação de propaganda por meio de outdoor - Enquadramento no item 17.06 "Propaganda e Publicidade" - Publicidade é o instrumento da propaganda; consiste na forma de se dar conhecimento da existência de um fato, ideia, mensagem, serviço, produto etc (propaganda). Irrelevância do fato de tal atividade já ter recebido item próprio na referida lista e de existir projeto de Lei visando à sua reinclusão. Veto que se deu por outros motivos que não a pretensão de excluir tal serviço da incidência do referido imposto Projeto de Lei que visa esmiuçar as atividades tributáveis de modo a dar maior segurança jurídica aos contribuintes e ao Fisco - Recurso improvido. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - 4ª Câmara - Seção de Direito Público - Apelação com Revisão nº 0121361-14.2005.8.26.0000)

Algumas investidas do fisco municipal realmente chegam a impressionar, tanto pelo arrojo quanto pela intrepidez! Por incrível que pareça nem mesmo as atividades expressamente excluídas da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003, escapam de sua fúria arrecadatória. Refiro-me à última medida adotada pela Prefeitura Municipal de São Paulo, por meio do Parecer Normativo nº de 09 de Março de 2016, objetivando cobrar ISS das receitas provenientes da veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade. Na prática, além de exigir o imposto daqui para a frente as autuações terão ainda um efeito retroativo, ou seja, atingirão as operações ocorridas nos últimos cinco anos.

Antes porém de expressarmos qualquer juízo de valor acerca do tema, é preciso entender um pouco melhor o sentido desta audaciosa medida.

Como dissemos, o fisco municipal paulistano alterou radicalmente o seu entendimento com o único objetivo de passar a tributar uma operação que antes não tributava. Nos últimos anos, para ser mais específico desde 2003, todas as decisões em processo de consulta, da Prefeitura de São Paulo, são unânimes no sentido de que sobre a atividade de veiculação (divulgação) de anúncios e outros materiais de propaganda e publicidade não incide o imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISSQN.

No mesmo sentido, existem várias decisões em outros Municípios do Brasil.

Agora, como que num passe de mágica este entendimento é alterado, justamente para fazer incidir o imposto nestas operações. Importa dizer que o problema não está na mudança do critério jurídico por parte do fisco municipal. Aliás, este é um direito subjetivo já reconhecido pelo nosso ordenamento. O problema está nas razões ensejadoras da nova decisão.

Como sabemos, a veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, por qualquer meio, foi objeto de veto presidencial por ocasião da promulgação da Lei Complementar nº 116/2003. Como consequência disto, o subitem 17.07, que trazia esta hipóteses de incidência, foi excluído da lista de serviços.

Ora, mas se não está mais na lista, como então a Prefeitura vai passar a cobrar o ISSQN nestas operações?

Simples! O referido Parecer Normativo, de caráter interpretativo, determina que os serviços de divulgação, disponibilização e inserção de propaganda e publicidade sejam tributados por enquadramento no subitem 17.06, ou seja, propaganda e publicidade.

Já que não é possível cobrar ISS por enquadramento no subitem 17.07, vetado, cobra-se por enquadramento no 17.06.

Mas será que isto é juridicamente possível?

Apressamo-nos em afirmar que não!

Vamos entender um pouco mais do assunto.

Por primeiro é preciso compreender como estas atividades estão, ou melhor estavam dispostas na lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003.

"10.08 - Agenciamento de publicidade e propaganda, inclusive o agenciamento de veiculação por quaisquer meios.

17.06 - Propaganda e publicidade, inclusive promoção de vendas, planejamento de campanhas ou sistemas de publicidade, elaboração de desenhos, textos e demais materiais publicitários.

17.07 - Veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, por qualquer meio."

Veja que as operações envolvendo este relevante segmento econômico constavam basicamente de três subitens diferentes da lista. A propaganda e publicidade, propriamente dita, a sua veiculação e divulgação e por fim o seu agenciamento.

Três hipóteses de incidência absolutamente distintas!

Durante o chamado processo legislativo de formação da Lei Complementar nº 116/2003, o Presidente optou por vetar parcialmente alguns dispositivos, dentre eles, justamente o subitem 17.07.

Em matéria tributária, veto de hipótese de incidência é a opção expressa do legislador pela desoneração de uma operação. Veto portanto é o modo pelo qual o Presidente da República manifesta sua discordância com inclusão daquele texto na Lei.

No caso específico do veto ao texto do subitem 17.07, cujo texto previa a incidência do ISS na veiculação e divulgação de material publicitário, o efeito imediato desta decisão é a absoluta impossibilidade de tributação desta operação.

O nosso sistema constitucional não autoriza que o intérprete atue na anômala condição de legislador positivo, para, em assim agindo, inserir no campo de incidência do ISSQN hipóteses expressamente excluídas durante o processo de edição da Lei Complementar.

Tributar serviço cujo subitem foi expressamente vetado é fazer tábula rasa do veto Presidencial.

Muito bem, outro aspecto relevante de nossa discordância com a medida adotada pelo fisco municipal paulistano, refere-se à absurda tentativa de equiparar os serviços de publicidade e propaganda com a atividade de veiculação e divulgação de material publicitário.

Há um frágil argumento por detrás disto tudo, segundo o qual publicidade consiste em tornar público fatos, informações, ideias, serviços, produtos. Pela tese do fisco, publicidade consiste em divulgar algo para o público em geral.

