Decisoes.com.br - Jurisprudência Administrativa e Judiciária, Decisões de dezenas de Tribunais, STF, STJ, TRF, TIT, Conselhos de Contribuintes, etc.
Usuários
Lembrar usuário
Lembrar senha

Pesquisar em
Doutrina
Boletins
Todas as Áreas
Áreas Específicas
Tribunais e Órgãos abrangidos
Repercussão Geral (STF)
Recursos Repetitivos (STJ)
Súmulas (STF)
Súmulas (STJ)
Matérias Relevantes em Julgamento


Localizar nessa página:   
 

Artigo - Estadual - 2016/0497

A inversão da seletividade do ICMS
Kiyoshi Harada*

O inciso III, do § 2º, do art. 155 da CF prescreve que o ICMS "poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços".

Cumpre esclarecer, de início, que não se trata de imposto seletivo, pois o imposto recai sobre todas as mercadorias e sobre os três tipos de serviços cabentes ao Estado, especificados no inciso II, do art. 155 da CF. Trata-se, pois, de um imposto de alíquotas seletivas.

Alguns estudiosos enxergam no citado inciso III, do § 2º, do art. 155 da CF uma norma de estrutura e não de conduta, pelo que entendem que a seletividade do ICMS integraria o próprio processo legislativo, de sorte de tornar obrigatória a fixação, pelo legislador ordinário, de alíquotas seletivas.

A lapidar clareza do texto constitucional - poderá ser seletivo - não deixa margem de dúvida quanto a faculdade de o legislador ordinário estabelecer alíquotas seletivas em função da essencialidade das mercadorias e serviços.

O preceito do inciso III sob análise configura uma norma de natureza programática. Sobre norma de natureza programática afirmamos o seguinte:

"Se, de um lado, o preceito programático não gera direito subjetivo para o contribuinte que não poderá bater às portas do Judiciário pleiteando que determinado imposto ajuste-se ao seu perfil econômico, de outro, esse preceito produz efeito pelo seu aspecto negativo, à medida que confere ao contribuinte a faculdade de exigir que o poder tributante não pratique atos que o contravenha" (01).

Segue-se que o legislador ordinário está proibido pela Constituição Federal de instituir alíquotas mais elevadas do ICMS em relação a mercadorias e serviços essenciais. Mas, os Estados resolveram tributar o fornecimento de energia elétrica com uma alíquota exacerbada por ser uma tributação rendosa de fácil arrecadação.

É verdade que não há definição legal do que sejam mercadorias e serviços essenciais, mas é verdade, também, que a Constituição não conferiu ao legislador ordinário margem de liberdade para adoção de critério político destoante do conceito de essencial, de necessário e de indispensável em termos de realidade social vivenciada em nosso país. Basta imaginar um black-out por apenas 24:00 horas para que possamos ter a idéia de quão essencial é a energia elétrica para a moderna sociedade em que vivemos. A melhor forma de descobrir a violação do princípio da seletividade é examinando a legislação e confrontando mercadorias e serviços com as respectivas alíquotas.

No que se refere à venda de energia elétrica a legislação do Estado de São Paulo prevê as seguintes alíquotas: a) 12% em relação ao consumo residencial de até 200 kwh por mês; b) 25% em relação ao consumo residencial acima de 200 kwh por mês; c) 12% em relação à energia utilizada no transporte público; e d) 12% em relação à energia utilizada em propriedade rural onde haja exploração agrícola ou pastoril e inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS.

Salta aos olhos que a alíquota de 25%, prevista na letra b retro, desatende à faculdade prevista no preceito constitucional sob análise, porque a presumível capacidade contributiva do consumidor de energia elétrica domiciliar é irrelevante para implementação da alíquota seletiva. O que importa é apenas a sua seletividade em função da essencialidade da mercadoria e do serviço. Como é possível sustentar que a energia elétrica é essencial para quem apresenta baixo consumo e não o é para quem apresenta um elevado consumo?

No estágio atual da civilização, a energia elétrica é sempre um bem essencial. Sua ausência acarretaria a paralisação do processo produtivo e nem haveria circulação de riquezas. A energia elétrica é a força motriz que gera o desenvolvimento econômico-social.

A energia elétrica não comporta gravame maior em relação a outros bens tributados pelo ICMS que são mercadorias e serviços conforme mandamento constitucional, e não mercadorias ou serviços. Logo, impõe-se o confronto do conjunto de mercadorias e serviços para eleger o critério da seletividade em função da essencialidade desses bens.

Não pode o Estado em nome de uma política tributária assentada no critério da arrecadação mais rendosa e a custo zero, insusceptível de sonegação, sobrecarregar o consumo de energia elétrica e o serviço de comunicação igualmente atingido pela esdrúxula carga tributária, invertendo e pervertendo o princípio da seletividade do imposto em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.

Cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir em definitivo quanto a inconstitucionalidade lapidar dessa esdrúxula tributação que atenta contra o princípio da razoabilidade, um limite imposto à ação do próprio legislador. A Corte Suprema reconheceu a repercussão geral sobre o tema constitucional em questão conforme ementa abaixo:

"EMENTA.
IMPOSTO SOBRE A CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS - ENERGIA ELÉTRICA - SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO - SELETIVIDADE - ALÍQUOTA VARIÁVEL - ARTIGOS 150, INCISO II, E 155, § 2º, INCISO III, DA CARTA FEDERAL - ALCANCE - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia relativa à constitucionalidade de norma estadual mediante a qual foi prevista a alíquota de 25% alusiva ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços incidente no fornecimento de energia elétrica e nos serviços de telecomunicação, em patamar superior ao estabelecido para as operações em geral - 17%. (RE 714139 RG, Relator(a): Min. Marco Aurélio, DJe de 26-09-2014 ).

Enquanto a Alta Corte não decide o tema sob repercussão geral, os consumidores continuam arcando com o repasse do encargo financeiro do imposto pago pelas distribuidoras.

Nota

(01) Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 24 ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.

 
Kiyoshi Harada*
Sócio fundador da Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Financeiro, Tributário e Administrativo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos - CEPEJUR. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo e ex-Diretor da Escola Paulista de Advocacia.
E-mail: kiyoshi@haradaadvogados.com.br 

Conheça nossa agenda de capacitação e cursos. Clique aqui.

THOMSON REUTERS CHECKPOINT. A PLATAFORMA REVOLUCIONÁRIA DE PESQUISA FISCAL E TRIBUTÁRIA. SAIBA MAIS.