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A dosimetria da pena dos crimes econômicos
Julia Mariz*

No Direito Penal, a pena representa a sanção imposta pelo Estado consistente na perda ou restrição de bens jurídicos - como a liberdade ou a pena pecuniária - para aquele que praticou a infração, servindo como retribuição ao agente delituoso e como prevenção de novos ilícitos.

Em outras palavras, diz-se que no Brasil a pena possui o caráter retributivo, pois implica na sanção do infrator que ficará restrito dos seus direitos, bem como o caráter preventivo, já que a intenção do Estado com a aplicação da pena é impedir que o agente delituoso e o resto da sociedade pratiquem aquele crime.

Com efeito, em razão da história do nosso país e tendo em vista o Estado Democrático de Direito que vivemos, é inviável para o ordenamento jurídico que a pena seja aplicada de forma livre, com base apenas na convicção do juiz, sendo essencial que se obedeçam alguns princípios constitucionais.

Assim, para a correta aplicação da pena, sem que haja violação à dignidade humana, é necessário que o julgador observe, de início, o princípio da humanidade (art. 5º, incisos III, XLIX e L, da Carta Magna) que impede que haja qualquer tratamento degradante aos presos. Ainda, o Magistrado deve considerar o princípio da personalidade (art. 5º, inciso XLV, da Constituição da República), que preceitua que a pena não pode, sob nenhuma hipótese, ultrapassar a pessoa do acusado, isto é, familiares e cônjuges não podem ser penalizados, nem mesmo no tocante à reparação do dano, pela conduta do infrator.

No momento da aplicação da pena há de se analisar, também, o princípio da proporcionalidade e da necessidade, visto que a sanção a ser imposta deve ser equilibrada com o crime cometido.

Por fim, imprescindível para a escorreita punição que se consagre o princípio da individualização da pena (art. 5º, inciso XLVI, da Lei Maior e art. 59 e seguintes do Código Penal) que constitui a correta análise da necessidade e eficácia da reprovação e prevenção do crime.

Para tanto, o julgador deve se atentar às circunstâncias descritas no artigo 59 do Código Penal, quais sejam: a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade e os motivos do agente, bem como as circunstâncias e consequências do crime e o comportamento da vítima. Tais elementos são o alicerce para a correta dosimetria da sanção penal, na medida em que o Magistrado se baseará neles para definir o quantum da pena.

Essa norma, todavia, muitas vezes acaba por ser desrespeitada pelos julgadores quando se trata de crimes econômicos.

Isso porque, ao analisar os elementos contidos no artigo 59 do Código Penal, verificar-se-á que os agentes delituosos de crimes econômicos - como crime contra a ordem tributária (Lei nº. 8137/90), evasão de divisas, gestão temerária e fraudulenta, por exemplo, (Lei nº. 7492/86) - comportarão muitas circunstâncias judiciais favoráveis, tornando a pena mais próxima do mínimo legal, o que gera a tão famosa sensação de impunidade nesses casos específicos.

Explica-se. O infrator de um crime contra a ordem tributária, que é processado por sonegação de imposto terá a análise das circunstâncias judiciais, na maioria das vezes, favorável: o agente não terá antecedentes criminais, terá boa conduta social e a personalidade será bem avaliada (em especial, porque não cometeu o crime com violência ou grave ameaça) e o comportamento da vítima em nada interferirá, já que será o próprio Estado.

Dessa forma, tendo em vista que a pena do crime em questão varia de 2 (dois) a 5 (cinco) anos - art. 1º, da Lei nº. 8137/90 - sua aplicação será mais próxima dos dois anos do que nos cinco. E, no caso da aplicação de pena inferior a quatro anos, a pena privativa de liberdade será convertida em restritiva de direitos, conforme preceitua o artigo 44 da Lei Penal.

Entretanto, para evitar que isso ocorra, o Magistrado, muitas vezes influenciado pelo Ministério Público, adota postura mais rigorosa e confere outra interpretação ao artigo 59 do Código Penal. O mais comum é atribuir a notícia de existências de outros inquéritos policiais ou ações penais em curso a maus antecedentes criminais, além de considerações impróprias e equivocadas sobre o valor do tributo em tese sonegado, o que faz com que a pena seja majorada muito acima do patamar mínimo legal.

Recentemente, situação análoga à descrita foi julgada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça no habeas corpus nº. 301.655, de Relatoria do Exmo. Ministro Ericson Maranho, que modificou decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

No caso, o E. Tribunal Regional Federal manteve a condenação de um infrator por evasão de divisas em quatro anos e quatro meses de reclusão por considerar informações fornecidas pela Divisão de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal, as quais atribuíam ao infrator a prática de condutas não confirmadas por sentença condenatória definitiva. De acordo com o Tribunal Federal, a existência de outras apurações seria indicativo de personalidade desfavorável.

A Corte Superior, por sua vez, determinou a redução da pena, valendo-se da Súmula 444 que dispõe: "é vedada a utilização de inquéritos policias e ações penais em curso para agravar a pena-base".

O mesmo ocorreu no julgamento de outro habeas corpus (nº 196.110), também em trâmite no E. Superior Tribunal de Justiça, de Relatoria do Exmo. Ministro Jorge Mussi no qual se consignou que "inquéritos policiais ou ações penais em andamento, ou mesmo condenações ainda não transitadas em julgado, não podem ser levados à consideração de maus antecedentes, má conduta social ou personalidade desajustada para a elevação da pena-base, em obediência ao princípio da presunção de não-culpabilidade."

Dessa forma, conclui-se que os operadores do direito, em especial os advogados, devem sempre estar atentos à cominação da pena, pois não são raras as vezes que os julgadores prestam interpretação rigorosa da lei a fim de evitar a sensação da impunidade aos crimes econômicos.

Contudo, a lei não pode ser desrespeitada para saciar a vontade da sociedade com relação aos empresários, sob pena de desestabilizar o Estado Democrático de Direito e os princípios fundamentais dele extraídos.

FONTES

DELMANTO, "Código Penal Comentado", 8. ed. Ver., atual. e ampl. - São Paulo: Saraiva, 2010.

DOTTI, René Ariel, Curso de direito penal: parte geral, 4. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

 
Julia Mariz*
Advogada Criminalista. Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Participante do VII Curso de Pós Graduação em Direito Penal Econômico e Europeu do Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu da Universidade de Coimbra/PT e Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Pós Graduada em Direito Penal pela Escola Paulista de Magistratura.
E-mail: julia@vannioliveira.com.br

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