No entanto, esta absurda proposição não resiste à uma análise mais aprofundada do tema.

Vejamos:

Sempre que pairar dúvida ou ainda alguma incerteza sobre o alcance e a abrangência do campo de incidência de uma Norma, o intérprete deve valer-se dos princípios gerais de direito privado, sobretudo no que diz respeito às definições e conceitos preexistentes.

Então, neste nosso caso, é preciso saber quais são as definições dadas pelo direito privado para os serviços de publicidade e propaganda. Precisamos identificar, com precisão e segurança, se realmente eles compreendem as operações de veiculação de divulgação de material publicitário.

Temos duas Leis tratando do assunto.

No caso da propaganda há uma legislação especifica regulando o exercício remunerado da atividade, qual seja, a Lei nº 4.680/1965 e o Decreto nº 57.690/1966.

Assim, nos termos da Lei, a agência de Propaganda é a pessoa jurídica especializada nos métodos, na arte e na técnica publicitária, que, através, de profissionais a seu serviço, estuda, concebe, executa e distribui propaganda aos veículos de divulgação, por ordem e conta de clientes anunciantes, com o objetivo de promover a venda de mercadorias, produtos e serviços, difundir ideias ou informar o público a respeito de organizações ou instituições a que servem.

Veja e isto é importante, que para o direito privado, os serviços de propaganda não compreendem a divulgação e veiculação de material publicitário. Bem ao contrário disto, a legislação estabelece que a agência de publicidade apenas "distribui" propaganda aos chamados "veículos de divulgação".

Pela legislação de regência, uma coisa são os serviços de publicidade e outra, totalmente distinta, são os serviços prestados pelos veículos de divulgação.

Já em relação a publicidade, também há no direito privado definição clara e expressa sobre o tema.

A Lei nº 12.232/2010, conceitua publicidade como sendo o conjunto de atividades realizadas integradamente e que tenham por objetivo o estudo, o planejamento, a conceituação, a concepção, a criação, a execução interna, a intermediação e a supervisão da execução externa e a distribuição de publicidade aos veículos e demais meios de divulgação, com o objetivo de promover a venda de bens ou serviços de qualquer natureza, difundir ideias ou informar o público em geral.

Também neste caso e mais uma vez de forma expressa, a legislação de regência define os serviços de publicidade e estabelece que estes são distribuídos aos veículos de divulgação, objetivando a sua promoção e difusão ao público em geral.

São estas portanto as definições extraídas do direito privado para as hipóteses de incidência descritas no subitem 17.06, qual seja, a propaganda e publicidade.

Depreende-se delas, definições legais, que a divulgação de material publicitário não está contida nos serviços de propaganda e publicidade.

A legislação é clara no sentido de que estes serviços encerram-se com a distribuição do material publicitário para os veículos de divulgação.

IMPORTANTE: Os serviços de propaganda e publicidade compreendem várias ações, incluindo a distribuição do material publicitário, porém, como demonstrado, não tem nada a ver com a efetiva divulgação do referido material.

Quem divulga o material publicitário não presta serviços de propaganda e publicidade e quem presta os serviços de propaganda e publicidade também não presta serviços de divulgação.

Os serviços de publicidade e propaganda são prestados pelas agências, enquanto que os de veiculação são prestados pelos chamados veículos de divulgação.

Mas, o que seriam então estes "veículos de divulgação"?

Vamos nos socorrer da lei de regência mais uma vez. Considera-se veículo de divulgação quaisquer meios de divulgação visual, auditiva ou audiovisual, capaz de transmitir mensagens de propaganda ao público em geral.

Em perfeita sintonia com estas definições legais, a lista de serviços tratava da propaganda/publicidade de forma totalmente desvinculada de sua veiculação. São hipóteses de incidência distintas, descritas em subitens também distintos.

A propaganda e publicidade (subitem 17.06) é tributável pelo ISS. Já veiculação (subitem 17.07) não é tributável em razão do veto presidencial.

Em termos práticos, o fato é que não dá para o fisco municipal equiparar os serviços de veiculação e divulgação, que foram vetados, como os serviços propaganda e publicidade.

Conforme claramente demonstrado, há óbice legal intransponível para este tipo de equiparação.

No caso em comento, infelizmente, nada disto foi observado e a decisão equivocada do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a incidência do ISS sobre atividade expressamente vetada na Lei Complementar.

Equivocada porque se existe veto presidencial quanto a inclusão do serviço na lista é vedado tributá-lo por enquadramento em outro subitem, ainda que sob o argumento da interpretação extensiva.

Por outro lado, ainda que interpretação extensiva fosse permitida, admitido aqui apenas para fins de argumentação, seria impossível equiparar divulgação de material publicitário com propaganda e publicidade.

Só se interpreta extensivamente a lista de serviços, estendendo os efeitos dela, para tributar atividades que possuam a mesma materialidade e natureza, sendo irrelevante o fato de serem grafadas com nomes diferentes. Na lista estão os gêneros dos quais o interprete extrai as suas espécies.

Porém, não dá para fazer isto com a atividade de veiculação de material publicitário, já que estes não estão contidos no conceito de propaganda e publicidade.

Como diz aquele proverbio português, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

Para fins tributários isto é extremamente importante!

 
José Antônio Patrocínio*
Advogado, Contabilista, Consultor Tributário da Thomson Reuters FISCOSoft e Professor de ISSQN no MBA Gestão Tributária na FIPECAFI/USP.
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