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Juros sobre o capital próprio: Natureza jurídica do Instituto e Ficção Legal para Fins Tributários - Luciana Ibiapina Lira Aguiar

No mês de outubro o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o Recurso Especial 1.200.492/RS (recurso representativo da controvérsia (01)) no qual se discutia a tributação dos Juros sobre o Capital Próprio (JSCP) pela contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e pela Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) ou a sua não tributação em função da equiparação deste instrumento a dividendos, o que permitiria a aplicação da isenção prevista no art. 1º, §3º, V, "b", da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002 e da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003 (02).

A controvérsia versava, portanto, sobre a definição da natureza jurídica do instituto para fins tributários. Este comentário tem por objetivo refletir sobre os fundamentos descritos no voto vista de autoria do Ministro Mauro Campbell Marques (03) em relação à natureza dos JSCP e ao seu enquadramento para fins de aplicação da lei tributária.

(i) Dos Juros sobre o Capital Próprio: natureza jurídica

Os JSCP, tal como conhecidos atualmente (04), foram regulados pela Lei nº 9249 de 26 de dezembro de 1995, que passou a entender esta forma complementar de remuneração ao acionista como uma despesa dedutível para fins dos tributos corporativos (05), desde que respeitadas as condições legais. Conforme Exposição de Motivos da lei, o artigo foi idealizado considerando os seguintes objetivos:

"Com vistas a equiparar a tributação dos diversos tipos de rendimentos do capital, o Projeto introduz a possibilidade de remuneração do capital próprio investido na atividade produtiva, permitindo a dedução dos juros pagos ao acionista, até o limite da variação da Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP; compatibiliza as alíquotas aplicáveis aos rendimentos provenientes de capital de risco àquelas pela qual são tributados os rendimentos do mercado financeiro; desonera dividendos; caminha na direção de equalização do tratamento do tratamento tributário do capital nacional e estrangeiro (....)
A permissão da dedução de juros pagos aos acionistas, até o limite proposto, em especial, deverá provocar um incremento das aplicações produtivas nas empresas brasileiras, capacitando-as a elevar o nível dos investimentos, sem endividamento, com evidentes vantagens no que se refere à geração de empregos e ao crescimento sustentado da economia. Objetivo a ser atingido mediante a adoção de política tributária moderna e compatível com aquela praticada pelos demais países emergentes, que competem com o Brasil na captação de recursos internacionais para investimentos".(sem destaques no original)

Apesar da justificativa oficialmente exposta no sentido de que o objetivo da norma tributária seria atribuir tratamento isonômico entre os rendimentos do capital próprio e de terceiros, incentivando a alocação de capital em atividades produtivas, há uma corrente (06) que defende que a extinção da correção monetária de balanço, que afetava as demonstrações financeiras das empresas, foi o real motivo para a elaboração do art. 9º da Lei 9.249/95. A dedutibilidade dos JSCP seria, segundo esta corrente, uma regra tributária que conteria em seu cerne uma "renúncia fiscal" (07) para compensar a majoração da carga efetiva decorrente da ausência da correção monetária do patrimônio líquido (que se refletia como despesa dedutível na base dos mesmos tributos corporativos).

Além da celeuma acerca da motivação para a introdução do dispositivo, a própria natureza jurídica dos JSCP também gerou acalorados debates desde a edição da Lei 9249. De acordo com a regra tributária, os valores pagos ou creditados a título de JSCP têm natureza de despesa, entendimento evidenciado pelo próprio comando legal "deduzir" e por outros normativos como a Instrução Normativa SRF nº 41, de 22 de abril de 1998, por exemplo.

Para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no entanto, sendo o JSCP uma forma de remuneração de acionistas, calculada a partir da multiplicação da Taxa de Juros de Longo Prazo pelo patrimônio líquido ajustado, a expressão contábil dos JSCP deveria ser similar ao tratamento atribuído aos dividendos, sem trânsito pelo resultado contábil. Este entendimento foi explicitado na Deliberação CVM 207, de 13 de dezembro de 1996, posteriormente revogada pela Deliberação 683, de 30 de agosto de 2012, que aprovou a Interpretação Técnica ICPC 08(R1) do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). Esta ICPC 08(R1) trata da contabilização da proposta de pagamento de dividendos e pronuncia-se da seguinte forma:

