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A legitimidade para recuperar o indébito da contribuição ao Funrural
Breno Ferreira Martins Vasconcelos
Thais Romero Veiga

Mal havia sido noticiado o julgamento unânime do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade da contribuição ao Funrural instituída pelos artigos 12, V e VII; 25, I e II e 30, IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pelas Leis nºs 8.540/92 e 9.528/97, produtores rurais e empresas adquirentes da produção (frigoríficos, granjas etc.) iniciaram uma acirrada disputa para fazer valer a interpretação que confira a um ou outro grupo o direito à restituição dos estimados treze bilhões de reais indevidamente recolhidos aos cofres públicos.

A primeira premissa a ser lançada é de que o STF, como Corte constitucional, não julgou a quem é devida a restituição do que foi recolhido indevidamente. E nem deveria tê-lo feito. Isso é matéria de ordem infraconstitucional e já vem sendo julgada há anos pelo STJ a favor dos produtores rurais.

A eleição do fato jurídico deflagrador da obrigação de pagar a contribuição ao Funrural foi feita pelos incisos I e II do artigo 25 da Lei nº 8.212/91, que preveem, de maneira clara, ser de 2% e 0,1% as alíquotas cumulativas desse tributo, devidas sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural.

A falsa confusão se instaurou porque esse mesmo diploma legal, ao criar a sistemática de recolhimento da comentada contribuição, atribuiu ao adquirente da produção rural a responsabilidade - denominada, neste caso, de "sub-rogação" - pelo recolhimento aos cofres públicos do valor devido a título de Funrural.

Não se perca de vista: o evento econômico juridicizado pela regra de incidência da contribuição ao Funrural é a obtenção de receita bruta decorrente da comercialização da produção pelo produtor rural pessoa física empregador. No entanto, o legislador, em momento pré-jurídico, conferiu a sujeição passiva ao adquirente, que não realiza o fato-signo presuntivo de riqueza, mas a ele está ligado.

Essa transferência da responsabilidade a terceiros (substitutos) pelo recolhimento do tributo que seria devido pelo sujeito que ostenta a capacidade contributiva (substituído) marca uma tendência adotada pelo Fisco que, nas últimas décadas tem visado a simplificar a sistemática de recolhimento de diversos tributos. No caso do Funrural, é mais cômodo e eficiente fiscalizar 100 grandes empresas a bater às portas (ou porteiras) de centenas de milhares de produtores rurais espalhados pelo país.

Estamos diante, portanto, de uma simples regra de substituição convencional da obrigação tributária: no mesmo momento do fato jurídico tributário, qual seja, a obtenção da receita bruta pelo substituído, a lei desloca a obrigação ao sujeito que faz circular o dinheiro (substituto).

Ou seja, enquanto normalmente a contribuição seria paga por aquele que auferiu a receita, pois é ele quem denota riqueza tributável, no caso presente a lei manda o adquirente, ao realizar o pagamento ao produtor, descontar o tributo e entregá-lo à União.

Na prática, o adquirente-substituto não tem custo algum, pois o valor a ser pago ao produtor, por expressa determinação e presunção legal, é sempre o montante líquido, já descontado do tributo (artigo 33, §5º da mesma lei). Se recolhido ou não, essa é discussão a ser tida entre a União e os substitutos, não cabendo o ônus de fiscalização aos produtores.

Beiram o absurdo, diante do referido quadro jurídico, as discussões existentes em torno da legitimidade ativa para a restituição dos valores de contribuição ao Funrural indevidamente pagos. Ela é do produtor rural, sujeito que suportou o encargo e viu seu patrimônio reduzido pela imposição tributária.

Se o valor recolhido à União foi, por ordem legal, presumidamente descontado daquele pago ao produtor rural, inadmissível que se reconheça ao adquirente, mero substituto tributário, a devolução de valores que jamais desembolsou. Seria a hipótese por excelência do enriquecimento sem causa: enriquecer a custa de outrem.

É nesse sentido que têm corretamente decidido os Ministros do STJ: não passando de mero responsável tributário pelo recolhimento do tributo - repita-se à exaustão, previamente descontado -, o adquirente-substituto possui legitimidade somente para discutir a legalidade ou constitucionalidade da exigência, mas não para recuperar o indébito, que cabe ao produtor.

É importante considerar: a sistemática de recolhimento da contribuição ao Funrural é absolutamente diversa daquela existente na chamada substituição tributária para frente, comum ao ICMS, na qual o substituto adianta com suas próprias finanças o recolhimento do tributo devido em fases posteriores da cadeia. Ou seja, na hipótese da substituição para frente, o fato gerador é "futuro" (verdadeira contradição em termos infelizmente acolhida pela jurisprudência) e, de fato, verifica-se a transferência do encargo financeiro ao substituto, exigindo-se, por assim já haver entendido o STF, a aplicação da regra estampada no artigo 166 do CTN.

Na substituição convencional, como é o caso do Funrural (bem como da retenção do IRRF devido pelos empregados e do ISS retido pelo tomador de serviços, para citar alguns exemplos), a norma aplicável é a do artigo 165 do Código Tributário, cabendo ao produtor rural (substituído), e somente a ele, o direito de ingressar em juízo para repetir o indébito reconhecido em declaração incidental de inconstitucionalidade pelo STF.

Fica o alerta para que nossos Tribunais não confundam a legitimidade para a restituição do indébito, exclusiva do produtor rural, com a simples responsabilidade pelo repasse do valor do tributo à União.

 
Elaborado por:
Breno Ferreira Martins Vasconcelos - Mestre em Direito Tributário pela Universidade de Bolonha - Itália. Mestrando em direito tributário pela PUC-SP e Sócio da área Tributária do escritório Falavigna, Mannrich, Senra e Vasconcelos Advogados.
E-mail:breno@fmsv.com.br
Thais Romero Veiga - Assistente na área Tributária do Escritório Falavigna, Mannrich, Senra e Vasconcelos Advogados.