"Juros sobre o capital próprio (JCP)
(...) É prática usual das sociedades distribuirem-nos aos seus acionistas e imputarem-nos ao dividendo obrigatório, nos termos da legislação vigente.
Assim, o tratamento contábil dado aos JCP deve, por analogia, seguir o tratamento dado ao dividendo obrigatório. O valor de tributo retido na fonte que a companhia, por obrigação da legislação tributária, deva reter e recolher não pode ser considerado quando se imputam os JCP ao dividendo obrigatório". (sem destaque no original)

A divergência entre a Receita Federal do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, explicitada nos registros contábeis das Companhias Abertas, trouxe à baila a seguinte questão: poderia o mesmo instituto revelar naturezas distintas sob o ponto de vista do Direito Privado e tributário?

A questão não é simples, tanto assim que a própria doutrina do Direito Societário diverge quanto à natureza jurídica da JSCP. Autores como Fabio Ulhôa Coelho (08) por exemplo, apesar de concordarem que a JSCP faz parte dos "resultados sociais", distinguem esta espécie de remuneração dos dividendos, fundamentando, entre outras razões na própria autorização para imputar os JSCP aos dividendos mínimos obrigatórios, o que por si só já demonstraria a natureza distinta entre as duas formas de remuneração do acionista. De outro lado está a linha acolhida por Rubens Requião (09) considerando que os JSCP possuem natureza de lucro a ser distribuído aos acionistas, tanto quanto dividendos.

O debate ganhou os tribunais brasileiros em diferentes contextos. No Recurso Especial representativo de controvérsia (10) (Resp. nº 1.373.438 - RS 2013/0067213-8), a natureza jurídica dos JSCP foi detidamente analisada para fins de resolução de uma questão de ordem cível. Isto porque o Ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino, em seu voto, além de reconhecer que a natureza dos JSCP gera consequências relevantes nas searas tributária e societária, também entendeu que para o deslinde da referida lide esta análise seria imprescindível.

A conclusão do Relator quanto à análise vai abaixo transcrita:

"O nome de "juros" e a referência à Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP sugere que estaríamos diante de uma modalidade de juros compensatórios, devidos como remuneração pela indisponibilidade do capital investido pelos acionistas na companhia.
Porém, a condicionante da existência de lucro (§ 1º, supra) é incompatível com a noção de juros, fazendo-se supor que o JCP constituem, na verdade, parcela do lucro distribuído aos acionistas (a par dos dividendos), tendo como fundamento o êxito econômico companhia, não a indisponibilidade do capital investido (11)." (sem destaque no original)

Para fundamentar seu voto na questão que em nada se relacionava a aspectos tributários, o Ministro Relator fez ainda menção a parecer acostado aos autos pela CVM na qualidade de amicus curiae no seguinte sentido:

"(...) os juros sobre capital próprio assemelham-se aos dividendos, para alguns fins de aplicação do direito societário, embora revistam-se de algumas peculiaridades decorrentes de seu tratamento tributário e de sua natureza de remuneração de capital" (fl. 599). (sem destaques no original)

Portanto, vê-se como ponto pacificado a natureza de remuneração do capital social, contudo, tanto no entendimento do julgador, quando no da CVM, apesar de haver semelhanças, não há identidade entre JSCP e dividendos.

Neste mesmo julgado há referência ao voto do Ministro Massami Uyeda, proferido na 3ª Turma da Corte Superior (12) que conclui, em uma terceira via. Veja-se:

"(...) os contornos gizados pela referida lei tributária n. 9.249/95 (no caso dos autos, ressalte-se, sequer prequestionada) aos juros sobre capital próprio (reputando-os como sendo despesas a serem abatidas, para, ao final, chegar-se ao resultado final do exercício), de forma alguma interferem, para fins societários, nos direitos dos acionistas reconhecidos no Estatuto (13).
(...)
Tem-se que tal interpretação, voltada para os fins societários, não padece de qualquer ilegalidade, na medida em que a referida lei n. 9.249/95, com abrangência exclusivamente tributária, não tem o condão de alterar a participação societária dos acionistas nos termos preconizados no Estatuto da Companhia."

Seguindo o entendimento acima exposto, no REsp. nº 1.373.438, o Ministro Relator concluiu que a cisão do conceito para fins tributários e societários seria a melhor solução para a qualificação da natureza dos JSCP, uma vez que não seria "possível conciliar numa mesma natureza características incompatíveis entre si" (14).

Assim, ontologicamente, os JSCP foram entendidos pelo STJ como espécie do gênero remuneração do acionista, a qual, em razão de uma ficção jurídica introduzida pela lei tributária, para esta finalidade específica, passou a ter natureza de juros.

Importa destacar a viabilidade jurídica da conclusão expressa na decisão, com respaldo nos arts. 109 e 110 do CTN. De fato a lei tributária não tem o condão de alterar a definição, o alcance e o conteúdo dos institutos e conceitos de direito privado, mas pode atribuir-lhes efeitos próprios para fins tributários.

Luciano Amaro chama atenção para a impossibilidade da alteração de conceitos jurídicos oriundos do Direito (privado ou público) com objetivo de ampliar a esfera de competência tributária. A contrario sensu, conceitos jurídicos não utilizados para definir a competência tributária poderiam ser alterados exclusivamente para esta finalidade tributária (15).

Ricardo Mariz, Fabio Piovesan e Gustavo Martini (16) corroboram este entendimento, afirmando que vários fatos listados em nossa Constituição Federal para fins de definição de competências para tributar são fatos já regulados pelo Direito, ou seja, são fatos já juridicizados ou positivados, sobre os quais, a norma legal de natureza tributária pode atribuir consequência jurídica diversa, exclusivamente nesta seara. Continuam os autores explicando que

"É por isso que o direito tributário assume a natureza do que já se chamou de direito de "sobreposição" ou direito de "superposição", pois ele toma aquele fato, tal como já está trabalhado pelo direito anterior, como substrato para a incidência tributária. Isto é, o fato gerador é um fato jurídico que se constitui a partir de um fato que já era jurídico para outros efeitos de direito (17)".

Em suma, na esfera do direito privado, o STJ (2ª Seção) firmou o entendimento de que os JSCP têm natureza jurídica de remuneração do acionista, sendo "parcela do lucro a ser distribuído (18)" a qual, no entanto, não se compatibiliza com o conceito jurídico de juros (19), tampouco guarda identidade com o conceito de dividendos (20).

Restava, portanto, definir se para fins exclusivamente tributários tratamento diverso poderia ser definido em lei, em relação não apenas à despesa que decorre do seu pagamento, mas também na situação de tributação do acréscimo patrimonial percebido pelo acionista. Este segundo aspecto foi o ponto analisado no REsp 1.200.492-RS, cujo teor do voto vencedor é analisado no próximo tópico.

(ii) Do REsp. 1.200.492- RS - caso Refinaria de Petróleo Ipiranga

O REsp 1.200.492 foi decidido, depois de quatro pedidos de vista (21), por sete votos a três, demonstrando a complexidade do tema. Apesar do Acórdão ainda não ter sido formalizado, a transcrição do voto vista vencedor, de autoria do Ministro Mauro Campbell Marques, foi divulgada extraoficialmente (22) e pode ser analisada.

Neste voto, a exemplo do observado no Resp. nº 1.373.438 , o Ministro analisou a natureza jurídica dos JSCP, buscando as semelhanças e diferenças que poderiam os distinguir ou os enquadrar como lucro ou dividendos.

Como resultado final, foi feito o seguinte quadro sintético para demonstrar o seu entendimento de que as semelhanças entre os JSCP e dividendos se limita ao fato de os dois serem formas de remuneração do acionista. Veja-se:


LUCROS OU DIVIDENDOS

JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO

Em relação ao beneficiário: não estão sujeitos ao imposto de renda na fonte pagadora nem integram a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário (art. 10, da Lei n. 9.249/95).

Em relação ao beneficiário: estão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte na data do pagamento do crédito ao beneficiário (art. 9º, §2º, da Lei n. 9.249/95).

Em relação à pessoa jurídica que paga: não são dedutíveis do lucro real (base de cálculo do imposto de renda).

Em relação à pessoa jurídica que paga: quando pagos são dedutíveis do lucro real (art. 9º, caput, da Lei n. 9.249/95).

Obedecem necessariamente ao disposto no art. 202, da Lei n. 6.404/76 (dividendo obrigatório).

Podem, facultativamente, integrar o valor dos dividendos para efeito de a sociedade obedecer à regra do dividendo obrigatório (art. 202, da Lei n. 6.404/76).

Têm limite máximo ficado apenas no estatuto social ou, no silêncio deste, o limite dos lucros não destinados nos termos dos arts. 193 a 197 da Lei n. 6.404/76.

Têm como limite máximo a variação da TJLP (art. 9º, caput, da Lei n. 9.249/95).

Estão condicionas apenas à existência de lucros (arts. 198 e 202, da Lei n. 6.404/76).

Estão condicionados à existência de lucros no dobro do valor dos juros a serem pagos ou creditados (art. 9º, §1º, da Lei n. 9.249/95).

 

Quadro 1: resumo das diferenças entre os institutos

Fonte: Voto transcrito pela CONJUR

Observe-se que as diferenças pontudas na decisão não se limitam ao tratamento tributário dispensado aos dividendos e aos JSCP, mas também às disposições da lei societária que regem os institutos, portanto não se tratou de mera diferenciação para fins de interpretação e aplicação da lei tributária, mas sim de uma análise mais completa da natureza jurídica dos JSCP. Isto foi feito com o intuito de entender o cabimento do enquadramento da receita de JSCP na isenção de tributação aplicável a lucros ou dividendos e disposta no art. 1º, parágrafo 3º, v, "b" das Leis 10637 e 10833. Observe-se que esta mesma conclusão já havia sido manifestada no AgRg no REsp Nº 964.411 - SC (2007) no qual o Ministro Castro Meira se manifestou no sentido de que os JSCP foram criados como forma de remunerar o capital do investidor, como um acréscimo aos ganhos decorrentes da própria valorização da empresa investida pela superveniência de lucros. Diversamente dos dividendos, pontuou o Ministro, os JSCP são calculados sobre as contas do patrimônio líquido da pessoa jurídica, estando limitados à variação pro rata da TJLP enquanto que os dividendos "representam parcela do lucro distribuída ao sócio, de acordo com o valor de sua cota ou cotas no capital da sociedade, não estando vinculados a quaisquer taxa de juros, correlacionando-se, exclusivamente, com o lucro auferido no período". O julgador finaliza seu entendimento da seguinte forma:

"Ora, o tratamento fiscal diferenciado dispensado aos dividendos e aos juros sobre o capital próprio decorre justamente da distinção material existente entre eles: o primeiro é pago em decorrência dos lucros obtidos pela empresa; o segundo consiste em remuneração do capital investido na empresa".

Retornando ao REsp. 1.200.492, o Ministrou ressalvou ainda que a classificação contábil determinada pela CVM não teria relevância para fins da definição do tratamento tributário, expondo que a autarquia não seria competente para "expedir normas complementares em matéria tributária". Obviamente, a CVM não teve e não teria essa pretensão. O seu entendimento destina-se exclusivamente às companhias abertas e ao cumprimento das exigências de divulgação das Demonstrações Financeiras, o que foi feito observando os critérios usualmente eleitos pelas boas práticas para esta finalidade, quais sejam: a transparência na informação e a fidedignidade. É que para fins do público a que se destina o documento contábil, importa elucidar a natureza de remuneração de acionista própria dos JSCP, conforme concluído no REsp. nº 1.373.438 e não o tratamento tributário a eles atribuído.

Percebe-se que, ainda que de forma indireta, o Ministro defendeu que à lei tributária é dada a prerrogativa de atribuir tratamento fiscal próprio aos atos e fatos do direito privado. Esta liberdade, porém, não é suficiente para lhes alterar a natureza que atribui identidade aos institutos perante o ordenamento jurídico, além de ter seu próprio limite imposto pelo art. 110 do CTN, que determina que autonomia do legislador infraconstitucional deve cessar quando o conceito de direito privado é utilizado pela Constituição Federal para definir ou limitar competências tributárias.

De fato, considerando todos os fundamentos já descritos no final do tópico anterior, o art. 110 do CTN tem por finalidade enfatizar a supremacia constitucional, em face das normas que lhe são hierarquicamente inferiores, garantindo que "as distribuições de competências tributárias e as limitações constitucionais ao poder de tributar não sejam violadas, por via oblíqua, pelo legislador infraconstitucional (23)".

Ricardo Mariz, Fabio Piovesan e Gustavo Martini, acertadamente, concluem que

Portanto, considerando que o direito tributário apresenta-se como um direito de sobreposição ou de superposição em relação aos efeitos jurídicos emanados do direito privado, a modificação implementada pelo direito privado do significado de conceitos utilizados pelo direito tributário poderá trazer conseqüências nessa última órbita. Entretanto, referido reflexo deverá ser relativizado, se o conceito de direito privado tiver sido empregado na Constituição Federal para definir competências tributárias, já que não seria admissível que as normas constitucionais fossem interpretadas a partir do que dispõe a legislação infraconstitucional.

Em relação a dividendos e juros ou mesmo aos JSCP, rigorosamente, não há definição constitucional, ao menos explícita, o que permite, a princípio, a conclusão de que a limitação imposta pelo art. 110 do CTN não impede atribuição de efeitos tributários próprios ao instituto, sendo o art. 9º da Lei 9249 compatível com o ordenamento jurídico.

Mas para além dessa conclusão, o voto-vista no REsp 1.200.492 demonstra o entendimento de que os JSCP representam uma categoria "nova e autônoma", não se enquadrando perfeitamente na espécie dividendos, tampouco no conceito de juros.

Nesse sentido, é valido lembrar das lições de De Plácido e Silva (i) que remetem o conceito de juros à usura dos romanos, afirmando se tratar dos justos proventos que se retiram do capital aplicado em negócios de empréstimos, portanto trata-se da remuneração de capital de terceiros. Já os dividendos são os proventos que decorrem especificamente da aplicação do capital nas sociedades, matéria regulada no pacto social, importando no pressuposto de lucro efetivamente apurado, ou seja, se refere à remuneração do capital social ou capital próprio.

Por conta desta conclusão, entendendo não estarem abrangidos por nenhuma das isenções previstas pela legislação atinente ao regime não cumulativo de PIS e COFINS, o Ministro negou provimento ao Recurso Especial, confirmando a tributação dos JSCP.

(iii) Outros comentários: alterações nas normas em 2015

A recente Medida Provisória n. 694, de 30 de setembro de 2015, cujas disposições produzirão efeitos a partir de 2016, alterou o art. 9º da Lei 9249 para limitar a dedutibilidade dos JSCP ao valor resultante da aplicação da TJLP ou de 5% ao ano sobre o patrimônio líquido ajustado, dos dois, o menor, além de ter elevado a alíquota do Imposto sobre a Renda na fonte (IRF) de 15% para 18%.

Estas recentes alterações, associadas ao teor das decisões do STJ ora comentadas, claramente reduzirão a atratividade da adoção do instituto sob o ponto de vista tributário, podendo representar menor incentivo à capitalização das empresas e maior incentivo ao endividamento.

Deve-se observar, no entanto, que a política de pagamentos de JSCP deve ser avaliada à luz das estruturas societárias e fluxos de pagamentos, além das peculiaridades que só são conhecidas na avaliação caso a caso.

(iv) Conclusão

A partir da análise voto vista prolatado no REsp 1.200.492- RS (caso Refinaria de Petróleo Ipiranga), submetido ao art. 543-C do CPC ("recurso representativo da controvérsia"), conclui-se que o STJ entendeu que os JSCP não correspondem rigorosamente o conceito jurídico de dividendos.

Este entendimento alinha-se ao manifestado no REsp 1.373.438-RS, no qual entendeu-se que ontologicamente, os JSCP representam remuneração do capital social ou próprio, a par dos dividendos, e com natureza ambivalente, o que significa que, a lei tributária, em função de apenas uma ficção jurídica, passou a considerá-los como se natureza de juros tivessem.

Esta ambivalência não encontra, no entendimento do STJ, óbices no ordenamento jurídico, ao contrário, está amparada pela liberdade concedida ao legislador tributário infraconstitucional, pelo Código Tributário Nacional, especialmente em seus arts. 109 e 110.

Por fim, o entendimento do STJ, somado às recentes alterações introduzidas pela Medida Provisória 694, poderão reduzir a atratividade tributária dos JSCP, influenciando as decisões de capitalização e endividamento das sociedades.

Resta notar que os demais votos prolatados na ocasião não estão disponíveis, assim como o Acórdão do julgamento. A leitura destes outros elementos pode proporcionar conclusões complementares sobre o entendimento da Corte. Ademais, diante do fato de a natureza jurídica dos JSCP ter sido examinada pelas duas Seções da Corte, não se descarta a possibilidade de apresentação de recurso pleiteando o exame da matéria pela Corte Especial. Portanto, o assunto deverá ser retomado quando do desfecho final do processo.

Notas

(i) De Plácido e Silva. Vocábulo Jurídico. Vols. II e III. Ed. Forense, São Paulo. 1967. Ps. 557 e 903, respectivamente.

(01) Nos termos do art. 543-C dp Código de Processo Civil - CPC

(02) Os dispositivos excluem as receitas referentes a lucros e dividendos derivados de investimentos avaliados pelo custo de aquisição da base de cálculo dessas contribuições.

(03) O Acórdão, sob responsabilidade do mesmo Ministro, ainda não havia sido formalizado quando da conclusão desse comentário.

(04) A figura dos juros sobre o capital próprio não nasceu na década de 90 do século passado. Ao contrário, Fabio Ulhôa Coelho comenta que instituto foi originalmente previsto na antiga lei do Anonimato (1940) e desde a Lei 4.506, de 30 de novembro de 1964, estabeleceu previsão para o tratamento tributário desse tipo de remuneração paga ao acionista. Naquele período, porém, os juros pagos ou creditados não poderiam ser deduzidos como custos ou despesas operacionais, nos termos no art. 49 da referida Lei, razão para que o instituto fosse utilizado de forma bastante rara.

(05) A Lei 9249 introduziu a disposição para fins de Imposto sobre a Renda (IRPJ) e no ano seguinte a Lei 9430 alterou o dispositivo para atribuir o mesmo tratamento tributário à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSL).

(06) Nesse sentido é o entendimento expresso por Eliseu Martins, por exemplo. Um Pouco da História dos Juros Sobre o Capital Próprio. Disponível em sciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/250701/mod_resource/content/1/Um%20pouco%20da%20Histo'ria%20dos%20Juros%20Sobre%20o%20Capital%20Pro'prio%20(from%20iMac%20Flat).pdf. Acesso em 20 de outubro de 2015.

(07) Vide o voto do Ministro Castro Meira no AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 964.411 - SC-2007. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200701463640&dt_publicacao=05/10/2009. Acesso em 26 de outubro de 2015.

(08) Curso de direito comercial, vol. 2: direito de empresa. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 355.

(09) Curso de Direito Comercial, 2º volume, 30ª ed., atualizado por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 325/326.

(10) Trata-se de recurso especial afetado ao rito do art. 543-C do CPC para a consolidação do entendimento da Corte sobre as seguintes questões jurídicas: (i) possibilidade de cumulação de dividendos e juros sobre capital próprio; (ii) possibilidade de inclusão de juros sobre capital próprio nos cálculos exequendos sem previsão no título executivo judicial.

(11) Voto do Ministro Relator; P. 5 e 6.

(12) REsp 1.112.717/RS, Rel. Ministro Massami Uyeda, 3ª TURMA, julgado em 03/11/2009, DJe 11/12/2009.

(13) Voto do Ministro Relator no REsp. nº 1.373.438. P. 13 de 25.

(14) Voto do Ministro Relator no REsp. nº 1.373.438; p. 14 de 25.

(15) AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 15ª Ed. Saraiva, 2009.P 220 e 221.

(16) OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; MATOS, Gustavo Martin; BOZZA, Fabio Piovesan. Intepretação e Aplicação da Lei Tributária. In: MACHADO, Hugo de Brito (Org.) Interpretação e Aplicação da Lei Tributária. São Paulo: Dialética; Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários - ICET, 2010. p. 356-394.p. 382

(17) Idem. P 382.

(18) Voto Ministro Relator no REsp. nº 1.373.438. P. 15 de 25.

(19) Segundo o voto esta classificação é uma ficção imposta pela Lei Tributária. p. 15 de 25.

(20) Nesse sentido cita-se também: EDcl no AREsp 207.825/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4a Turma, DJe 12/11/2012, AgRg no Ag 1.362.396/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3a Turma, DJe 16/03/2012, REsp 921.269/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, 1a Turma, DJ 14/06/2007,entre outros.

(21) Detalhes do processo disponíveis no site do STJ. https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201001169433&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea. Acesso em 21 de outubro de 2015.

(22) Há transcrição do voto disponível em http://www.conjur.com.br/2015-out-15/stj-define-contornos-tributarios-juros-capital-proprio. Acesso em 23 de outubro de 2015.

(23) OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; MATOS, Gustavo Martin; BOZZA, Fabio Piovesan. Obra citada. P. 384.

 
Elaborado por:
Luciana Ibiapina Lira Aguiar. Mestre em Direito Tributário pela FGV. Bacharel em Ciências Econômicas e Ciências Contábeis e Advogada. Advogada em São Paulo.
E-mail: lla@marizsiqueira.com.br